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01/01/2004 - 18h07

Brasileiros se dizem "humilhados" em aeroportos dos EUA

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ROBERTO DE OLIVEIRA
da Revista da Folha

Seis horas sendo vigiada por homens de preto armados, que a levaram por corredores subterrâneos até uma sala cercada de vidros à prova de bala, sem direito sequer a um copo de água. Interrogada à exaustão, a brasileira Kimie Kawashima, 40, foi fotografada, tirou impressões digitais e teve de jurar perante a constituição norte-americana que seu depoimento era verdadeiro.

A acusação? Passar pelos EUA, rumo ao Japão, sem o visto norte-americano de trânsito. A cena, bem ao gosto de Hollywood, aconteceu de fato perto dali, no aeroporto de Los Angeles, no começo de agosto passado.

Com o bilhete aéreo em mãos, por mais que tentasse explicar que seu destino era o aeroporto de Nagoya, onde a mãe e a irmã a esperavam, a brasileira não convenceu e, sob escolta, foi colocada num avião de volta a São Paulo.

"Fui deportada. Nunca me senti tão humilhada", lembra Kimie, que não se deu por vencida. "Voltei ao Brasil, tirei o maldito visto e fui para o Japão", conta. Na volta, a imigração brecou a brasileira outra vez. "Acho que minhas fotos ficaram registradas no computador deles, mas com o visto me liberaram logo."

Burocracia

Desde setembro do ano passado, o Departamento de Segurança Interna dos EUA obriga a apresentação de visto de trânsito para quem precisa fazer escala de vôos internacionais em seus aeroportos.

Com as medidas, mesmo quem nem deixa a aeronave precisa do visto, que custa US$ 120. Além de exigirem visto em trânsito, os norte-americanos criaram outros obstáculos para os viajantes.

Desde agosto do ano passado, o Departamento de Segurança Interna exige entrevista pessoal para autorizar qualquer pedido. Quem não mora em uma das cidades brasileiras com consulado ou embaixada -São Paulo, Rio, Recife e Brasília- precisa se locomover até elas para ser entrevistado.

O Departamento de Estado diz que as medidas foram adotadas em relação à maioria dos países por conta de um suposto plano que se beneficiaria de escalas e conexões aéreas em solo americano para um novo ataque terrorista.

Diante de tantas dificuldades, os brasileiros estão desistindo dos EUA.

"A maioria dos turistas, inclusive aqueles que optavam pelos EUA como escala para a Ásia, está redirecionando sua viagem para a Europa", diz Gilberto Almeida de Araújo, 36, diretor da agência e operadora Speedytour de São Paulo.

Novo rumo

"Turistas que moram onde não há consulado, preço do visto, burocracia e humilhação, tudo isso pesa contra os EUA. A maioria acaba trocando de destino", diz José Zuquim, 45, presidente da Braztoa (Associação Brasileira das Operadoras de Turismo). Mesmo quem tinha o visto, mas precisa renová-lo para entrar na América, está mudando de rumo.

"Não vou perder um dia de trabalho em fila no consulado", critica o administrador de empresas Silvio Zanin, 26, que preferiu comprar um pacote para visitar Portugal e França.

"Antes, a gente mandava tudo por despachante. Agora, tem que ir cedo, pegar lugar na fila, ficar horas sem saber se sairá de lá com o visto", reclama.

Filas em consulados

As filas diárias em frente ao consulado norte-americano em São Paulo chegam a reunir 400 pessoas, o dobro em relação a períodos de baixa temporada. O aumento se deve aos passageiros que vão para a Ásia, atrás do visto obrigatório de trânsito.

Komatsu Shigehiko, diretor de vendas da JAL (Japan Airlines), diz que as companhias aéreas estão discutindo com o governo norte-americano medidas para abolir o visto de trânsito, que já está provocando perda de passageiros. Não está descartada alteração de rota de escala, caso a medida seja prolongada.

Sapato perdido

Os empecilhos impostos pelas autoridades norte-americanas não se limitam aos obstáculos do visto. A "autorização" não garante a entrada ao país. Na imigração no aeroporto norte-americano, o passageiro pode ser "rejeitado" e mandado de volta para casa sem explicação.

"O que mais desagrada o turista é a forma como ele está sendo recebido nos aeroportos dos EUA", afirma Eduardo Nascimento, 64, dono da Nascimento Turismo, uma das maiores agências de viagem do país.

Há dois meses, Eduardo passou por uma situação desagradável. "Perderam um dos meus sapatos na hora de revista e me deixaram meia hora procurando em meio à prepotência", lembra. "Todo cliente que volta dos EUA tem uma humilhação para contar."

Curso de inglês

Líder de intercâmbios, os EUA estão ficando para trás, segundo agências de cursos de inglês.

"Ia tentar o visto, mas com essas mudanças e procedimentos de segurança, não vou mais me submeter a um novo desgaste", diz o bombeiro Edson Roberto Oliveira Mendes de Moura, 35, que teve seu visto para intercâmbio nos EUA negado três vezes, em 96, 97 e 98. Ele está indo para Toronto fazer um curso de inglês por 30 dias.

Divorciado, pai de três filhos, Edson conta que estudar nos EUA lhe daria um "upgrade" na faculdade.

"Como estou cursando letras, acho fundamental uma experiência num país de língua inglesa." Para o Canadá, que também exige visto de entrada, o bombeiro não teme ser barrado. "Em 2000, passei 60 dias estudando em Toronto. Lá, o tratamento e o respeito com o estrangeiro são outros. Cada vez que saía do consulado americano com uma recusa, ficava me questionado: 'o que fiz de errado?'", diz.

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  • Leia a íntegra da reportagem da Revista da Folha
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