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31/08/2000 - 21h24

Leia íntegra do pedido de libertação de Pimenta negado pelo STJ

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da Folha Online

Leia abaixo a íntegra do pedido de revogação da prisão preventiva do jornalista Antônio Marcos Pimenta Neves, encaminhado pelo advogado Antonio Claudio Mariz de Oliveira.

O pedido foi negado pelo STJ (Superior Tribunal de Justiça) no início da noite de hoje.


"Exmo. Sr. Dr. Ministro Presidente do Egrégio Superior Tribunal de Justiça

Antônio Cláudio Mariz de Oliveira, Brasileiro, casado, advogado inscrito na OAB/SP sob os número, respectivamente, 23.193, com escritório no endereço impresso no rodapé da página, vem, com fulcro no artigo 5º, LXVIII da Constituição Federal e nos artigos 647 e seguintes do Código de Processo Penal, impetrar a presente

Ordem de Habeas Corpus com pedido de liminar

em favor de Antônio Marcos Pimenta Neves que está sofrendo constrangimento ilegal por parte do Segundo Vice-Presidente do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.
Termos em que, do seu regular processamento, p. deferimento.

São Paulo, 31 de Agosto de 2000.

Razões de Impetração
Paciente: Antônio Marcos Pimenta Neves

Egrégio Tribunal,
O Cabimento da presente impetração

O presente 'mandamus' tem por objetivo reformar a decisão do Desembargador Gentil Leite, E. 2º Vice-Presidente do Egrégio Tribunal de Justiça de São Paulo,
que negou pedido de liminar feita em outro HC ajuizado em favor do paciente naquela Corte (doc. 01). O artigo 5º, inciso LXVIII, da Carta Magna estabelece
que o habeas-corpus será concedido 'sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder'.
Note-se que o dispositivo constitucional não distingue a possibilidade de estar o constrangimento ilegal caracterizado por uma decisão liminar ou por uma decisão
definitiva. Configurada coação à liberdade do paciente, evidente que cabe a análise da ilegalidade do ato, ainda que tenha sido ela perpetrada por uma decisão liminar.
Nesta oportunidade convém lembrar o clássico ensinamento do Ministro Costa Lima: 'O habeas corpus é o instrumento tutelar da liberdade.
No seu exame o juiz não pode criar obstáculos tais que venham tornar letra morta a garantia constitucional'. Bem por isto, o habeas-corpus, nas palavras do Ministro
Vicente Leal, é um autêntico 'instrumento processual de dignidade constitucional, destinado a garantir o direito de locomoção' (2). Sendo assim, sua admissibilidade não pode sofrer restrições de qualquer ordem.
Em recente decisão do Supremo Tribunal Federal, o Ministro Marco Aurélio teve oportunidade de enfrentar questões análoga a ora em debate, e, na oportunidade,
deixou assentado o seguinte escólio, que merece transcrição em face das suas judiciosas conclusões: 'Em primeiro lugar, ressalte-se a idoneidade maior, a
envergadura ímpar da ação constitucional de habeas corpus. Sobrepõe-se, até mesmo, ao fator temporal, ficando excluída, assim, a possibilidade de a passagem
do tempo resultar em preclusão. Importante é saber-se se, na espécie, há articulação em torno do cerceio ao exercício da liberdade de ir e vir. Esse é o dado primordial para abrir-se a via da impetração. Pouco importa que o ato de constrangimento surja precário e efêmero; pouco importa esteja ele estampado em decisão interlocutória ou definitiva; pouco importa que, na espécie, se tenha envolvimento ato judicante formalizado no campo precário e efêmero, como é o da apreciação de pedido de medida acauteladora. O que cumpre é averiguar é se a prática formalizada repercute de forma ilegal na liberdade do cidadão. Afirmativa a resposta, há de caminhar-se para a admissibilidade do habear corpus.
Óptica diversa implica em dizer-se que ato definitivo, que ato de Colegiado fica submetido à jurisdição constitucional a ser implementada via habeas corpus e
ato monocrático é imune a tal controle. Daí não poder, em face de submissão aos mandamentos constitucionais, agasalhar a tese linear segundo a qual não cabe a
impetração quando o ato envolvido e apontado como de constrangimento esteja revelado pela negativa de concessão liminar' (3).
Ora, não há dúvida que, na hipótese de estarem positivamente presentes o 'periculum in mora' e o 'fumus boni juris', como estão no caso presente, a decisão que não concede a prestação jurisdicional cabível estende os efeitos do constrangimento ilegal já existente. A negação de liminar substitui o anterior ato ilegal, no caso, o que decretou a prisão preventiva.
Cumpre destacar que, no presente caso, ao indeferir a liminar pleiteada a autoridade coatora afirmou que as razões da impetração 'não trazem certeza da existência da ilegalidade manifesta'.
Data vênia, 'certeza da ilegalidade manifesta' é requisito para a concessão da ordem de HC, e não de liminar. É questão a ser apreciada pela Câmara, no
julgamento do mérito do pedido.
Para concessão de liminar, necessário é o 'fumus boni juris', ou seja, a razoabilidade do pedido. E, principalmente, o 'periculum in mora', a possibilidade
de dano irreparável. E esta possibilidade de dano não se localiza nas razões de fundo do HC, como quis a autoridade coatora, mas nos fatos especialmente
apresentados com o objetivo de demonstrá-la.
E isto foi feito de maneira satisfatória, como está demonstrado no curso da impetração.

O constrangimento ilegal

O paciente foi denunciado por alegada prática do delito previsto no artigo 121, parágrafo 2º, incisos I e IV do Código Penal (doc.02). Narra a inicial que Pimenta Neves matou, no último dia 20, por motivo torpe e usando recurso que dificultou a defesa da vítima, Sandra Florentino Gomide.
Antes do oferecimento da denúncia, a autoridade policial que presidiu as investigações representou pleiteando o decreto de prisão preventiva do paciente (doc. 03).
Após concordância do Ministério Público (doc. 04), a custódia foi decretada pela MM. Juíza de Direito da Comarca de Ibiuna, no mesmo despacho em que recebeu a denúncia (doc. 05).
Cumpre esclarecer que, anteriormente, fora decretada sua prisão temporária, na madrugada do dia 21 de agosto, poucas horas após o cometimento do delito (doc. 06).
Tendo em vista o flagrante constrangimento ilegal representado pela desnecessária e infundada decretação da prisão preventiva, ingressou-se com a competente ordem de Habeas Corpus perante o Egrégio Tribunal de Justiça de São Paulo, no último dia 29 do corrente (doc. 07). Pleiteou-se a concessão de medida liminar para a sua revogação que, como já se disse, foi indeferida
(doc. 01).
Cumpre esclarecer que o paciente, logo no dia 21 do corrente, assumiu a autoria delitiva e, por meio do ora impetrante, marcou sua apresentação espontânea perante a autoridade policial que preside as investigações para o dia 23 de agosto. Já no dia 22, os jornais e a internet davam a notícia de que o paciente iria se apresentar e então assumir a autoria dos disparos (docs. 08/10).
E só não o fez em razão de internação médica na Unidade de Terapia Intensiva do Hospital Albert Einstein 'em virtude de intoxicação exógena' meio pelo qual tentou
por cobro à sua vida (doc. 11). Apenas porque foi informada pelo signatário da presente, a mesma autoridade policial dirigiu-se ao citado hospital e cumpriu o mandado de prisão na noite do dia 22 de agosto. De qualquer forma, e sempre autorizado pelo requerente, o impetrante compareceu no dia 23 ao Departamento de Homicídio e Proteção à Pessoa e fez a entrega voluntária da arma por meio da qual foram feitos os disparos que vitimaram Sandra Florentino Gomide (doc. 12).
Passados dois dias, e assim que recebeu autorização médica para tanto, o paciente foi submetido a interrrogatório policial no último dia 25. Como havia
prometido, assumiu a autoria dos fatos. Tal circunstância também já é notória.
No dia 25, ao receber alta médica, o paciente, sempre sob a custódia policial, foi internado em uma clínicapor determinação psiquiátrica. Tal internação ocorreu
pelo temor de que, no atual estado emocional do paciente, fosse renovada a tentativa de suicídio.
Relatório médico firmado pelo conceituado Hospital confirmou tal temor (doc. 13)
Inexplicavelmente, o Juízo de Ibiúna, para quem havia sido feito um pedido de revogação da prisão temporária, já no dia 23 (doc. 14), o qual nunca mereceu atenção, determinou a transferência do paciente da clínica para a unidade prisional do DHPP, ignorando a orientação médica (doc. 15).
Felizmente, o Eminente Des. Gentil Leite, em decisão liminar proferida nos autos de outro HC, revogou esta determinação, mantendo o tratamento do paciente por no mínimo mais de dez dias, no aguardo de novas informações sobre a evolução médica do caso (doc. 16).
Para estupefação de todos aqueles que acompanham a vida judiciária de São Paulo, o inquérito policial foi encerrado em uma semana, às pressas e, já no mesmo dia 29, a prisão preventiva foi decretada. Note-se que o inusitado açodamento se patenteia quando se verifica que o recebimento da denúncia e a prisão ocorreram sem que houvesse nos autos a prova técnica, pois nenhum laudo havia sido juntado. Ademais, sequer o seu interrogatório estava completo, pois a parte gravada não fora ainda transcrita. E mais, o pedido de revogação de prisão temporária, formulado seis dias antes, só nesta oportunidade mereceu alguma atenção: foi julgado prejudicado.

A repercussão jornalística

Trata-se de fato notório que o delito cometido pelo paciente assumiu repercussão extraordinária, merecendo por parte da imprensa uma cobertura comparável aos fatos mais relevantes das últimas décadas. E, o que mais espanta, é que tamanho 'sucesso' não se justifica. Não se cuida, in casu, de um acusado notório,
nem de uma vítima famosa, circunstâncias que sempre dão maior audiência aos noticiários. Não se trata daqueles crimes cometidos por administradores públicos nos quais a atuação da mídia ganha ares de serviço de utilidade pública. Não estamos diante daqueles crimes dotados de especial perversidade ou cometidos por criminosos renitentes, hipóteses em que atua em favor do 'ibope' um
estranho sentimento de morbidez, que se tem disseminado nas civilizações ditas civilizadas. Nada disso. O fato, se não é corriqueiro, não é incomum. Homicídio
perpetrado como um episódio isolado na vida de um homem de bem é evento retratado com frequência pela crônica judiciária (doc. 17).
O que preocupa e assusta diz respeito ao exercício da função jurisdicional. Com efeito, a mídia extrapolou os limites de suas funções naturais e, verdadeiramente,
está usurpando o exercício da jurisdição. Quer porque, por sua via, investiga, acusa, condena e pune, quer porque interfere de tal forma na consciência da
sociedade que esta se transforma em instrumento depressão, o próprio Poder Judiciário, especialmente na hipótese de magistrados jovens, se torna seu refém.
Angustiado com esta situação presente em outros casos judiciais, mas especialmente no versado na presente impetração, o impetrante, advogado militante há 30 anos na área criminal, por meio de nota à imprensa, expôs sua
amargura (doc. 18).
As considerações acima têm cabimento na presente impetração para que se sedimente a idéia da absoluta impertinência da decretação da prisão preventiva e para que se mostrem as possíveis razões de seu acolhimento e do indeferimento da medida liminar: a massacrante, odiosa e parcial cobertura jornalística que tem se dado ao caso.
Como exemplo da selvageria jornalística, menciona-se o episódio da exibição de uma gravação clandestina do interrogatório policial do paciente, pelo telejornal
líder em audiência. Para veicular o 'furo' e alegrar os anunciantes com os índices de audiência, a emissora de televisão ignorou por completo a vilania, a baixeza, a
imoralidade do ato. O fez em tom triunfante, utilizando- se da epígrafe 'exclusivo', como se tivesse orgulho do que fazia. E, quem sabe, talvez tivesse mesmo...

O artigo 66 da lei nº 5.250/67

Antes de examinarmos o decreto de prisão preventiva, para mostrar a sua absoluta ilegalidade, cumpre, logo de plano, realçar a existência de direito líquido e certo ferido por esta decisão independente de seu mérito.
Dispõe o artigo 66 da lei 5.250/67, a chamada lei de imprensa: 'O jornalista profissional não poderá ser detido nem recolhido preso antes de sentença transitada em julgado; em qualquer caso, somente em sala decente, arejada e
onde encontre todas as comodidades. Parágrafo único. A pena de prisão de jornalista será cumprida em estabelecimento distinto dos que são destinados a réus de crime comum e sem sujeição a qualquer regime penitenciário ou carcerário' (g.n.). A clareza do dispositivo não abre margem para dúvidas.
Ainda assim, o mais pranteado comentarista da matéria, Darcy Arruda Miranda, fez questão de analisar, com suas palavras, o teor do dispositivo mencionado. O fez da seguinte maneira:
'Antes que a sentença condenatória transite em julgado, não pode o jornalista profissional ser detido, nem recolhido preso. Não pode haver em relação a ele a
prisão preventiva. Livrar-se-á solto, até que a decisão (inferior ou superior) transite em julgado'(4).
Embora não exista argumentação no sentido de que, por estar inserida na lei de imprensa, tal dispositivo teria aplicação exclusiva aos crimes previstos na mesma lei, por excesso de zelo, os impetrantes desejam, desde já, afastar qualquer uma que pudesse haver.
De fato, parece ser tentadora a adoção de uma interpretação restritiva. Mormente no caso em tela, em que a questão da existência de supostos privilégios ao
paciente está latente. Há de se ter em conta, porém, que a lei de imprensa
existe há mais de 30 anos e o dispositivo, nunca questionado, esteve aí em vigor este tempo todo, apto a ser aplicado em favor de qualquer jornalista profissional. Não foi feito para o paciente, nem por ele. Ademais, diferenças de tratamento quanto à situação cautelar do acusado, motivadas pela sua função, são
previstas em outras legislações, entre as quais se destaca o próprio Código de Processo Penal, que regula a prisão cautelar especial o seu artigo 295.
Pois bem. Logo de plano, a primeira razão que afasta a interpretação restritiva do dispositivo mencionado é a própria letra da lei. O legislador de 1967 não fez
qualquer distinção. Bem por isto, o intérprete, tal qual agiu Darcy Arruda Miranda, não pode fazê-lo. A interpretação restritiva de um benéfico concedido ao
acusado só tem lugar quando ficar evidente o 'esquecimento' do legislador em restringir a hipótese de aplicação. E este esquecimento, que não se presume, é
auferível por meio de um critério objetivo. Ensina Hélio Tornaghi que a interpretação restritiva é cabível, '... nos casos em que a admissão do sentido literal da norma a poria em contradição com outra ou consigo mesmo'
(5). E, no caso, a interpretação literal do conteúdo da norma não causa qualquer contradição, o que impede o seu entendimento restrito.
Na verdade, prosseguindo numa análise interpretativa, e passando por um estudo sistemático, constatamos que a interpretação extensiva é a única que empresta ao
dispositivo uma razão de ser. O dispositivo veda, como é indiscutível, a prisão
cautelar. Mais especificam,ente, como ensinou Darcy Arruda miranda, proíbe a prisão preventiva. Caso se adote a idéia de que se aplicaria apenas e tão
somente aos crimes previstos na lei de imprensa, tal dispositivo seria praticamente inútil. Ora, os crimes da lei de imprensa são apenados com a
pena de detenção que, nos termos do artigo 313 do Código de Processo Penal, já não admitem, em regra, a prisão preventiva.
Das duas únicas exceções nas quais é permitida a prisão preventiva em crime apenado com detenção, a primeira, que diz respeito à condição de vadio do indiciado ou à dificuldade de identificá-lo, não tem qualquer pertinência já que o dispositivo em questão atinge apenas os jornalistas profissionais que, exatamente por isso, não são vadios e são facilmente identificáveis. Restaria a segunda hipótese, que diz respeito ao réu condenado por outro crime doloso.
A par disso, os eventuais defensores da interpretação restritiva, poderiam argumentar que o delito previsto no artigo 18 da lei de imprensa estabelece pena de reclusão, na qual é admitida, em tese, a prisão preventiva. E, de fato, é.
Mas será que o legislador, ao criar o artigo 66 em estudo, tinha em mente beneficiar o praticante de uma única modalidade criminosa específica, exatamente aquele que ele mesmo julgou ser a mais grave? Ou, pior, busca a ele prestigiar aquele que já tem uma anterior condenação criminal?
Ou será que a lei visava proteger o jornalista enquanto profissional? Note-se que o tratamento diferenciado previsto, por exemplo, no já citado artigo 295 do CPP, leva em consideração a função do acusado. O que se preserva é a profissão e não a circunstância de ter praticado um ou outro crime.
Por mais esta razão a prisão preventiva do paciente não pode prosperar. O decreto de prisão preventiva. Segundo a decisão proferida pela MM. juíza de Ibiúna, a prisão preventiva teria lugar pois,... '... do crime decorreu grave perturbação da ordem pública. Outrora tranquila cidade de Ibiúna vem sendo
assolada, recentemente, por crimes gravíssimos como o presente. Também não se pode olvidar todo o clamor que este gerou, atingindo âmbito nacional'.
Além disso, o paciente não teria residência no distrito da culpa, teria se evadido do local dos fatos, e só teria sido localizado após ser levado ao Hospital Albert
Einstein. Estas circunstâncias seriam indícios de... '... sua intenção de subtrair-se da aplicação da lei penal, o que é plenamente possível considerando seu
poder aquisitivo e as facilidades de quem já morou no exterior. Esses fatos justificam a garantia da ordem pública na medida que afetam a credibilidade do
Judiciário, recentemente abalada por casos de foragidos da Justiça'. Tais alegações são absoluta,mente infundadas pelas razões abaixo expostas. A garantia à ordem pública. Segundo o entendimento da autoridade coatora, a ordem pública estaria em perigo pois Ibiúna estaria sendo assolada por crimes gravíssimos como o presente.
Tal argumentação, por absurda que é, não merece muitos comentários. Ora, como justificar a prisão de alguém com base em fatos cometidos por terceiros/A ocorrência do crime em outra cidade, não assolada por crimes gravíssimos, modificaria o crime? A se prosperar tal argumento, pobres daqueles acusados de cometer crimes nas grandes metrópoles: sua prisão cautelar será obrigatória.
Data vênia, fatos cometidos por outras pessoas não podem prejudicar o paciente.
No que toca ao alegado clamor público, necessário se faz analisar melhor a questão, com moderação e distanciamento. Ora, 'clamor social' _mormente a sua
mera alegação, destituída da menção a qualquer fato concreto denotador da sua real presença_ não é, nem nunca foi, circunstância indicadora de que a ordem
pública estaria em perigo com a liberdade do agente. Neste particular, manifestou-se o Excelso Pretório: Habeas-Corpus. Prisão preventiva, Paciente primário, de bons antecedentes e detentor de mandato popular de vereador.
Clamor público. A sua só existência, por motivo de crime, não é bastante a autorizar a custódia provisória do acusado, porque não se enquadra a circunstância referida no art. 313 do Código de Processo Penal.
Precedentes.
Hábeas-Corpus deferido para que o paciente aguarde em liberdade, se por al não houver de ser preso, o julgamento do processo a que responde, perante o Tribunal de Justiça do Estado do Piauí' 6 (g.n.).
De qualquer forma, no caso em tela, há clamor público ou ficção, própria do jornalismo sensacionalista? A resposta é óbvia. Note-se que não se tem notícia de qualquer manifestação popular. Não se viu protestos, passeatas, clamando pela
prisão do paciente. Não se teve notícia de qualquer manifestação popular que desaprovasse, por exemplo, a liminar concedida por este Tribunal para que Pimenta Neves permanecesse por mais dez dias em tratamento
médico. Não se viu nada além do natural e justificável sofrimento da família.
Conforme lecionou Tourinho Filho, em lição que se adequa perfeitamente ao caso dos autos, ao tratar da prisão preventiva: 'Diz-se necessária para a garantia da ordem pública, quando o agente está praticando novas infrações penais,
fazendo apologia de crime, incitando à prática de crime, reunindo-se em quadrilha ou bando etc. Aí a paz social exige a segregação provisória. Há entendimento no
sentido de que a sociedade ficou revoltada com a prática do crime, a ordem pública foi posta em risco... Pergunta-se: a sociedade ou a imprensa falada, escrita ou televisada? Os juizes não podem deixar-se influenciar pelo estardalhaço da imprensa. Do contrário, e a pretexto de garantir a ordem pública, no fundo estará satisfazendo a interesses de terceiros interessados no alarde social...' 7 (g.n.).

E este Egrégio Superior Tribunal de Justiça lecionou:
1. O clamor público deve ser analisado com os devidos cuidados, para se evitar a injustiça; precipitadas acusações, principalmente advindas da imprensa, não podem atingir o livre convencimento do juiz de maneira absoluta; não se incluiu entre as causas justificantes de custódia preventiva.
2. Ausente os pressupostos autorizadores da medida preventiva, inobstante ser o paciente primário e de bons antecedentes, inadmissível a sua decretação; caso feita, necessária sua revogação.
3. 'Habeas Corpus' conhecido; ordem concedida para que o acusado seja posto em liberdade 8. Na verdade, Cultos Julgadores, o que provoca insegurança
social é o desrespeito à lei. Outras circunstâncias, como aquelas mencionadas pelo Ministério Público em sua cota e acolhidas implicitamente pela decisão de 1º grau, por absoluta impertinência, não são estão a ensejar profundas análises.
É que a suposta agressão anterior e a alegada premeditação do crime são circunstâncias relativas ao mérito da questão. Dizem respeito ao fato em si e não
guardam qualquer relação com a instrumentalidade da prisão cautelar. Serão avaliadas oportunamente, pelas autoridades competentes e, se for o caso, fundamentarão um agravamento de pena. E aí, e só aí, tais circunstâncias merecerão consideração. Para encerrar, vale destacar que, bem ao contrário do
afirmado pela representante do 'parquet', desigualdade de tratamento se verificará na manutenção de prisão do paciente apenas por ser ele dotado de relativo poder
econômico. As hipóteses lamentavelmente dos disparos (docs. 08/10).
E só não o fez em razão de internação médica na Unidade de Terapia Intensiva do Hospital Albert Einstein 'em virtude de intoxicação exógena' meio pelo qual tentou
por cobro à sua vida (doc. 11). Apenas porque foi informada pelo signatário da presente, a mesma autoridade policial dirigiu-se ao citado hospital e cumpriu o mandado de prisão na noite do dia 22 de agosto. De qualquer forma, e sempre autorizado pelo requerente, o impetrante compareceu no dia 23 ao Departamento de Homicídio e Proteção à Pessoa e fez a entrega voluntária da arma por meio da qual foram feitos os disparos que vitimaram Sandra Florentino Gomide (doc.
12). Passados dois dias, e assim que recebeu autorização médica para tanto, o paciente foi submetido a interrogatório policial no último dia 25. Como havia
prometido, assumiu a autoria dos fatos. Tal circunstância também já é notória.
No dia 25, ao receber alta médica, o paciente, sempre sob a custódia policial, foi internado em uma clínica por determinação psiquiátrica. Tal internação ocorreu
pelo temor de que, no atual estado emocional do paciente, fosse renovada a tentativa de suicídio. Relatório médico firmado pelo conceituado Hospital
confirmou tal temor (doc. 13). Inexplicavelmente, o Juízo de Ibiúna, para rotineiras de homicídio, como ela mesmo reconheceu, cometidos por
delituosos eventuais não implicam, na sua grande
maioria, em prisão cautelar.
Ao invés de se privilegiar o cidadão da classe social
mais privilegiada, o que se quer é que ele tenha o mesmo
tratamento daquele acusado cujo delito não alcançou
repercussão na mídia.

A aplicação da Lei Penal
No tocante a esta questão, a afirmação lançada no sentido de que o paciente teria dado mostras de que poderá furtar-se à aplicação da lei penal, mais do que
representar uma preconceituosa presunção _o que já bastaria para revogação da medida_ significa, no caso específico, uma inaceitável injustiça.
Poucas vezes se viu um acusado tão empenhado em submeter-se ao império da Justiça Penal. O paciente chegou a marcar data _apenas três dias após
os fatos_ para apresentação perante a autoridade policial. E o fez mesmo tendo ciência de que ficaria preso temporariamente. Só não se apresentou por razões mais fortes que sua vontade. De qualquer forma, foi o impetrante quem
comunicou sua internação no Albert Einstein. Possivelmente, não fosse isso, estaria ele, até hoje, em local ignorado pelas autoridades.
No dia marcado para apresentação, foi levada ao delegado de polícia a arma do crime, conforme o prometido. Quando ouvido, ainda no hospital, o paciente confessou o delito. Ora, querer usar contra o paciente o fato de ter ele deixado o local dos fatos beira o absurdo. Querer que, após tão trágico fato, permanecesse ele junto à vítima foge da lógica, do bom senso. Nenhum ser humano normal
assim agiria. E o direito é feito para regular condutas humanas e não de super-heróis. É fácil entender o estado emocional que envolveu o paciente logo após os fatos. Não é justo nem humano esperar que, naquele contexto, aguardasse ele, serenamente, os trabalhos da polícia. Seria preso em flagrante e, de igual forma, se diria não ter sido espontânea a sua apresentação. Possivelmente, surgiram alegações maldosas, questionando a morbidez de
ficar junto a vítima após a sua morte. Parece não haver saída. Qualquer atitude que tomasse seria avaliada em seu desfavor. De qualquer forma, agiu ele de acordo com os seus instintos. Não pensou, nem planejou a hipótese que lhe
seria mais favorável. Não tinha discernimento para tanto. Mais tarde, com a cabeça um pouco mais no lugar, decidiu apresentar-se, mesmo sabendo da sua prisão. Poderia tal comportamento significar mostras de que pretende fugir? Ora, se o quisesse teria feito. E, certamente, com sucesso. A alegação de que teria facilidade para fugir dada a sua situação financeira e o fato de já ter morado no
exterior, consubstancia-se em mais uma preconceituosa presunção: os ricos e cultos devem ser presos para não fugir. Data vênia, tal presunção é tão odiosa quanto aquela máxima que dizia que só pobre vai para a cadeia.
E, além de odiosa, é descabida. Primeiro, porque não é preciso ser rico para fugir. Vossas Excelências bem sabem que, nos dias de hoje, o agente pode passar anos
sem ser encontrado mesmo nunca tendo saído do Estado de São Paulo ou até desta capital.
Em segundo lugar, no caso do paciente, esta presunção perpetra uma profunda inversão de valores, já que, se hoje goza de uma capacidade econômica razoável e já morou no exterior, a esta situação chegou mercê de seus esforços, sua competência e de muito trabalho.
Resta indiscutível, por tudo o que foi visto, a inexistência da necessidade cautelar de prisão do paciente.

Os pedidos
Objeto da presente impetração, ilustre ministro, é a concessão de Medida Liminar para a revogação da decisão proferida pelo segundo vice-presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo, Des. Gentil Leite, com a consequente cassação dos efeitos da prisão preventiva decretada pela MM. Juíza da Comarca de Ibiúna até o
julgamento do mérito do Hábeas-Corpus do Tribunal de São Paulo.
Aqui, como no Habeas Corpus original, o 'fumus boni iuris' e o 'periculum in mora' estão indiscutivelmente presentes.
Após ser regularmente processada, aguarda-se a concessão da ordem para confirmar a liminar deferida. Termos em que, P. Deferimento.

São Paulo, 31 de agosto de 2000
Antônio Cláudio Mariz de Oliveira

1. STJ, 5ª T, RT 662/339.

2. RT 756/517.

3. Boletim da AASP nº. 2.173, de 21 a 27.08.2000.

4. 'Comentários à Lei de Imprensa'; Tomo 2; 2ª edição; 1994; RT; p. 717.

5. 'Instituições de Processo Penal'; 1º volume; 2ª edição; 1977; Saraiva; p. 129.

6. STF; Min. Néri da Silveira; HC nº 78.425-0; DJU 19/11/1999.

7. 'Da Prisão e Da Liberdade Provisória', em Revista Brasileira de Ciências Criminais, v. 7, p. 76/77.

8. HC nº 4.926 SP; Rel. Min. Edson Vidigal; p. 8/10/1996.
"

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