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13/08/2000 - 05h57

Comandantes do tráfico em morros do Rio conseguem ter "vida útil" de apenas 13 meses

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FERNANDA DA ESCÓSSIA, da Folha de S.Paulo

Nos últimos dez anos, foi de 13 meses o tempo de sobrevivência de um chefe do tráfico no comando da venda de drogas em cinco morros cariocas.

Em 13 meses, uma criança conclui um ano na escola, ou um trabalhador empregado consegue tirar férias. Para um traficante, é o tempo de ser substituído imediatamente no posto, depois da morte ou da prisão.

A rotatividade no mundo do tráfico carioca aumentou nos anos 90: de 1981 a 1990, um chefe "durava" em média 35 meses, 2,6 vezes mais do que na década seguinte. Nos últimos 20 anos, a "vida útil" de um traficante foi de um ano e sete meses.

A Folha passou um mês investigando a história e a genealogia do tráfico em cinco áreas do Rio: Borel, Mangueira, Juramento (zona norte), Rocinha (zona sul), e o conjunto de 11 morros do complexo do Alemão, também na zona norte da cidade.

A partir de um levantamento de todos os chefes do tráfico nessas regiões -com base em dados dos serviços reservados dos batalhões de Polícia Militar-, foi possível chegar a uma média do tempo de atuação dos traficantes antes da prisão ou da morte.

Nos cinco morros, foram pelo menos 62 chefes em 20 anos. A contabilidade é prejudicada pela precariedade dos registros oficiais, mas é acrescida de relatos e lembranças de moradores das favelas e de líderes comunitários.

Sucessão a bala

Há 20 anos a rotina é a mesma: morre um traficante, outro toma imediatamente seu posto. A polícia ocupa um morro, prende um chefe, outro aparece dias depois.

Sanguinária ou pacífica, hereditária ou conquistada, a sucessão segue em alta rotatividade.

"O tráfico de drogas é uma empresa competente, que substitui os pequenos executivos rápido e mantém os antigos em postos de controle", analisa um arquiteto, que prefere não se identificar por motivos de segurança. Ele trabalha há 20 anos em favelas cariocas.

Cada morro tem sua história, mas todos têm histórias em comum, como a de líderes presos que ainda são donos do "movimento" (o comércio das drogas) e senhores da vida e da morte.

No Borel, por exemplo, foram 15 gerentes nos últimos dez anos. Grupos rivais disputaram a bala o comando depois da prisão de Isaías da Costa Rodrigues, o Isaías do Borel, em 1990.

Do presídio, Isaías orienta, ordena e castiga, mas o cotidiano é de guerra entre grupos pequenos que disputam o poder. Os pequenos chefes ficam cada vez menos tempo no poder, ameaçados por quadrilhas rivais e pela ação das forças de segurança. Hoje não há mais casos como o de Isaías, que conseguiu ficar livre por dez anos no comando do tráfico.

Foi dele a ordem para a execução do gerente do tráfico Alexandre Ferreira Barreto, o Xande, quando, no início do ano, o traficante assassinou um motorista de ônibus. Como castigo para a imprudência de Xande, que colocou o Borel de novo na mira da polícia graças à repercussão do crime, Isaías determinou que ele fosse executado pelos comparsas.

Xande "desapareceu" do morro sem deixar pistas, depois de ficar pouco mais de um ano como chefe do tráfico. Um jovem traficante ainda desconhecido dos serviços de informação da polícia, identificado apenas como Balosa, assumiu seu lugar.

Alemão

A sucessão mais sangrenta de todas foi a do complexo do Alemão. Depois da morte de Orlando Jogador, em 1994 -numa cilada armada por Ernaldo Pinto de Medeiros, o Uê, interessado em tomar o comando-, o complexo viveu um período de guerra entre facções.

Só depois de preso, em 1996, Márcio Nepomuceno, o Marcinho VP, conseguiu pacificar a área. Domina o tráfico até hoje, graças a uma rede de cinco gerentes locais.

Sucessão amigável

Há sucessões amigáveis: José Carlos dos Reis Encina, o lendário Escadinha, herdou do pai o comando do morro do Juramento. Preso desde 1986, passou o posto para Uê, que, ao ser preso em 1996, deixou no morro seus homens de confiança, numa sucessão pacífica.

Escadinha ganhou celebridade ao fugir da prisão em um barco a remos, em 83, e de helicóptero, no final de 85. Foi recapturado em 86 e cumpre pena até hoje. Ele lançou um CD de rap no ano passado, afirma que deixou o crime e que se regenerou. Para a polícia, ele ainda manda no Juramento. No final do mês passado, diante do rumor de que o traficante seria solto, faixas foram colocadas no morro: "Escadinha pede paz".

Também hereditária ou comunitária, mas com momentos de conflito sanguinário nos anos 90, foi a sucessão na Mangueira. Francisco Monteiro, o Tuchinha, preso desde 1986, foi sucedido por dois sobrinhos -Magno e Polegar- também já presos.

Na Rocinha, apesar do comando dos pequenos líderes, o poder ainda é de Dener Leandro da Silva, o Denis da Rocinha, preso desde 1987.

Juventude

Quanto mais violento o morro, mais jovens são os líderes, mais dispostos à guerra e à morte. Ao ser preso, em 1996, Marcinho VP tinha apenas 22 anos. Era uma espécie de gênio precoce do crime e estava entre os traficantes mais procurados do Rio. São raros os casos como os de Uê, que foi preso quando tinha 29 anos.

A vida como chefe do tráfico é curta e intensa: é o tempo de assumir o posto, comandar, lutar, ser preso ou morrer. Em 13 meses.

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