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20/10/2002 - 02h36

De madrugada, São Paulo vira Ciudad del Este

SÉRGIO DURAN
DAGUITO RODRIGUES

da Folha de S.Paulo

As fábricas de fundo de quintal dominam o comércio ambulante de São Paulo, onde até bem pouco tempo prevaleciam os produtos "made in Paraguai". A alta do dólar obrigou camelôs a virarem fabricantes para sobreviver, diminuindo o contrabando mas mantendo a pirataria e a evasão fiscal.

A inspiração desses microempresários da informalidade é o padrão de consumo da classe média, cada vez mais sua cliente. A mudança de comportamento é refletida nas marcas falsificadas. Sai de cena a calça Fiorucci, entram falsificações de grifes como Zapping e Cavalera. Onde se vendia perfume europeu made in Paraguai, se vende Boticário.

Um dos termômetros é a "feirinha da madrugada", realizada há dez anos na rua 25 de Março, diariamente, das 4h às 8h, incluindo fins de semana. Na feira, camelôs vendem produtos no atacado para outros ambulantes ou lojistas, que fizeram da região do centro de São Paulo a versão brasileira da paraguaia Ciudad del Este, que faz fronteira com Foz do Iguaçu (PR).

O crescimento da feira coincide com a liberação da cotação do real frente ao dólar, em janeiro de 1999. No ano anterior, poucas barracas se alinhavavam em um dos lados da rua, na extensão de três quadras. Na sexta-feira passada, dia de pouco movimento, elas dominavam a rua 25 de Março inteira e todas as transversais.

Projeção do Sindicato do Comércio Atacadista de Tecidos e Armarinhos de São Paulo aponta para cerca de 100 mil pessoas a circulação média diária da feira.

"É a economia real que não aparece na estatística", afirma Arinos de Almeida Barros, presidente da entidade sindical.

Sucesso e fracasso

Na 25 de Março, estão os ambulantes de maior rendimento na cidade. Cícero Silva, 31, de Ferraz de Vasconcelos (zona leste), trabalha há três anos na feirinha. Ele produz e vende bolsas. Já chegou a lucrar R$ 2.000 por semana. "Comprei um Logus 96 e construí minha casa com a banca", conta.

A feirinha atrai sacoleiros de várias regiões do país e estrangeiros de países vizinhos. Segundas, terças e quintas-feiras são os dias das excursões. "Antes da alta do dólar, eu ia para o Paraguai. Agora não dá mais", diz a sacoleira Carmen, 36, que não revela o sobrenome. Ela vem de Cuiabá (MT) comprar na rua paulistana.

A feirinha reúne histórias de sucesso e fracasso. Luiz Carmo, 27, há dois anos na rua 25 de Março, foi proprietário de uma pequena confecção de blusas de tricô no Brás (centro), mas faliu submerso em cheques sem fundo. Agora expõe seus produtos na feira. "Não preciso falsificar marca famosa. Tenho produto e preço bom", diz.

Há muita pirataria no comércio da madrugada. Notas fiscais são artigo raro, apesar de a região ser protegida por dois carros da Polícia Militar. As falsificações estão em pé de igualdade com grifes criadas pelos camelôs. "Vendia marca, mas perdi dinheiro com a fiscalização", afirma Francisco de Oliveira Silva, 27.

Silva vende roupas infantis e confecciona bermudas de tactel. Volta e meia, excursiona pelo Brasil atrás de fábricas de fundo de quintal. Os conjuntinhos que vende vêm de Caruaru (PE). No sábado, ele viajaria para Goiás (GO). Chegou a vender 500 shorts por dia, a R$ 4 cada um.

A origem dos produtos é outra história curiosa da feirinha. O contrabando persiste em eletrônicos, brinquedos e perfumes. Já outros artigos contam com know-how brasileiro de pirataria.

A maioria dos bonés, por exemplo, vem de Umuarama (PR). Os tênis Nike, de Franca (SP), e da região do Gasômetro, no centro. A feirinha é usada também por confecções paulistanas que escoam seus produtos sem pagar imposto por meio dos camelôs.

Paraguai

As mudanças na economia fizeram não só o movimento na ponte da Amizade, que liga a cidade paranaense de Foz do Iguaçu a Ciudad del Este, cair, como também modificou o perfil do material apreendido. "Antes, os produtos de informática e eletrônicos em geral dominavam. Hoje, é basicamente cigarro o que apreendemos", diz o delegado-chefe da Polícia Federal em Foz do Iguaçu (PR), Joaquim Mesquita.

A polícia consegue recuperar o equivalente a US$ 30 milhões anualmente em mercadorias contrabandeadas, mas nem a PF nem a Receita fazem pesquisa sobre a movimentação na ponte. Os órgãos públicos federais apenas estimam que cerca de 20 mil pessoas cruzam diariamente a fronteira Brasil-Paraguai diariamente por Foz do Iguaçu.

A queda no movimento é perceptível para quem percorria o caminho. O ambulante José Mauro, 33, conta que, no passado, saíam cerca de cem ônibus do parque Dom Pedro 2º (centro), vizinho à feirinha da 25 de Março, para o Paraguai por semana. Hoje saem 15. Naquela época, US$ 300 (cerca de R$ 1.200) era o suficiente para Mauro, "fazer a festa" do lado de lá da ponte da Amizade. "Hoje, se não tenho US$ 800, nem saio daqui", afirma.
 

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