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20/08/2000 - 10h36

Trens matam um a cada quatro dias em SP

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ALENCAR IZIDORO
da Folha de S.Paulo

A morte é rotina para os maquinistas da CPTM (Companhia Paulista de Trens Metropolitanos). Nos últimos quatro anos, 375 pessoas morreram atropeladas nas linhas da empresa. Ou seja, uma a cada quatro dias.

Essas vítimas costumam ser suicidas ou pedestres distraídos que atravessam os trilhos em bairros da periferia de São Paulo.

"Entre os ferroviários, o cara só é considerado maquinista depois do primeiro atropelamento", afirma Everson dos Santos Craveiro, secretário-geral do Sindicato dos Ferroviários da Sorocabana.

Apesar dos índices altos, esses acidentes vêm diminuindo desde 1996. Naquele ano, a CPTM registrou 141 atropelamentos fatais. Praticamente um a cada dois dias. Até junho deste ano, foram 25. Um por semana.

Três maquinistas ouvidos pela Folha se disseram pressionados a permanecer guiando as composições após acidentes desse tipo.

"Pior do que atropelar é ter que continuar trabalhando", afirma Roberto (nome fictício), 33, que, em oito anos de profissão, já passou três vezes por essa experiência. "Nas primeiras, consegui dispensa e só voltei no dia seguinte. Na última, a chefia pediu que eu fizesse mais viagens", diz.

"Ele é obrigado a prosseguir com o trem depois de matar uma pessoa. Sei de caso de maquinista que atropelou três em um único dia", afirma Craveiro.

Com Ronaldo (nome fictício), 46, foi diferente. Ele diz estar acostumado com essas ocorrências. Não acha necessário parar de trabalhar quando atropela alguém.

Em 16 anos de profissão, esteve envolvido em pelo menos 14 atropelamentos. "Depois de um tempo, parei de contar. Mas não foi muito mais que isso", afirma.

"Só fiquei abalado quando matei um garoto de 7 anos. Por ordem da psicóloga, permaneci uma semana em casa. Quando voltei, a chefia reclamou", diz.

Segundo o coordenador do Programa Qualidade de Vida da CPTM, Luiz Alberto Chaves de Oliveira, "a banalização da morte muitas vezes acaba contaminando" o ambiente de trabalho. "Geralmente eles são afastados para se recuperar. Mas a avaliação vai depender da chefia imediata", afirma Oliveira.

Culpa

Esse é apenas um dos problemas enfrentados por quem se arrisca a "pilotar" um trem da CPTM. Pedradas e xingamentos também são fatos corriqueiros.

A locomotiva quebrou, a viagem atrasou: culpa do maquinista. O vagão lotou, o vidro trincou: culpa do maquinista.

A Folha acompanhou, na última sexta-feira, uma das viagens mais críticas da CPTM, na linha F, que liga Brás a Calmon Viana. Espremido na cabine de um trem conhecido como Budd, o maquinista Júlio (nome fictício) conviveu com usuários fumando maconha, viajando nas portas e exigindo rapidez. "Esse trem sai ou não sai?", diziam.

Não bastasse a pressão dos passageiros, Júlio ainda teve de se preocupar com seu próprio "instinto" para não ultrapassar os limites de velocidade. "O velocímetro não funciona. Preciso usar meu instinto para respeitar a sinalização", disse o maquinista.

"A revolta do usuário com o transporte sempre cai nas costas do maquinista. Ele paga o pato pelas más condições da ferrovia", afirma o secretário-geral do Sindicato dos Ferroviários da Sorocabana.

O exemplo mais recente dessa situação aconteceu após o choque entre dois trens da CPTM, no último dia 28, na estação Perus, que deixou nove mortos e 104 feridos.

A comissão de sindicância da empresa concluiu que a culpa foi do maquinista Osvaldo Pierucci. Segundo o laudo, ele não teria calçado a composição 127, que ficou parada em um declive após enroscar na rede aérea.

Pierucci jura ter colocado dois pedaços de madeira que encontrou fora do trem.

O laudo da comissão descartou problemas técnicos, apesar de a energia ter caído e de os freios de estacionamento e pneumático não terem sido suficientes para segurar a composição.

A CPTM tem hoje 650 maquinistas, que ganham R$ 1.000 por uma jornada diária de oito horas. Esses profissionais passam por treinamento de seis meses antes de se tonarem responsáveis por uma locomotiva de passageiros.

Clique aqui para ler mais notícias sobre o acidente em Perus na Folha Online.

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