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24/11/2002 - 09h54

Estratégia de advogada de Suzane será mostrar "falta de afeto"

EDUARDO ATHAYDE
do Agora São Paulo

A advogada Cláudia Bernasconi, 33, que defende a estudante Suzane von Richthofen, 19 -presa sob acusação de envolvimento na morte dos pais-, deverá sustantar, em sua estratégia, que a garota sofria com "falta de afeto" em casa.

A advogada não descarta pedir em sua defesa exame de insanidade mental e conta que a estudante já pensou em suicídio. Cláudia enfrenta o maior caso de sua carreira.

Para a advogada, Suzane matou os pais -Manfred e Marísia- porque se sentia reprimida dentro de casa e encontrou na família do namorado Daniel Cravinhos, 21 anos, o carinho e afeto que não encontrava na própria família.

Os dois, ao lado do irmão de Daniel, Cristian, são acusados de matar o casal em 30 de outubro no Brooklin, zona sul de São Paulo.

Segundo Cláudia, Suzane está deprimida e já pensou até em suicídio. Ela também teme ser morta pelas presas. Apesar disso, a advogada disse que não vai pedir, por enquanto, a liberdade provisória da acusada. "Pode parecer estranho, mas ela está mais segura na prisão".

Na entrevista de uma hora e 40 minutos concedida com exclusividade ao Agora na última sexta-feira, uma das interrupções foi uma ligação de Andreas, irmão de Suzane. "Ele queria saber das roupas da irmã e como ela estava", disse a advogada.

Leia abaixo os principais trechos:

Agora - A senhora vai pedir liberdade provisória?

Cláudia Bernasconi- Apesar de ela ter direito, não vou pedir por causa do clamor que o caso causou na sociedade. É mais seguro para ela ficar na penitenciária. Nós já temos o exemplo da reconstituição, quando a Suzane foi agredida e xingada. Talvez quando a poeira abaixar um pouco a gente peça a liberdade provisória.

Agora - Com a liberdade provisória Suzane não poderia fugir?

Cláudia -Acho que não. Se fosse para fugir, a Suzane o teria feito logo após ter sido liberada do DHPP [no primeiro depoimento logo após a morte do casal].

Agora - Suzane será instruída a negar a participação no crime ao juiz?

Cláudia -Não vou instruí-la a negar a confissão que fez à polícia. Ela vai assumir.

Agora - O que a Suzane já disse para a senhora?

Cláudia - A gente teve muitas conversas sobre o dia do fato em si e sobre o que acontecerá no processo. Ela está muito deprimida, nervosa, chorosa. Principalmente após a transferência.

Agora - Mas ela não pediu para ser transferida?

Claudia - De maneira alguma. Eu fiz um pedido formal à Justiça para que a deixasse no 89º DP, mas foi recusado. Atualmente, ela está em um lugar que é uma solitária, a porta é fechada, não é de grade, só tem uma frestinha, não há janela. Não tem nem vaso sanitário, é apenas um buraco no chão. Ela tem direito a tomar um banho por dia de no máximo cinco minutos. O chuveiro não fica na cela. Para chegar até o banheiro ela tem de ir acompanhada de um agente. É terrível.

Agora - A Suzane tem medo de ser morta na cadeia?

Cláudia -Sim. A Suzane teme principalmente porque na prisão existe um código de ética que repudia crimes feitos contra pai e mãe.

Agora - A senhora vai pedir um exame psiquiátrico para alegar insanidade mental?

Cláudia - Por enquanto eu vou pedir a visita de um psiquiatra da confiança dela ou da família. A partir de entrevistas que o médico fizer com ela a gente vai decidir o que será feito. Se o psiquiatra entender que é o caso de pedir a insanidade mental à Justiça, a gente vai pedir.

Agora - A senhora é a pessoa que mais tem contato com Suzane hoje. Percebeu alguma coisa anormal nela?

Cláudia -Eu não sou psiquiatra. O que pude perceber até agora é que a Suzane é uma menina extremamente carente, meiga, dócil. Ela é uma menina, uma menina.

Agora - Como uma jovem tão meiga foi capaz de arquitetar crime tão bárbaro?

Cláudia -Não sei. Eu já perguntei, mas ela não sabe responder. "Cláudia, eu não pensei o que iria fazer cinco minutos depois do crime", me disse. Ou seja, ela não pensou o que a vida dela seria depois da tragédia.

Agora - Mas Suzane é uma jovem inteligente, estudava direito e era uma das melhores alunas da classe...

Cláudia -Eu não sei te responder. Suzane, Daniel e Cristian foram extremamente infantis na preparação do plano, cheio de falhas. No primeiro momento em que a polícia esteve na casa já tinha a certeza de que o assassinato havia sido cometido por alguém da casa. Eles deixaram a arma para trás, algo que ladrão não faria. Também não tinha sinal de arrombamento, deixaram a porta aberta... Até o álibi do motel era furadíssimo, porque a hora das mortes foi calculada entre 22h30 e 0h e eles chegaram no motel à 1h30. Eles foram absolutamente incapazes de elaborar o crime, pois eles não tinham a menor experiência nisso.

Agora - Eles fizeram sexo no motel?

Cláudia - Não, eles brigaram, mas ela não disse o teor da discussão.

Agora - Quais são os próximos passos da defesa?

Cláudia -Eles serão interrogados no próximo dia 3. Por enquanto estou preparando a Suzane para esse dia. Ela tem que saber o que falar, porque durante o testemunho dela para o juiz eu não posso interferir em nada. Depois, no dia 6, nós vamos indicar as testemunhas de defesa, que podem ser colegas da faculdade, diretores, professores...

Agora - O Andreas pode ser uma testemunha de defesa?

Cláudia -Não sei se eu submeteria o Andreas a uma situação dessas porque para ele já está sendo tudo muito difícil. Mas ele sempre disse que faria tudo para ajudar a irmã, a quem perdoou.

Agora - A senhora não estranhou esse comportamento do Andreas, já que ela arquitetou a morte dos pais dele?

Cláudia -Não. Porque a Suzane e o Andreas sempre foram irmãos muito chegados. Coloque-se na situação dele. Ele perdeu o pai, a mãe, a irmã, o cunhado que adorava, que o levava para passear, andar de mobilete...

Agora - Os pais de Suzane e Andreas eram muito severos com os dois?

Cláudia -Sim. Em raríssimas ocasiões o Andreas podia sair de casa à noite. No último Dia das Mães, Manfred deu um tapa no rosto de Suzane após uma discussão por causa do Daniel. Ela fala disso com muita mágoa. Talvez esse fato tenha sido a gota d'água para o planejamento do crime.

Agora - E a data dos assassinatos, quando foi escolhida?

Cláudia -Foi no dia da morte. Mas não sei o porquê daquela data específica.

Agora - Ela sente remorso?

Cláudia -Sim. Ela fala que se pudesse fazer o tempo voltar nunca repetiria o que fez. Ela até já falou em suicídio, principalmente quando confessou o crime à polícia. Ela disse que se tivesse uma arma naquele momento daria um tiro na cabeça.

Agora - A estratégia da defesa é passar a impressão de que a Suzane é uma coitada?

Cláudia -Ela é uma coitada.

Agora - Mas ela sempre teve de tudo na vida...

Cláudia -Será? Será que você dar todo o conforto de uma casa e um carro recompensa a falta de afeto? Ninguém sabia o que se passava naquela casa, a família era extremamente fechada. Ela podia ter conforto. Para se ter uma idéia, o chão de um dos banheiros da casa era aquecido.

Entretanto, ela não tinha calor humano, que é fundamental. E esse calor humano ela encontrou na casa de Daniel. Ela era muito bem tratada lá. A Suzane via na família do Daniel sua própria família.

Agora - Ela estava interessada no dinheiro dos pais?

Cláudia -Acho que não. Uma hora ou outra o dinheiro seria dela. Os pais não davam mesada, mas sempre davam dinheiro à Suzane quando ela pedia. Acho que não foi essa a motivação.

Agora - Qual é a pena que a senhora espera?

Cláudia -A melhor das possibilidades é ela pegar uma condenação de 24 anos, que é a pena mínima.

Agora - A Suzane chegou a entrar no quarto dos pais depois que eles estavam mortos?

Cláudia - Não. Na reconstituição ficou provado que ela só esteve no quarto para verificar se os pais estavam dormindo, antes do assassinato. Depois disso, ela não entrou no quarto em hora nenhuma.

Agora - Ela chegou a ouvir os pais pedindo socorro?

Cláudia -O casal não fez nenhum barulho, apenas um ronco comum a pessoas que estão prestes a morrer devido à morte violenta. Só que a Suzane estava na biblioteca, que fica no térreo. Já o quarto ficava no 2º andar.

Agora - A senhora tem mantido contato com os advogados do Daniel e do Cristian. Vocês pretendem fazer uma defesa conjunta?

Cláudia -Eu acho uma defesa conjunta pouco provável. A gente vive um dilema. A Suzane quando foi interrogada pela polícia disse que a idéia foi dela. Já o Daniel disse que a idéia foi dele. Inevitavelmente, nós vamos ter uma encruzilhada.

Agora - Ela pergunta sobre o Daniel?

Cláudia -Não. Ela só escreve cartas para o Andreas, para a avó materna, para o tio materno. O teor das cartas é sempre o pedido de perdão.

 

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