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28/01/2003 - 04h01

Julgadores preparam recursos para sindicatos

da Folha de S.Paulo

Domingos Dantas Pereira trabalha quatro dias por semana no sindicato dos motoristas e cobradores de ônibus de São Paulo. Função: preparar os recursos de multa de trânsito da categoria, que reúne 50 mil trabalhadores.

Pereira só não aparece por lá às quintas-feiras. Nesse dia, é membro efetivo da 10ª Jari (Junta Administrativa de Recursos de Infrações). Função: julgar recursos de multa. Ganha R$ 145 por mês.

A mesma situação se repete com Lourival Rodrigues. Trabalha diariamente no sindicato dos taxistas, onde prepara os recursos de multa da categoria, que reúne mais de 30 mil profissionais. Às quartas-feiras, Rodrigues julga recursos na 2ª Jari. Ou seja, troca de lado e, de "advogado", vira "juiz".

A presença de Pereira e Rodrigues entre os 60 julgadores titulares das Jaris da capital paulista, responsável pela análise dos recursos em primeira instância, é um emblema dos critérios para a composição dos julgadores.

O DSV (Departamento do Sistema Viário) acabou de fazer uma reformulação das Jaris. Trocou 30% dos integrantes, mas os dois foram nomeados novamente para mais dois anos de mandato.

A legislação prevê a participação de representantes de entidades civis no julgamento de recursos. O problema, porém, é que dificilmente há controle sobre as atividades deles fora de lá.

Além de serem indicados pelos sindicatos dos motoristas de ônibus e dos taxistas, respectivamente, Pereira e Rodrigues também são chefes dos departamentos de recursos de multas dessas entidades. Ainda que a distribuição dos recursos entre as 20 Jaris de São Paulo seja aleatória, a probabilidade de eles julgarem os recursos que prepararam não é reduzida.

Os dois sindicatos representam mais de 1% do total de motoristas habilitados na capital paulista. Detalhe: são profissionais do volante, que ficam mais de sete horas no trânsito diariamente. Ou seja, estão sujeitos a cometer mais infrações, a receber mais multas e a fazer mais recursos que os demais motoristas, até para não perder a carteira de habilitação.

"Essa situação é, no mínimo, imoral. Não se pode permitir que a parte interessada participe diretamente do processo. Não é ético", afirma Kazuo Sakamoto, ex-diretor do Denatran. "Existe um inconveniente grande pela atividade deles no sindicato. Caberia a substituição", diz José Almeida Sobrinho, da Unicamp.

Pereira, que é julgador de recursos há três anos, reconhece que, "de vez em quando", um recurso de multa que ele preparou cai em suas mãos na 10ª Jari. Diz, porém, que faz questão de não julgá-lo. "A distribuição é pelo computador. E, se cair comigo, eu passo para outro membro", afirma.

Rodrigues foi contatado na última sexta às 13h. Disse que não poderia falar por estar ocupado. A Folha voltou a procurá-lo, deixou recado, mas não obteve resposta.

O Touring Club do Brasil, organização ligada ao turismo e que oferece serviços de assistência a motoristas, é uma das entidades com representantes tanto nas Jaris, que julgam as multas em primeira instância, como no Cetran.

Fora das instâncias julgadoras, ela oferece serviços de elaboração e encaminhamento de recursos de multa para associados e não-associados. A gerência do Touring, porém, nega a participação dos seus representantes das Jaris e do Cetran nesses serviços. "O estranho é elaborar recurso mediante pagamento. Foge da finalidade de uma entidade que indica julgador", diz Sobrinho.
 

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