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21/09/2003 - 09h20

Artigo: Gugu e o "Domingo Ilegal"

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GILBERTO DIMENSTEIN
Colunista da Folha de S.Paulo

É um equívoco concentrar o tiroteio exclusivamente contra o apresentador Gugu Liberato por causa da entrevista fraudulenta de supostos integrantes do PCC, divulgada no "Domingo Legal". O escândalo é apenas consequência do ambiente de vale-tudo da televisão brasileira --a começar do SBT e de Silvio Santos--, reverente ao princípio da audiência a qualquer custo. Pode ser um caso extremo, fruto da irresponsabilidade do apresentador, mas, nem de longe, é isolado.

Não foi, aliás, Silvio Santos quem se divertiu, neste ano, inventando, em entrevista à imprensa, que estava doente, em estado terminal?

Imerso no escândalo, Gugu foi fuzilado de todos os lados. O Ministério das Comunicações, onde até há pouco tempo ele lutava por concessões de emissoras, abriu processo, acusando o programa de "incitar atividades criminosas".

Parlamentares exigiram "punição exemplar". Procuradores da República decidiram mover ação contra o apresentador: pediram indenização de R$ 1,5 milhão e suspensão por 30 dias do "Domingo Legal". A Promotoria de Justiça do Consumidor, de São Paulo, instaurou inquérito civil para saber até onde vai a responsabilidade de Gugu e de sua emissora.

O apresentador iria gravar anúncios para a Petrobras sobre responsabilidade social; a estatal, espertamente, pulou fora.

Mostrando-se arrependido, Gugu Liberato desfilou, na semana passada, em programas de televisão para tentar consertar o estrago da fraude. Inútil.

Pediu desculpas e apresentou-se como vítima, dizendo que não tinha analisado a entrevista antes de levá-la ao ar. É improvável, mas talvez, quem sabe, ele esteja mesmo contando a verdade. Quase ninguém, porém, acreditou nele. O fato de terem punido o autor da "reportagem" foi interpretado menos como uma reparação e mais como a aplicação da regra de que a "corda sempre arrebenta no lado mais fraco".

E não se acreditou porque as pessoas tendem a achar, com justificadas razões, que a guerra pela audiência, na qual o crime é um dos assuntos mais explorados, comporta poucos limites.

Em vários países, mesmo em alguns ditos civilizados, como os Estados Unidos, a baixaria encontra lugar na mídia, inclusive na aristocrática Inglaterra. A diferença é que aqui está reinando em horário nobre.

A exploração da miséria, do sexo, do crime e da violência ganhou, há muito, o horário nobre, em geral mesclando ficção com realidade --química que, muitas vezes, produz belos romances, mas, frequentemente, desastres jornalísticos.

Expressa abertamente por produtores de televisão, a lógica que orienta esses programas é simples: as emissoras atendem ao gosto do freguês. E, na maior parte das vezes, o "freguês" é inculto, suscetível ao sensacionalismo. Quem quer jogar o jogo tem de aceitar essa regra --senão fica de fora.

Como a televisão, salvo em alguns poucos programas, não colabora para a elevação da qualidade do espectador e como o nível de educação da maioria da população é baixo, estabelece-se um círculo vicioso.

Um dos problemas óbvios é que a televisão, apesar de ser uma concessão pública, não é obrigada a exibir uma cota mínima de programas educativos para tentar minimizar os efeitos desse círculo vicioso.

Quem realizou os melhores programas educativos brasileiros, alguns deles referências mundiais, está sem dinheiro. É esse o caso da TV Cultura. A crise passa a todos a mensagem de que investir em educação na TV não dá audiência e, portanto, não traz dinheiro.

Por trás do episódio Gugu-PCC, há um debate muito mais profundo do que a entrevista fraudada. A mídia, no geral, ainda não se percebe como um instrumento de formação, atendo-se à informação e ao entretenimento --e reflete nossa maior fragilidade, que é a lógica da ignorância que gera ignorância, a mesma que fez de um tipo como Gugu algoz e vítima de si próprio.

PS - Parece que Lula se salvou de mais um desastre mercadológico na área social. Técnicos independentes advertiram que o Fome Zero, lançado como foi lançado, rapidamente perderia a credibilidade. Esse novo cartão, que pretende unificar os programas sociais, corre o risco de já nascer manchado se não estiver integrado a programas estaduais e municipais, como técnicos sugerem há muito tempo. Tudo estava preparado para ser divulgado na sexta-feira, mas o próprio Lula assumiu o desgaste e suspendeu a comemoração, pedindo uma amarração melhor. A verdade é que o PT ainda está a dever, na área federal, alguma inovação nas políticas de combate à pobreza --e um programa unificado, capaz de articular os vários níveis de governo, pode ser conceitualmente um bom começo, desde que, é claro, seja bem administrado. Apenas misturar os programas federais, dando-lhes uma nova cara, beira a maquiagem.
 

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