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30/03/2003 - 07h45

Guerra ao crime organizado deverá unir Poderes

ELIANE CANTANHÊDE
diretora da Sucursal de Brasília
ANDREA MICHAEL
da Folha de S.Paulo, em Brasília

A guerra ao crime organizado não está começando do zero. Já há 16 projetos para endurecer a lei, 1.549 páginas de informações colhidas em duas CPIs, 945 indiciados e cerca de 300 presos. O que continua faltando é vontade política para juntar esforços federais e estaduais e entre as várias instâncias de poder.

Para preencher a lacuna, o Ministério da Justiça e ex-integrantes da CPI do Narcotráfico, encerrada em dezembro de 2000, estão discutindo a formação de uma equipe permanente de trabalho conjunto unindo Executivo, Legislativo, Judiciário e Ministério Público. No Congresso, foi criada a Comissão Permanente de Segurança Pública.

Uma análise preliminar indica que os processos não são concluídos, alimentando a impunidade -e suas consequências a favor do próprio crime organizado e contra os ânimos da sociedade.

As investigações são feitas e há prisões, mas na hora de condenar a lentidão impera. Junte-se a isso a lavagem de dinheiro, que sustenta os criminosos e coloca em xeque as ações de combate às facções do crime organizado.

A CPI do Narcotráfico, que propôs o indiciamento de 800 pessoas supostamente ligadas ao negócio, não avançou nesse tema.
"Os lavadores de dinheiro são a categoria emergente nos segmentos do crime", diz o delegado Getúlio Bezerra, responsável pela Coordenação Geral de Prevenção e Repressão a Entorpecentes da Polícia Federal e professor da Academia Nacional de Polícia.

"Se não se combater a lavagem de dinheiro, nada feito, é tudo perda de tempo. Um líder criminoso vai para a cadeia, mas vêm outro e outro, e o crime continua sem fim", acrescenta o relator da CPI, deputado agora reeleito Moroni Torgan (PFL-CE).

Essa CPI indiciou 824 pessoas em todo o país sob suspeita de envolvimento com o narcotráfico. Como desdobramento, a CPI do Roubo de Carga, encerrada em dezembro de 2002, indiciou mais 121 suspeitos.

Esse conjunto inclui alguns dos mais famosos criminosos do país, que estão até hoje nas manchetes dos jornais, como Fernandinho Beira-Mar, capaz de fechar o comércio de bairros inteiros no Rio de Janeiro a partir da cadeia. Apesar da demonstração de força, ele nem é, hoje, o mais importante personagem do narcotráfico. Mais forte ainda é Leonardo Mendonça, preso em Goiânia.

Enquanto Beira-Mar se destaca mais internamente, Mendonça lidera a "exportação" de drogas pesadas para os grandes mercados mundiais, como os Estados Unidos. Ele é citado no relatório final da CPI do Narcotráfico no item "Conexão Suriname".

Segundo o delegado Bezerra, o tráfico internacional é o ramo mais importante da rede, "pelo seu potencial ofensivo, pelo dano social que causa, pelo sentimento de insegurança generalizado, pela dependência das pessoas". Além de ser, também, o mais rentável. Estima-se que o negócio movimente entre US$ 300 bilhões e US$ 500 bilhões no mundo.

Além de Mendonça e Beira-Mar, foram listados personagens já bastante conhecidos nacionalmente, como os ex-deputados federais Hildebrando Pascoal e José Alecsandro, hoje presos no Acre, e o ex-presidente da Assembléia Legislativa do Espírito Santo José Carlos Gratz.

Gratz foi investigado pela CPI por suposto envolvimento na rede de cassinos e jogo de bicho. Em resposta, classificou o relatório de "papel higiênico usado". Está preso sob acusação de crime eleitoral.

Engrenagem

A engrenagem do crime organizado se articula em todo o país, unindo ações de São Paulo ao Acre, de Goiás ao Maranhão. Começa com o narcotráfico e acaba com a lavagem de dinheiro. Entre os dois, há uma longa e variada lista de negócios: tráfico de armas, roubo de carga e de carros, sequestro, pistolagem, além dos chamados "crimes invisíveis" -leia-se: "corrupção".

O tráfico de armas e de cargas azeita a engrenagem, porque são comercializadas nas fronteiras em troca de drogas, com um número alarmante: calcula-se que cerca de 90% das armas que circulam no Brasil sejam ilegais. Em operações variadas, que não visavam diretamente armas, a Polícia Federal apreendeu 238 unidades no ano passado. A mais comum foi o revólver calibre 38.

Entre os "crimes invisíveis" incluem-se, por exemplo, os desvios da Previdência Social, que tornaram famosa a advogada Jorgina de Freitas, condenada a 14 anos e cumprindo pena em regime semi-aberto no Rio.

Em 2002, uma força-tarefa que envolve Ministério Público, auditores, procuradores e policiais federais analisou 10.799 processos de irregularidades. Constatou que o conjunto já havia produzido prejuízos de R$ 772,5 milhões para o INSS.

Esse conjunto é classificado de "crime organizado" porque reúne, de acordo com a Academia de Polícia, características como cadeia de comando, planejamento empresarial, controle territorial e antijuridicidade -que significa a capacidade "técnica" de escapar da polícia e da Justiça, inclusive corrompendo autoridades.

Entre os 16 projetos para recrudescimento da lei penal propostos pela CPI do Narcotráfico, destacam-se: aplicação de pena em dobro para quem usar crianças e adolescentes; facilitação de bloqueio de bens de suspeitos; aumento das possibilidades de quebra de sigilos fiscal e bancário.

A intenção, nestes dois últimos casos, é tirar o fôlego financeiro dos criminosos. É isso que alimenta suas atividades mesmo quando estão presos.
 

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