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18/08/2003 - 05h11

Mercúrio brota da terra em antiga área de mineração em MG

SERGIO TORRES
da Folha de S.Paulo, em Descoberto (MG)

Em um fenômeno nunca registrado no Brasil, mercúrio em forma metálica começou a sair da terra em uma área rural do município de Descoberto (a 370 km de Belo Horizonte). O metal pesado contaminou o solo e, possivelmente, os cursos d'água da região.

As "bolas prateadas" começaram a surgir em dezembro. Passados nove meses, a área não foi isolada. Os cerca de 300 moradores locais ainda não tiveram fios de cabelos coletados para a realização de exames que verifiquem se estão contaminados.

O mercúrio é um dos metais pesados mais tóxicos do planeta. Quem come peixes contaminados pode desenvolver doenças neurológicas irreversíveis.

Para as grávidas, o risco é maior: o metal causa a deformação dos fetos.
Quando o mercúrio metálico cai na água, ele costuma ser absorvido pela cadeia alimentar (bactérias, plâncton, crustáceos e peixes), passando da condição de inorgânico para orgânico, o mais nocivo ao organismo humano.

Solo contaminado

O mercúrio foi visto pela primeira vez em 20 de dezembro, por Cristina Silva, que mora a 50 metros do local do afloramento, na serra do Grama, a 10 km da sede do município de Descoberto.

Na véspera, uma máquina, que alargava o caminho de terra que leva à casa da lavradora, removeu uma rocha -debaixo dela estava o mercúrio, que depois escorreu, pois o terreno é inclinado.

A 15 metros do foco, passa o córrego Rico. A 300 metros, ele deságua no ribeirão do Grama, cujas águas eram captadas para o abastecimento das populações de Descoberto e do vizinho município de São João Nepomuceno.

O ribeirão segue para o rio Novo, que corre para a represa Maurício, frequentada por pescadores.

O solo onde o mercúrio brotou está contaminado, revelou análise da Feam (Fundação Estadual de Meio Ambiente). Em relatório de 18 de julho, a diretora de Atividades Industriais e Minerárias da Feam (vinculada ao governo de Minas), Zuleika Torquetti, informou que a análise das amostras de terra indicou que as concentrações de mercúrio variaram de 269 mg/kg a 936 mg/kg.

O documento cita o "Relatório de Estabelecimento de Valores Orientadores para Solo e Águas Subterrâneas", elaborado em São Paulo pela Cetesb (Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental). "Solos que apresentam concentrações de mercúrio superiores a 25 mg/kg são considerados contaminados", escreveu Torquetti, citando esse relatório.

Segundo ela, são necessários o isolamento da área contaminada em um raio
de 250 metros e a coleta de novas amostras do terreno, em uma área superior à inicialmente estudada. Nada disso ocorreu. Foram despejadas camadas de terra sobre o foco. Uma espécie de canteiro foi construído para impedir que o mercúrio se espalhe, caso volte a surgir.

Mercúrio na água

Um dia após o aparecimento do mercúrio, o marido da lavradora, Antônio Carlos da Silva, levou pedaços do metal ao prefeito de Descoberto, Marcos Lima (PL).

O secretário municipal de Saúde, Orlando Mendonça, constatou a presença do metal e procurou o gerente da Copasa (Companhia de Saneamento de Minas Gerais) em São João Nepomuceno, Erênio Gruppi, que cortou a captação do ribeirão do Grama.

O ribeirão abastecia 10% da população da cidade (23.786, segundo o Censo 2000 do IBGE) e 30% da de Descoberto (4.531).

O sedimento do solo do reservatório de São João Nepomuceno foi analisado
pela Copasa, que, em um ponto, encontrou mercúrio em quantidades acima das consideradas ideais pela OMS (Organização Mundial da Saúde). Gruppi disse à Folha não lembrar da quantidade de mercúrio que havia no reservatório. A captação das águas do ribeirão foi abandonada, afirmou o gerente.

Em fevereiro, o técnico em ambiente Lodônio de Figueiredo, da Secretaria de Saúde de Minas, vistoriou a área. Ele localizou mercúrio no fundo do ribeirão do Grama, o que mostra que o metal escorreu para dentro da água.

A análise das águas da represa não registrou a presença do metal, mas não foram coletadas amostras do sedimento no fundo do curso d'água, onde o mercúrio se deposita.

No local onde o mercúrio apareceu, um veio de ouro foi explorado por garimpeiros a partir do final da década de 10 do século 19. O mercúrio começou a ser usado no garimpo em 1850, quando a mineradora inglesa H. Milliet, contratada pelo governo imperial, passou a explorar o veio. A empresa saiu da área 40 anos depois.

A exploração do veio foi relatada em seus diários pelo médico e barão alemão Goerg Heinrich von Langsdorff (1774-1852), que percorreu a região em uma expedição científica pioneira no Brasil.

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