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13/07/2003 - 04h52

SP não se acha "feia", como quer Maia

SÉRGIO DÁVILA
da Folha de S.Paulo

"Uma assertiva do poeta: "Que me perdoem as feias, mas beleza é fundamental"." A frase acima foi dita na segunda pelo prefeito do Rio, Cesar Maia, referindo-se a São Paulo, segundos depois de esta ter sido preterida como a cidade que vai disputar o privilégio de ser a sede das Olimpíadas de 2012.

Não surpreende o fato de o polêmico mandatário maior do balneário fluminense ter lançado mão de um verso machista de um poeta machista ("Receita de Mulher", de Vinicius de Moraes) e de tê-lo citado errado (o correto é "As muito feias que me perdoem/ Mas beleza é fundamental").

A surpresa vem da falta de reação da feia em questão. Estaria tão em baixa assim a auto-estima de São Paulo e do paulistano?

"Não concordo", disse à Folha a psicanalista Miriam Chnaiderman, que afirma ter presenciado já na terça pessoas revoltadas com o comentário em filas de banco. "O que houve foi uma disputa do real, que era São Paulo, contra o mito, que era o Rio, um mito internacional, de Copacabana, que não passa pela Cidade de Deus. Venceu o mito, é claro."

Para a ensaísta, autora do documentário "Arma na Mão", o momento pelo qual o país passa privilegia a imagem. Segundo ela, isso tem norteado todas as decisões, inclusive no governo federal. "Por isso ninguém veio a público defender São Paulo, ninguém quer ficar na contramão do momento, que é de puro marketing."

Porcão provoca

No dia seguinte à decisão, a churrascaria Porcão, tradicional ponto do Rio, publicou anúncio de meia página nos jornais locais em que um céu cinza da avenida Paulista com um broche vermelho escrito "não, obrigado", típico de rodízios, contrastava com uma vista da praia de Botafogo com o broche verde "sim, por favor".

A imagem, para ficar na discussão levantada pela psicanalista, colocou ainda mais lenha numa fogueira que parece eterna, a da rivalidade Rio x São Paulo. Ponha eterna nisso: "Essa briga tem origem provavelmente na época das capitanias hereditárias, que lutavam para ser autônomas e estavam isoladas umas das outras", disse André Martin, professor de Geografia Regional da USP.

De acordo com o acadêmico, as diferenças entre paulistanos e cariocas são mais profundas do que se supõe. O melhor exemplo é o fato de os naturais da cidade de São Paulo se chamarem de "paulistas" e os seus vizinhos do Estado do Rio se tratarem todos por "cariocas". "A dicotomia do gentílico sintetiza nossa diferença."

Assim, o povo do planalto paulista se enxerga inserido numa unidade federativa, o estadual acima do municipal, enquanto o povo do litoral ainda se vê como a capital federal, uma cidade independente de sua unidade federativa, muito ligada ao estrangeiro.

"Tocos de dentes"

Se esse for o critério de desempate, aliás, a balança pende. Pelo menos se o estrangeiro em questão for Claude Lévi-Strauss, 94. Em seu livro "Tristes Trópicos", de 1955, o antropólogo franco-belga descreve assim a Cidade Maravilhosa: "O Pão de Açúcar, o Corcovado, todos esses pontos tão louvados parecem ao viajante que penetra na baía como tocos de dentes perdidos nos quatro cantos de uma boca banguela".
Já a capital paulista rendeu um livro-homenagem, "Saudades de São Paulo", lançado em 1996 pela Companhia das Letras, que reúne fotografias feitas por ele entre 1935 e 1937, apresentadas por um texto quase sempre elogioso.

Não importa. O carioca não pretende deixar barata a derrota. Em texto publicado anteontem, o colunista Arthur Dapieve achou bem-feita a derrota paulistana. "A Grande Itu de Marta Suplicy "se acha", escreveu. "No miolo chique da megalópole, vive-se num delírio de fantasia da afluência."

É desse miolo que saiu o autor do maior sucesso atual de audiência da carioca TV Globo, Manoel Carlos, que cria do nada páginas e páginas diárias do folhetim "Mulheres Apaixonadas". Pois aí também aparece a rixa Rio-SP. O teledramaturgo decidiu matar no episódio de ontem um personagem, vítima de bala perdida.

O evento tem lugar num hotel do Leblon, o que valeu protestos de associações de turismo e proibição da subprefeitura da zona sul de que a cena seja gravada lá. Como solução, alguém sugeriu que a personagem morresse envenenada em São Paulo. "A idéia partiu de algum engraçadinho sem graça, que por aqui existem muitos", disse à colunista Laura Mattos, da Folha, o autor, que mora no Rio.

"Siga o dinheiro"

No bate-boca, há opiniões equilibradas, como a da apresentadora de TV Lorena Calábria, carioca que há 12 anos escolheu São Paulo para morar. "Amo e odeio as duas cidades com a mesma intensidade", disse ela. "Assim como as mulheres, não existem cidades feias, e sim maltratadas."

Com ela concorda uma especialista no assunto, a cirurgiã plástica Ana Helena Patrus, dona da Clínica Santé, destino de nove em dez celebridades que se submetem a operações estéticas, vindas em igual número tanto de uma cidade quanto de outra. "A beleza é um conjunto de coisas; São Paulo pode perder em beleza natural mas ganha em outros pontos."

Há quem filosofe, como Arselino Tatto (PT), presidente da Câmara dos Vereadores. "Para nós, paulistas, a feiúra é um ato", respondeu. "A beleza de São Paulo reside no gosto de ser São Paulo."

Há quem recorra ao esporte, como a apresentadora de TV Astrid Fontenelle, carioca de nascimento, hoje paulistana da gema. "A garota carioca, flamenguista que eu era ficou por lá. Aqui estudei de verdade, li de verdade, fiz amigos de verdade. E virei corintiana naquele 3 x 0 do Romário em cima do Amaral, lembra?"

E há quem ironize, caso do jornalista Paulo Henrique Amorim, outro carioca paulistano por adoção. "São Paulo é tão feia quanto a Cameron Diaz: tem nariz feio, boca grande, mas...". E evoca a economia: "Você se lembra do conselho do Deep Throat ao repórter do caso Watergate? "Follow the money" (siga o dinheiro)."

Talvez a melhor frase tenha saído da boca do presidente da Anhembi Turismo e Eventos, Cesar Marcondes, o equivalente paulistano ao secretário da área, depois de ouvir protesto de dezenas de entidades, que fizeram uma moção de desagravo ao prefeito carioca no âmbito da Comissão SP 450 Anos. "Prefiro responder Vinicius com Caetano: "Narciso acha feio o que não é espelho".
 

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