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02/04/2003 - 09h32

Dinheiro sujo é vigiado por 19 técnicos no Brasil

ANDRÉA MICHAEL
da Folha de S.Paulo, em Brasília

Criado por orientação do então presidente Fernando Henrique Cardoso para detectar e rastrear a movimentação de dinheiro sujo, o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) recebe uma média mensal de 350 notificações de operações suspeitas. Sob críticas de inoperância, o chefe do órgão, Marcos Caramuru de Paiva, 49, reconhece: "Somos poucos diante do desafio".

Caramuru comanda um time de 18 técnicos. Monitoram negócios à procura de indícios de lavagem de dinheiro. São aquisições imobiliárias, movimentações bancárias, compras de ações, apólices de seguro e até obras de arte e pedras preciosas.

Embora vinculado ao Ministério da Fazenda, o Coaf se ressente de falta de colaboração do próprio ministério. "Nosso trabalho seria facilitado se houvesse atuação em conjunto entre o próprio conselho, a Receita [Federal], o Ministério Público e a Polícia Federal", diz Caramuru.

Ressalta que o Coaf não tem poderes para investigar nem para bloquear contas suspeitas no Brasil ou no exterior. É por isso que o Ministério da Justiça planeja criar o Departamento de Recuperação de Ativos Financeiros.

Caramuru diverge da PF ao afirmar que os doleiros não são a principal peça da engrenagem montada para lavar recursos de origem ilícita. 'Existe a tentação de afirmar que toda operação de lavagem de dinheiro se converte em uma operação de ativos em dólar remetidos para o exterior. É um erro.' Abaixo, a entrevista:

Folha - Qual é o tamanho da lavanderia de dinheiro no Brasil?

Marcos Caramuru de Paiva - Não há estimativa.

Folha - Há uma modalidade predominante de lavagem?

Paiva - Os tipos são muitos. Exemplos: compra de bilhetes premiados -e por isso recebemos regularmente da Caixa Econômica [Federal] a lista dos ganhadores-, contratos de seguro focados no próprio cancelamento mediante o pagamento de uma quantia, venda de imóvel com valor muito superior ao da compra. O mercado imobiliário interno é uma opção muito recorrente.

Folha - E os doleiros?

Paiva - Doleiro é uma opção para remeter esses recursos para o exterior e depois trazê-los de volta, por exemplo, como uma operação de empréstimo de uma empresa no exterior para outra aqui no Brasil. O Coaf não faz investigação. Somos um serviço de inteligência. Se há uso de doleiro para uma operação lá fora, que não passa pelas vias oficiais, isso não chegará ao nosso conhecimento, salvo em caso de uma denúncia. Existe a tentação de afirmar que toda operação de lavagem de dinheiro se converte em uma operação de ativos em dólar remetidos para o exterior. É um erro.

Folha - Os órgãos que combatem a lavagem de dinheiro dizem que o Coaf não funciona. Criticam o fato de autoridades suíças terem informado o Brasil sobre o dinheiro do fiscal Rodrigo Silveirinha Corrêa, do Estado do Rio de Janeiro.

Paiva - Não acho vergonha. Acho ótimo. Fazemos parte do acordo de Egmont, que reúne 69 países, com o compromisso de informar um ao outro sobre operações financeiras suspeitas. Nesse caso específico, se foi operação irregular, provavelmente não passou pelo sistema. Não teríamos acesso. Mas há na nossa cultura uma prática de dizer: mas não tinha um órgão cuidando disso? Nossa função não é bloquear bens. Esse é um papel que só cabe ao Judiciário, em âmbito nacional, e ao Ministério da Justiça, no exterior, num processo complexo que envolve também o Itamaraty.

Folha - Talvez as críticas ao Coaf sejam decorrentes da frustração com a impunidade.

Paiva - Essa frustração existe e é legítima. Mas os recursos para o trabalho de combate ao crime são e serão sempre limitados. Nós somos poucos diante do desafio. Há 150 mil imobiliárias que têm a obrigação legal de nos informar a respeito de operações que considerem suspeitas. Mas na outra ponta ainda não está claro como faremos a fiscalização.

Folha - E o caso das factorings [empresas que 'compram' créditos de cheques pré-datados], também apontadas pela PF como uma opção de lavagem?

Paiva - Diria que ainda não há um entendimento claro sobre quem fiscaliza as factorings. O Estado sempre terá meios limitados. O importante é que possamos juntar forças e trabalhar em conjunto com todos os órgãos com os quais a lavagem de dinheiro se relaciona. Há questões que dificultam, a começar do sigilo bancário. Não dá para abrir o sigilo de uma pessoa em uma reunião. Existem os limites legais. Nosso trabalho seria facilitado se houvesse atuação conjunta de Coaf, Receita, Ministério Público e Polícia Federal -procedimento que estamos começando a organizar.

Folha - Quantos técnicos trabalham hoje no Coaf?

Paiva - A equipe tem 27 pessoas. Desse grupo, entre 15 e 18 técnicos trabalham na análise de dados. Das 27, 12 pertencem à estrutura do Coaf. As demais são servidores deslocados de outros órgãos. Nossa estrutura é enxuta. Nosso grande ganho é que esses técnicos são auditores experientes, supervisores bancários que sabem lidar com o sistema financeiro.

Folha - Há demanda represada?

Paiva - Não é que tenha demanda represada, mas quanto mais a estrutura de pessoal melhorar, melhor será a análise de dados. O computador não faz tudo.

Folha - Quando vai melhorar?

Paiva - O prazo previsto para as atividades dos servidores deslocados vence no final de abril.

Folha - Quantos técnicos seriam necessários para o Coaf incrementar seu trabalho?

Paiva - Não vou discutir isso pela imprensa. É questão interna.

Folha - Como o senhor avalia o desempenho do Coaf?

Paiva - Está aquém da necessidade e importância do tema, mas ainda assim estamos bem. Não acho que sejamos ótimos, mas a tarefa é nova e difícil. O Financial Action Task Force [acordo internacional com recomendações para combate à lavagem de dinheiro] é de meados dos anos 90 e está sendo reformulado agora. A Alemanha está se credenciando agora para ingressar no tratado de Egmont. Há tendências mundiais que se acentuaram quando se tornou evidente que transações financeiras internacionais lícitas ou ilícitas sustentaram os atentados de 11 de Setembro, mostrando a importância de ampliar a fiscalização. Há a tendência de aumentar os crimes antecedentes [os tipos geradores do dinheiro ilícito movimentado], o número de co-responsáveis pelas operações de lavagem e de fazer com que os bancos conheçam realmente seus clientes e sejam capazes de fiscalizar na ponta a incompatibilidade entre uma operação e o seu titular. Mas tudo isso tem um custo e um tempo para funcionar.
 

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