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03/03/2004
-
07h51
GILBERTO DIMENSTEIN
Colunista da Folha de S.Paulo
Antonio Maschio não sabe quando começou a beber --"tenho a sensação de que sempre bebi"--, mas sabe exatamente o ano, o dia, o mês e a hora em que começou a parar de beber: às 9 horas do dia 14 de março de 1984.
Ao se internar para tratamento, tinha tocado no limite da autodestruição. Na terça-feira de Carnaval daquele ano, tomara sete garrafas de vodca. Foi encontrado pelo jornalista Matinas Suzuki debaixo de um carro estacionado, falando frases incompreensíveis, e foi levado às pressas ao hospital.
Aparentemente, porém, ele não tinha motivos para se matar.
Ator e produtor teatral, Maschio criou, na rua Augusta, o Pirandello, um restaurante em que se juntavam as mais diversas tribos, da esquerda à direita, passando por artistas, intelectuais e recatadas senhoras, ao lado de uma fauna de alternativos.
Pela primeira vez, os gays conquistaram um ponto de encontro fora do gueto homossexual. Em 1984 a notoriedade do local era tamanha que fez surgir o livro "Contos Pirandellianos: Sete Autores à Procura de um Bar". Escritores como Mário Prata, Caio Fernando Abreu e Ignácio de Loyola Brandão fizeram do Pirandello inspiração para seus contos.
No cenário de diversidade radical, no qual Maschio se postava no centro da festa, insinuava-se a São Paulo do futuro, em que o PSDB (ainda não nascido) e o PT (recém-criado), cujos personagens habitavam o restaurante, tomariam o poder e em que os gays, com suas gigantescas paradas, tomariam as ruas. "Sempre tive uma paixão enlouquecida por esta cidade."
Além da euforia, Maschio corroía-se, silenciosamente, numa persistente melancolia. Filho de pai viciado em jogo, ele veio ainda criança do interior para São Paulo, onde morou num porão. O pai morreu cedo, deixando-o como arrimo de família. O menino pobre, obeso e homossexual persistiu vivo nas dores do adulto, que se aliviava na bebida. Ao ser levado para tratamento, ele pesava 140 quilos e sentia-se em fim de festa. "Pensei que tudo estivesse acabado." Não estava: acaba de ser convidado, neste simbólico mês de março, para criar um espaço cultural público no centro histórico de São Paulo.
Para marcar os 20 anos de abstenção, ele prepara uma inusual festa, a ser realizada no próximo dia 14. Cardápio: bolo, café, sanduíches, guaraná e brigadeiro. Ao contrário das festas em geral, começa no café da manhã. Mais precisamente, às 9 horas.
Artigo: Conto Pirandelliano
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Colunista da Folha de S.Paulo
Antonio Maschio não sabe quando começou a beber --"tenho a sensação de que sempre bebi"--, mas sabe exatamente o ano, o dia, o mês e a hora em que começou a parar de beber: às 9 horas do dia 14 de março de 1984.
Ao se internar para tratamento, tinha tocado no limite da autodestruição. Na terça-feira de Carnaval daquele ano, tomara sete garrafas de vodca. Foi encontrado pelo jornalista Matinas Suzuki debaixo de um carro estacionado, falando frases incompreensíveis, e foi levado às pressas ao hospital.
Aparentemente, porém, ele não tinha motivos para se matar.
Ator e produtor teatral, Maschio criou, na rua Augusta, o Pirandello, um restaurante em que se juntavam as mais diversas tribos, da esquerda à direita, passando por artistas, intelectuais e recatadas senhoras, ao lado de uma fauna de alternativos.
Pela primeira vez, os gays conquistaram um ponto de encontro fora do gueto homossexual. Em 1984 a notoriedade do local era tamanha que fez surgir o livro "Contos Pirandellianos: Sete Autores à Procura de um Bar". Escritores como Mário Prata, Caio Fernando Abreu e Ignácio de Loyola Brandão fizeram do Pirandello inspiração para seus contos.
No cenário de diversidade radical, no qual Maschio se postava no centro da festa, insinuava-se a São Paulo do futuro, em que o PSDB (ainda não nascido) e o PT (recém-criado), cujos personagens habitavam o restaurante, tomariam o poder e em que os gays, com suas gigantescas paradas, tomariam as ruas. "Sempre tive uma paixão enlouquecida por esta cidade."
Além da euforia, Maschio corroía-se, silenciosamente, numa persistente melancolia. Filho de pai viciado em jogo, ele veio ainda criança do interior para São Paulo, onde morou num porão. O pai morreu cedo, deixando-o como arrimo de família. O menino pobre, obeso e homossexual persistiu vivo nas dores do adulto, que se aliviava na bebida. Ao ser levado para tratamento, ele pesava 140 quilos e sentia-se em fim de festa. "Pensei que tudo estivesse acabado." Não estava: acaba de ser convidado, neste simbólico mês de março, para criar um espaço cultural público no centro histórico de São Paulo.
Para marcar os 20 anos de abstenção, ele prepara uma inusual festa, a ser realizada no próximo dia 14. Cardápio: bolo, café, sanduíches, guaraná e brigadeiro. Ao contrário das festas em geral, começa no café da manhã. Mais precisamente, às 9 horas.
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