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29/09/2002 - 10h10

Parentes de mortos no Massacre do Carandiru aguardam indenização

da Folha de S.Paulo

Jéssica de Souza Almeida, 9, cresceu acreditando que o pai, vigia de uma empresa, tinha morrido com um tiro de um assaltante. Só descobriu que ele era um dos 111 presos mortos na Casa de Detenção, no complexo do Carandiru (zona norte de SP), às vésperas do julgamento do coronel Ubiratan Guimarães, em junho do ano passado, único condenado pelo massacre de 1992, mas que recorre da decisão em liberdade.

A mãe, Maria do Socorro Almeida, 35, desempregada, resolveu revelar a verdade -usada para poupar as três filhas de uma "história bárbara", segundo ela- para levar a família em um ato pela condenação do coronel.

Jéssica nasceu 30 dias depois da morte do pai. Lucas de Almeida, 26, preso por roubo, seria solto um dia após o massacre. Prestes a completar dez anos, assim como o episódio mais sangrento da história do sistema penitenciário brasileiro, a garota agora acompanha o caso com a mesma desconfiança das outras famílias de presos em relação à demora do julgamento dos outros PMs e ao pagamento das indenizações judiciais.

O cumprimento rápido dessas exigências, além da desativação do complexo Carandiru -não só a Casa de Detenção- fazia parte de uma série de promessas que uma missão brasileira levou à OEA (Organização dos Estados Americanos), em 1996, e que não foram cumpridas. Quatro anos mais tarde, diante dos atrasos do governo brasileiro, o caso foi considerado ""massacre" em relatório da Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA.

Indenizações
Alheia à discussão internacional, a família de Jéssica procurou a Justiça e ganhou uma ação no valor de cem salários mínimos (R$ 20 mil) por danos morais, mais uma pensão mensal de um salário. Só que, segundo Maria do Socorro, o dinheiro não chegou.

Das famílias que buscaram a Procuradoria de Assistência Judiciária do Estado de São Paulo, duas tiveram as ações propostas extintas por causa da morte dos beneficiados, 25 estão em andamento e 33 já foram julgadas, em última instância, favoráveis aos familiares dos presos mortos.

Os valores das indenizações variaram segundo a interpretação de cada juiz. A menor é de um salário mínimo para dividir entre os pais de um preso. A maior, de 500 salários mínimos (R$ 100 mil), é destinada para cada um dos pais de outro preso.

Só as indenizações por danos morais -sem contar pensões- somam, no mínimo, cerca de R$ 1 milhão. A quantia será bem maior porque, em alguns casos, o juiz destinou o mesmo valor para vários membros da família.

Só que o dinheiro deve demorar para chegar às famílias. Os valores viraram precatórios (dívidas judiciais) do Estado e entraram em uma fila de pagamento. As decisões favoráveis começaram em 1999, mas o Estado ainda tem precatórios atrasados de 1997.

"Pedimos 500 salários mínimos para todas as famílias que nos procuraram. A maioria conseguiu 100, o que é uma grande conquista. O precatório faz parte das regras do Estado", disse a procuradora Maria Helena Braceiro Daneluzzi, da Procuradoria de Assistência Judiciária.

Maria do Socorro desconfia da possibilidade de realmente receber o dinheiro. "Acho que isso não vai dar em nada. Você acha que o governo vai pagar?" Ela também não entende as complicações do julgamento dos outros PMs. "Foram tantos [policiais", ninguém sabe quem atirou."

O julgamento do mandante antes dos supostos executores é algo incomum, mas não compromete o julgamento dos PMs, segundo o promotor de Justiça Norberto Joia, que atuou na acusação do coronel e responde pelo processo contra os seus ex-subordinados.

Segundo Joia, 84 PMs serão julgados por homicídio qualificado de 102 presos -nove mortos com facas foram retirados do caso- e 20 por lesões corporais graves. As lesões leves prescreveram em 1996. Quatro acusados de homicídio morreram.

Esse julgamento deve demorar pelo menos mais um ano, diz Joia. A defesa recorreu da sentença de pronúncia, que estabelece o julgamento. "Eles estavam lá cumprindo ordens e agiram em legítima defesa", diz Antonio Cândido Dinamarco, que defende 46 PMs.

OEA
Para o ex-secretário da Administração Penitenciária, João Benedicto de Azevedo Marques, que em 1996 defendeu o Brasil na OEA, não houve quebra de promessa. ""Na minha visão, o acordo foi cumprido em grande parte. A exigência maior era a desativação da Detenção", afirmou.

A Casa de Detenção está vazia desde o último dia 15. ""Implodiu a Detenção, mas a situação é tão caótica ou mais do que era em 92. Eles só mudaram o endereço do caos", diz o advogado norte-americano James Louis Cavallaro, diretor-executivo do Centro de Justiça Global, que em 92 cuidou da acusação contra o Brasil na OEA.

Divergências à parte sobre o acordo, ambos concordam que a demora da Justiça em julgar os envolvidos é absurda.

""O que é mais deplorável, depois de dez anos, é a impunidade", disse o vice-prefeito de São Paulo, Hélio Bicudo, ex-integrante da Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA.


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