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23/07/2004 - 03h24

Fiscalização vê "depósito" de doentes mentais em hospitais psiquiátricos

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FABIANE LEITE
da Folha de S.Paulo

Sem ter o que fazer, pacientes acumulam-se nos pátios. Mesmo com o frio que fez ontem em alguns locais do país, usam poucos agasalhos. Alguns, desorientados, andam descalços. Outros estão amarrados às camas.

O quadro encontrado ontem em fiscalização simultânea dos conselhos regionais de psicologia em hospitais psiquiátricos de 17 Estados e do Distrito Federal é muito semelhante, afirma Ana Luiza Castro, vice-presidente do conselho federal da classe. "O que ainda se vê são grandes depósitos, as pessoas sem atividades, e o uso abusivo de remédios."

A idéia das vistorias simultâneas surgiu depois da informação da morte recente, supostamente por estrangulamento, de uma paciente que estava amarrada ao leito, em Recife. Os conselhos regionais, após reunião, decidiram procurar também as comissões de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil, o Ministério Público e representantes das câmaras municipais para acompanhar as visitas.

"Ampliamos para ver como anda a reforma psiquiátrica", diz Castro, que participou de fiscalizações em Porto Alegre.

A partir da promulgação da lei da reforma, em 2001, há a incorporação oficial às políticas públicas do princípio da internação como último recurso.

Atualmente, o Ministério da Saúde induz a redução de leitos pagando menos pelas internações feitas em grandes hospitais, por exemplo. Mas a pasta reconhece que há atraso no processo devido a dificuldades para ampliar recursos extra-hospitalares. Hoje existem 237 hospitais psiquiátricos no país, com mais de 48 mil leitos.

"Papai Noel, traz um presente para mim?", perguntou a paciente A., 35, a Geraldo Peixoto, representante da associação de familiares Franco Basaglia, durante vistoria do conselho em um hospital de São Paulo, acompanhada pela Folha. Peixoto, que tem uma barba branca, riu, disse que sim. "Alta!", continuou a paciente.

A. é uma das 200 pacientes do Hospital Psiquiátrico Charcot, na zona sul de São Paulo, escolhido para a fiscalização por conta de maus desempenhos no programa de avaliação hospitalar do Ministério da Saúde. A unidade, que é conveniada ao SUS (Sistema Único de Saúde), também está sob investigação do Ministério Público.

Cinco pacientes estavam atados aos leitos, diz o conselho. O órgão concluiu que os internos não têm atividades. Além disso, apenas dois psicólogos atendem os doentes. O hospital informa que são necessários cinco. "Com certeza seria necessário um número maior. Mas a verdade é que não deveriam existir 200 pacientes aqui", afirmou Wanda Aguiar, presidente do conselho de SP.

À Folha, pacientes reclamaram da comida --"não tem mistura" (carne)--, da falta de papel higiênico, do frio. As roupas que familiares levam somem, afirmam. "O remédio joga a gente no chão", disse ainda um deles.

No Piauí, o conselho regional colheu relatos de pacientes sobre torturas e mortes supostamente ocorridas durante fugas --os internos teriam utilizado os canos de esgoto. Na Bahia, houve resistência das unidades à fiscalização. Mais de 20 hospitais foram visitados no país --não houve balanço.

Outro lado

Michel Matar Vieira, diretor clínico do Hospital Psiquiátrico Charcot, na zona sul de São Paulo, disse que os valores pagos pelo SUS --R$ 28 de diária por paciente-- são insuficientes para a assistência adequada aos seus 200 internos.

Sua equipe assumiu a instituição há seis meses, após uma intervenção por conta de problemas da diretoria anterior. "Não temos dinheiro. Não faltam insumos, mas falta gente."

Vieira reconheceu que o hospital precisaria de no mínimo cinco psicólogos --hoje há dois e estagiários-- e cinco terapeutas ocupacionais --hoje há dois também.

Segundo o diretor, há 40 pacientes-residentes no local. Ele afirmou que a prefeitura prometeu oito vagas em residências terapêuticas --repúblicas para pacientes. A promessa não foi concretizada ainda.

O médico informou que há atividades sempre pela manhã --o que não foi constatado pelos conselheiros-- e que está melhorando as refeições --hoje, afirma, já é permitido repetir o arroz e feijão. Vieira negou o abuso de remédios.

A prefeitura do município, gestora da rede hospitalar, e o Ministério da Saúde, que define o valor das internações, não se manifestaram ontem, apesar de procurados.

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