Há quase um ano na rua, André*
teme voltar para casa e ser levado de volta para a Fundação
do Bem-Estar do Menor (Febem), onde cumpriu pouco mais de
um ano por roubo. "Quando eu saí da unidade do
Tatuapé, quebrei a semi-liberdade. Se eu ficar em casa,
o juiz me pega.", conta o jovem de 15 anos. André
conheceu os educadores do Centro de Defesa dos Direitos da
Criança e do Adolescente (Cedeca) Mariano Cleber dos
Santos através de um amigo de rua. Participou das oficinas
de culinária, de capoeira e começou a ir direto.
"Traz alegria, felicidade, essas coisas pra gente",
conta.
É na Casa 20 que o Cedeca desenvolve uma série
de atividades com os jovens e crianças em situação
de rua e da própria comunidade da região central
de São Paulo. É também ali onde é
feita a entrega da cesta básica, fornecida pela Paulus
Editora uma vez por mês a 60 famílias da região.
O Cedeca é o principal projeto da Associação
de Apoio a Meninas e Meninos da Região Sé (Leia
mais no box2 - Várias frentes).
Os educadores querem ajudar André a sair da rua.
Ele chegou até a conversar com as advogadas da equipe
jurídica da associação, mas ficou com
receio. "Tenho medo que eles apareçam em casa
às 6h da manhã para me buscar. Se eles forem
lá e me catarem, eu fico três anos na Febem,
e três anos pra mim é muito."
Assim como André, Welington*, de 12 anos; Bárbara*,
de 15, e Ana Carolina*, de 17, perambulam pelas ruas do bairro
da Consolação e freqüentam os trabalhos
da Casa 20. Bárbara conheceu o pessoal da associação
na rua. "Eles me chamaram para ir na Casa, e eu gostei.
Lá nós tomamos banho, tem várias aulas,
oficinas e comida boa." Há cinco anos na rua,
ela diz não querer mais voltar para casa. "Tenho
vergonha", justifica. Como outros, não aceitou
a sugestão dos educadores de ir para um abrigo. Muitos
garotos alegam não gostarem das regras impostas para
a permanência nesses locais.
Paquera à vista
Conhecer e aproximar esses jovens e crianças
do convívio social faz parte da rotina desses lutadores,
que, através do Cedeca, realizam um trabalho de responsabilidade
do Estado e de toda a sociedade civil. É o que pensa
Elza Vieira de Jesus, que há mais de 5 anos trabalha
na associação. Aos 36 anos, essa professora
de artes plásticas é a veterana da turma de
educadores sociais do Centro de Defesa, que teve seu nome
dado em homenagem a um garoto de rua assassinado no começo
dos anos 90. Elza conta que a aproximação com
os meninos e meninas é como um tipo de paquera. Exige
paciência e perseverança. "Você insiste
mais uma, duas, vinte e três vezes, o quando for preciso."
Já o mais jovem educador do grupo, Alan Silveira
de Jesus, de 24 anos, define o que faz como um trabalho de
juntar caquinhos. "Juntar as coisas que foram quebradas
durante o processo de vida deles. Falar coisas para eles que
nunca ouviram, fazer coisas que eles nunca fizeram."
O Cedeca é formado por um grupo de 18 profissionais,
entre assistentes sociais, advogados, psicóloga, educadores
e estagiários. O foco do trabalho está nos plantões
de rua que acontecem nas tardes de segundas, terça
e sextas, em que os educadores convidam os garotos para as
atividades da Casa 20. "É aí que a gente
começa a fazer a intervenção mais direta.
Ele chega para tomar um banho, cuidar da sua roupa e se cuidar
também. Quando ele passa a ter mais confiança,
a gente entra", diz Eliane Nicoletti, coordenadora do
Cedeca. Os profissionais trabalham em conjunto. Um exemplo
disso é como acompanham os casos na Febem. "Dois
educadores fazem visita para um adolescente e conhecem sua
família. Às vezes, nossa visão não
bate com a dos técnicos da Febem. Os dois relatórios
sobre o interno vão parar nas mãos do juiz",
conta.
A equipe jurídica dá assistência judiciária
para quem precisa de advogado e não tem dinheiro, em
causas que envolvam os direitos de criança e adolescente,
como, por exemplo, ação de guarda, de investigação
de paternidade, separações.
Para manter todo esse ritmo de trabalho, o Cedeca tem encontrado
dificuldades sobretudo de tipo financeiro. Não bastam
as doações de empresas, como a Tok&Stok,
e os convênios com a Secretaria de Assistência
Social (SAS) da prefeitura de São Paulo e com a Procuradoria
Geral do Estado (PGE).
Um sonho realizado
Uma das fundadoras da Associação de
Apoio a Meninas e Meninos da Região Sé, a pedagoga
paulistana Maria Cecília Garcez Leme conta que a criação
da entidade é fruto de um sonho em comum de cinco pessoas
(padre João Drexel, a psicóloga Maria Inês
Rondello, os professores, Marco Antônio Papp e Jonas
Beltrão de Oliveira, e a própria). Em 1992,
eles se conheceram numa reunião da Pastoral do Menor
de São Paulo.
"Nosso sonho era dar alguma esperança para o
povo em situação de rua da região central
da cidade de São Paulo", define Cecília.
Assim começaram os plantões de rua, alternados
entre eles, das segundas às sextas das 20h às
23h.
A tentativa de aproximação com os meninos
não foi o maior problema, mas, sim, o confronto com
a polícia. "O Estatuto da Criança e do
Adolescente (ECA) estava sendo instituído naquele momento
e ainda não era levado a sério como uma lei
pelo policiais. Eles achavam que éramos protetores
de bandidos, desestabilizadores da ordem social", lembra.
Ela e os companheiros tiveram muitas vezes que entrar em contato
com a Anistia Internacional para ter seus direitos e integridade
física garantidos.
Para a pedagoga, o Plantão de Rua é o coração
do projeto. "O sonho que me acompanha é que a
associação nunca se esqueça do cheiro
das crianças, ou seja, que nunca saia da rua."
Várias frentes
Além do Centro de Defesa da Criança
e do Adolescente Mariano Cleber dos Santos e do projeto Viração,
a Associação de Apoio a Meninas e Meninos da
Região Sé possui outros quatro projetos:
• Projeto Ser Mulher – atua junto a adolescente
mães
• Projeto Bem Comer – promove a geração
de renda, trabalha com produção de alimentos
e venda de marmitex.
• Centro de Integração Social da Mulher
(Cismi) – Trabalha com mulheres prostituídas.
• Comunidade Terapêutica no Embu das Artes (SP)
– Ainda não implementado por falta de recursos
para a manutenção, o projeto quer ser um espaço
para recuperação de adolescentes com dependência
de drogas.
*nomes fictícios
TÁ NA MÃO
Associação de Apoio a Meninas e Meninos
da Região Sé
Rua Djalma Dutra, 70 - Luz
01103-010 - São Paulo (SP)
Tel.:/Fax: (11) 229-3935 / 3313-6627
E-mail: aacrianca@uol.com.br
|