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21/03/2004
-
02h40
da Folha de S.Paulo
Quando recebeu a notícia de que iria dirigir uma unidade feminina da Febem, a assistente social Maria Aparecida Tonet não escondeu o descontentamento. "Será que não tem nenhuma unidade de meninos para mim?", passou a repetir, inconformada.
Ela foi comandar, em 1998, uma das três unidades femininas criadas depois da desativação da ala de meninas no complexo Imigrantes. Todo o complexo foi desativado no ano seguinte depois de uma rebelião que causou a morte de quatro internos.
Na época, as garotas usavam cuecas porque a fundação não comprava materiais específicos para meninas. Conseguir absorventes também era uma tarefa difícil na Febem.
Mas Tonet insistiu nas reuniões de diretores, agüentou ironias ao pedir coisas tipicamente femininas e enfrentou colegas que sustentavam que as prioridades deveriam ser as unidades com maior número de internos. Hoje, é a principal defensora de um tratamento diferenciado para meninas na Febem.
Chefe da coordenadoria técnica de atendimento feminino, Tonet admite que teve preconceito. "Existia um mito de que as meninas eram muito piores que os meninos. Elas não são melhores nem piores. São diferentes", afirma.
Segundo ele, a infratora dissimula mais as suas reações e é mais desconfiada. "Você demora mais para ganhar a confiança. As mulheres são assim e isso tem de ser levado em conta no processo de recuperação", diz.
Para Marcus Alexandre da Silva, diretor da UIP, na Mooca, que também já trabalhou com meninos, se a "dissimulação teatral" das garotas é um obstáculo, a emotividade feminina pode se tornar uma aliada no processo de reabilitação. "As meninas maquiam o que pensam, mas a emoção faz com que se aproximem mais", sustenta.
O circuito feminino não enfrenta denúncias como as unidades dos meninos --o Ministério Público investiga supostos maus-tratos, espancamentos coletivos e até mortes de internos nos complexos da Vila Maria, Tatuapé, Raposo Tavares e Franco da Rocha. A maior reclamação é sobre descentralização. Todas as unidades femininas ficam na capital.
Segundo Tonet, o número de meninas cumprindo pena --4,5% do total da instituição-- torna inviável a construção de unidades no interior. Se fossem distribuídas pelas cidades de origem, segundo ela, o resultado seria duas ou três internas por local.
A promotora da Infância e Juventude de São Paulo Sueli Riviera discorda. "A lei é clara. A interna tem de ficar próxima de sua família", afirma.
Segundo a promotora, a Febem poderia fazer a descentralização por meio de sedes regionais, aproveitando a estrutura já existente. "Uma menina do interior vai para a capital, distante da família e das pessoas que conhece."
Criminalidade
Mas só as características da personalidade feminina, descritas por funcionários da Febem, e a emancipação da mulher não justificam a participação mais ativa das garotas no crime. A explicação, segundo especialistas, pode estar nas características da criminalidade em São Paulo.
A banalização do crime em São Paulo ajuda a entender o papel das meninas, segundo a pesquisadora Karyna Batista Sposato, diretora-executiva do Ilanud. Segundo ela, o fato de a maioria das ações dos criminosos ser desordenada, sem facções fortes nas ruas, e de os grupos serem formados de última hora faz com que a hierarquia não seja tão rígida.
"No Rio, onde grande parte dos crimes são coordenados por facções, essa hierarquia é mais forte e a mulher passa a ter papéis mais subalternos", diz Sposato.
Segundo o cientista político Guaracy Mingardi, que participou de uma pesquisa feita para a ONU (Organização das Nações Unidas) sobre o tráfico, no Rio as garotas são destacadas mais para funções de embalagem e preparação da droga e de "olheiras".
"O tráfico do Rio de Janeiro é mais militarizado e a hierarquia entre os membros da quadrilha passa a ser maior", diz.
Febem teve de se adaptar às mudanças
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Quando recebeu a notícia de que iria dirigir uma unidade feminina da Febem, a assistente social Maria Aparecida Tonet não escondeu o descontentamento. "Será que não tem nenhuma unidade de meninos para mim?", passou a repetir, inconformada.
Ela foi comandar, em 1998, uma das três unidades femininas criadas depois da desativação da ala de meninas no complexo Imigrantes. Todo o complexo foi desativado no ano seguinte depois de uma rebelião que causou a morte de quatro internos.
Na época, as garotas usavam cuecas porque a fundação não comprava materiais específicos para meninas. Conseguir absorventes também era uma tarefa difícil na Febem.
Mas Tonet insistiu nas reuniões de diretores, agüentou ironias ao pedir coisas tipicamente femininas e enfrentou colegas que sustentavam que as prioridades deveriam ser as unidades com maior número de internos. Hoje, é a principal defensora de um tratamento diferenciado para meninas na Febem.
Chefe da coordenadoria técnica de atendimento feminino, Tonet admite que teve preconceito. "Existia um mito de que as meninas eram muito piores que os meninos. Elas não são melhores nem piores. São diferentes", afirma.
Segundo ele, a infratora dissimula mais as suas reações e é mais desconfiada. "Você demora mais para ganhar a confiança. As mulheres são assim e isso tem de ser levado em conta no processo de recuperação", diz.
Para Marcus Alexandre da Silva, diretor da UIP, na Mooca, que também já trabalhou com meninos, se a "dissimulação teatral" das garotas é um obstáculo, a emotividade feminina pode se tornar uma aliada no processo de reabilitação. "As meninas maquiam o que pensam, mas a emoção faz com que se aproximem mais", sustenta.
O circuito feminino não enfrenta denúncias como as unidades dos meninos --o Ministério Público investiga supostos maus-tratos, espancamentos coletivos e até mortes de internos nos complexos da Vila Maria, Tatuapé, Raposo Tavares e Franco da Rocha. A maior reclamação é sobre descentralização. Todas as unidades femininas ficam na capital.
Segundo Tonet, o número de meninas cumprindo pena --4,5% do total da instituição-- torna inviável a construção de unidades no interior. Se fossem distribuídas pelas cidades de origem, segundo ela, o resultado seria duas ou três internas por local.
A promotora da Infância e Juventude de São Paulo Sueli Riviera discorda. "A lei é clara. A interna tem de ficar próxima de sua família", afirma.
Segundo a promotora, a Febem poderia fazer a descentralização por meio de sedes regionais, aproveitando a estrutura já existente. "Uma menina do interior vai para a capital, distante da família e das pessoas que conhece."
Criminalidade
Mas só as características da personalidade feminina, descritas por funcionários da Febem, e a emancipação da mulher não justificam a participação mais ativa das garotas no crime. A explicação, segundo especialistas, pode estar nas características da criminalidade em São Paulo.
A banalização do crime em São Paulo ajuda a entender o papel das meninas, segundo a pesquisadora Karyna Batista Sposato, diretora-executiva do Ilanud. Segundo ela, o fato de a maioria das ações dos criminosos ser desordenada, sem facções fortes nas ruas, e de os grupos serem formados de última hora faz com que a hierarquia não seja tão rígida.
"No Rio, onde grande parte dos crimes são coordenados por facções, essa hierarquia é mais forte e a mulher passa a ter papéis mais subalternos", diz Sposato.
Segundo o cientista político Guaracy Mingardi, que participou de uma pesquisa feita para a ONU (Organização das Nações Unidas) sobre o tráfico, no Rio as garotas são destacadas mais para funções de embalagem e preparação da droga e de "olheiras".
"O tráfico do Rio de Janeiro é mais militarizado e a hierarquia entre os membros da quadrilha passa a ser maior", diz.
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