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28/09/2002
-
22h51
A missa de reabertura da catedral da Sé obrigou o arcebispo emérito de São Paulo, cardeal dom Paulo Evaristo Arns, 81, a rever a agenda. "Evidente que vou", respondeu à reportagem, por telefone.
"Desisti de duas ordenações de padres, na mesma hora. A catedral é o nosso coração. É mais do que uma simples igreja", afirmou.
Das três décadas nas quais atuou como arcebispo metropolitano, dom Paulo guarda muitas histórias da igreja onde se sentia "como sendo povo". Mas são as celebrações que se transformaram em atos contra o regime militar as lembranças recorrentes. Leia trechos da entrevista publicada pela Folha no dia 22:
Folha - O que o sr. acha da idéia de a catedral ter uma unidade museológica com exposições?
Dom Paulo Evaristo Arns - Eu acho muito interessante a idéia de explorar o centro da cidade, para abrir os olhos dos paulistanos a respeito das coisas boas e bonitas que existiram antigamente, e que hoje envelheceram ou talvez foram prejudicadas pelo progresso.
Folha - Quais são as histórias mais importantes que a catedral terá para contar aos paulistanos?
Dom Paulo - O que pode ser objeto de discussão é a própria idéia de uma catedral gótica dentro de uma cidade totalmente moderna. Mas dom Duarte Leopoldo e Silva, em 1912, aceitou o projeto alemão e começou a executá-lo.
Folha - A importância arquitetônica não é ofuscada por outros fatos históricos que tiveram a catedral como pano de fundo?
Dom Paulo - Sim, houve coisas muito importantes. Uma delas foi a missa por Alexandre Vanucchi Leme, em 1973. Levantou todos os estudantes da USP, e muitos outros, e acordou o povo de São Paulo para uma reação pacífica ao regime. O mesmo aconteceu em 1975, com Wladimir Herzog.
Sabe que nunca nós fizemos nada por motivos políticos, mas sempre por motivos religiosos, celebrando a morte e a ressurreição, ou a união do povo, ou muitas vezes também, quando eram presos os operários, celebrando a liberdade que Deus nos garante como seres humanos.
Folha - Foi involuntariamente que a catedral acabou se transformando em um símbolo da resistência ao regime militar?
Dom Paulo - Eu acredito que foram as duas coisas. A praça da Sé, naquele tempo, ainda era livre, não tinha as construções do metrô nem outros empecilhos, e se prestava bem para reuniões de massa. Na catedral, quando bem cheia, chegamos a contar 10 mil pessoas. As cerimônias quase que eram obrigatoriamente feitas lá.
Folha - Quais foram os momentos mais críticos?
Dom Paulo - O que mais impressionou a todo mundo foi certamente a cerimônia ecumênica em favor de Wlado Herzog. A catedral estava repleta. Eu me lembro da palavra de dom Hélder Câmara, atrás de mim: "Com esse ato, o regime, tão pesado, começa a ruir, começa a enfraquecer-se, porque o povo acordou para uma resistência". Parece-me que essa palavra se realizou ao pé da letra.
Folha - E das lembranças afetivas, quais o sr. destaca?
Dom Paulo -Ah, sim, tivemos muitas celebrações importantes. A ordenação de cinco bispos, ao mesmo tempo, em 1975. Foi um momento em que São Paulo se transformou. Em vez de termos dois ou três bispos, chegamos a ter dez, 11 bispos, todos muito unidos. Eu me lembro de muitos outros casos. Por exemplo, daqueles que foram desenterrados do cemitério de Dom Bosco [presos políticos mortos durante o regime, enterrados como indigentes no cemitério da zona norte" e levados para catedral. Aquilo deu uma impressão ao Brasil inteiro como sendo uma espécie de reparação contra o mal feito a essa gente, entre eles muitos idealistas.
Folha - Como o sr. se sente na catedral?
Dom Paulo - Eu me sentia como sendo povo, e o povo parecia sentir que, na catedral, a gente podia dizer tudo, porque Deus não tem limite em sua generosidade.
Leia mais:
Especial Catedral da Sé - Folha Online
E veja também:
Site de Religiões da Folha Online
Para dom Paulo, Catedral da Sé viu regime militar ruir
da Folha de S.PauloA missa de reabertura da catedral da Sé obrigou o arcebispo emérito de São Paulo, cardeal dom Paulo Evaristo Arns, 81, a rever a agenda. "Evidente que vou", respondeu à reportagem, por telefone.
"Desisti de duas ordenações de padres, na mesma hora. A catedral é o nosso coração. É mais do que uma simples igreja", afirmou.
Das três décadas nas quais atuou como arcebispo metropolitano, dom Paulo guarda muitas histórias da igreja onde se sentia "como sendo povo". Mas são as celebrações que se transformaram em atos contra o regime militar as lembranças recorrentes. Leia trechos da entrevista publicada pela Folha no dia 22:
Folha - O que o sr. acha da idéia de a catedral ter uma unidade museológica com exposições?
Dom Paulo Evaristo Arns - Eu acho muito interessante a idéia de explorar o centro da cidade, para abrir os olhos dos paulistanos a respeito das coisas boas e bonitas que existiram antigamente, e que hoje envelheceram ou talvez foram prejudicadas pelo progresso.
Folha - Quais são as histórias mais importantes que a catedral terá para contar aos paulistanos?
Dom Paulo - O que pode ser objeto de discussão é a própria idéia de uma catedral gótica dentro de uma cidade totalmente moderna. Mas dom Duarte Leopoldo e Silva, em 1912, aceitou o projeto alemão e começou a executá-lo.
Folha - A importância arquitetônica não é ofuscada por outros fatos históricos que tiveram a catedral como pano de fundo?
Dom Paulo - Sim, houve coisas muito importantes. Uma delas foi a missa por Alexandre Vanucchi Leme, em 1973. Levantou todos os estudantes da USP, e muitos outros, e acordou o povo de São Paulo para uma reação pacífica ao regime. O mesmo aconteceu em 1975, com Wladimir Herzog.
Sabe que nunca nós fizemos nada por motivos políticos, mas sempre por motivos religiosos, celebrando a morte e a ressurreição, ou a união do povo, ou muitas vezes também, quando eram presos os operários, celebrando a liberdade que Deus nos garante como seres humanos.
Folha - Foi involuntariamente que a catedral acabou se transformando em um símbolo da resistência ao regime militar?
Dom Paulo - Eu acredito que foram as duas coisas. A praça da Sé, naquele tempo, ainda era livre, não tinha as construções do metrô nem outros empecilhos, e se prestava bem para reuniões de massa. Na catedral, quando bem cheia, chegamos a contar 10 mil pessoas. As cerimônias quase que eram obrigatoriamente feitas lá.
Folha - Quais foram os momentos mais críticos?
Dom Paulo - O que mais impressionou a todo mundo foi certamente a cerimônia ecumênica em favor de Wlado Herzog. A catedral estava repleta. Eu me lembro da palavra de dom Hélder Câmara, atrás de mim: "Com esse ato, o regime, tão pesado, começa a ruir, começa a enfraquecer-se, porque o povo acordou para uma resistência". Parece-me que essa palavra se realizou ao pé da letra.
Folha - E das lembranças afetivas, quais o sr. destaca?
Dom Paulo -Ah, sim, tivemos muitas celebrações importantes. A ordenação de cinco bispos, ao mesmo tempo, em 1975. Foi um momento em que São Paulo se transformou. Em vez de termos dois ou três bispos, chegamos a ter dez, 11 bispos, todos muito unidos. Eu me lembro de muitos outros casos. Por exemplo, daqueles que foram desenterrados do cemitério de Dom Bosco [presos políticos mortos durante o regime, enterrados como indigentes no cemitério da zona norte" e levados para catedral. Aquilo deu uma impressão ao Brasil inteiro como sendo uma espécie de reparação contra o mal feito a essa gente, entre eles muitos idealistas.
Folha - Como o sr. se sente na catedral?
Dom Paulo - Eu me sentia como sendo povo, e o povo parecia sentir que, na catedral, a gente podia dizer tudo, porque Deus não tem limite em sua generosidade.
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