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01/09/2004

Cedeca resgata cidadania de jovens do centro de SP

Há quase um ano na rua, André* teme voltar para casa e ser levado de volta para a Fundação do Bem-Estar do Menor (Febem), onde cumpriu pouco mais de um ano por roubo. "Quando eu saí da unidade do Tatuapé, quebrei a semi-liberdade. Se eu ficar em casa, o juiz me pega.", conta o jovem de 15 anos. André conheceu os educadores do Centro de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente (Cedeca) Mariano Cleber dos Santos através de um amigo de rua. Participou das oficinas de culinária, de capoeira e começou a ir direto. "Traz alegria, felicidade, essas coisas pra gente", conta.

É na Casa 20 que o Cedeca desenvolve uma série de atividades com os jovens e crianças em situação de rua e da própria comunidade da região central de São Paulo. É também ali onde é feita a entrega da cesta básica, fornecida pela Paulus Editora uma vez por mês a 60 famílias da região. O Cedeca é o principal projeto da Associação de Apoio a Meninas e Meninos da Região Sé (Leia mais no box2 - Várias frentes).

Os educadores querem ajudar André a sair da rua. Ele chegou até a conversar com as advogadas da equipe jurídica da associação, mas ficou com receio. "Tenho medo que eles apareçam em casa às 6h da manhã para me buscar. Se eles forem lá e me catarem, eu fico três anos na Febem, e três anos pra mim é muito."

Assim como André, Welington*, de 12 anos; Bárbara*, de 15, e Ana Carolina*, de 17, perambulam pelas ruas do bairro da Consolação e freqüentam os trabalhos da Casa 20. Bárbara conheceu o pessoal da associação na rua. "Eles me chamaram para ir na Casa, e eu gostei. Lá nós tomamos banho, tem várias aulas, oficinas e comida boa." Há cinco anos na rua, ela diz não querer mais voltar para casa. "Tenho vergonha", justifica. Como outros, não aceitou a sugestão dos educadores de ir para um abrigo. Muitos garotos alegam não gostarem das regras impostas para a permanência nesses locais.

Paquera à vista
Conhecer e aproximar esses jovens e crianças do convívio social faz parte da rotina desses lutadores, que, através do Cedeca, realizam um trabalho de responsabilidade do Estado e de toda a sociedade civil. É o que pensa Elza Vieira de Jesus, que há mais de 5 anos trabalha na associação. Aos 36 anos, essa professora de artes plásticas é a veterana da turma de educadores sociais do Centro de Defesa, que teve seu nome dado em homenagem a um garoto de rua assassinado no começo dos anos 90. Elza conta que a aproximação com os meninos e meninas é como um tipo de paquera. Exige paciência e perseverança. "Você insiste mais uma, duas, vinte e três vezes, o quando for preciso."

Já o mais jovem educador do grupo, Alan Silveira de Jesus, de 24 anos, define o que faz como um trabalho de juntar caquinhos. "Juntar as coisas que foram quebradas durante o processo de vida deles. Falar coisas para eles que nunca ouviram, fazer coisas que eles nunca fizeram."

O Cedeca é formado por um grupo de 18 profissionais, entre assistentes sociais, advogados, psicóloga, educadores e estagiários. O foco do trabalho está nos plantões de rua que acontecem nas tardes de segundas, terça e sextas, em que os educadores convidam os garotos para as atividades da Casa 20. "É aí que a gente começa a fazer a intervenção mais direta. Ele chega para tomar um banho, cuidar da sua roupa e se cuidar também. Quando ele passa a ter mais confiança, a gente entra", diz Eliane Nicoletti, coordenadora do Cedeca. Os profissionais trabalham em conjunto. Um exemplo disso é como acompanham os casos na Febem. "Dois educadores fazem visita para um adolescente e conhecem sua família. Às vezes, nossa visão não bate com a dos técnicos da Febem. Os dois relatórios sobre o interno vão parar nas mãos do juiz", conta.

A equipe jurídica dá assistência judiciária para quem precisa de advogado e não tem dinheiro, em causas que envolvam os direitos de criança e adolescente, como, por exemplo, ação de guarda, de investigação de paternidade, separações.

Para manter todo esse ritmo de trabalho, o Cedeca tem encontrado dificuldades sobretudo de tipo financeiro. Não bastam as doações de empresas, como a Tok&Stok, e os convênios com a Secretaria de Assistência Social (SAS) da prefeitura de São Paulo e com a Procuradoria Geral do Estado (PGE).

Um sonho realizado
Uma das fundadoras da Associação de Apoio a Meninas e Meninos da Região Sé, a pedagoga paulistana Maria Cecília Garcez Leme conta que a criação da entidade é fruto de um sonho em comum de cinco pessoas (padre João Drexel, a psicóloga Maria Inês Rondello, os professores, Marco Antônio Papp e Jonas Beltrão de Oliveira, e a própria). Em 1992, eles se conheceram numa reunião da Pastoral do Menor de São Paulo.

"Nosso sonho era dar alguma esperança para o povo em situação de rua da região central da cidade de São Paulo", define Cecília. Assim começaram os plantões de rua, alternados entre eles, das segundas às sextas das 20h às 23h.

A tentativa de aproximação com os meninos não foi o maior problema, mas, sim, o confronto com a polícia. "O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) estava sendo instituído naquele momento e ainda não era levado a sério como uma lei pelo policiais. Eles achavam que éramos protetores de bandidos, desestabilizadores da ordem social", lembra. Ela e os companheiros tiveram muitas vezes que entrar em contato com a Anistia Internacional para ter seus direitos e integridade física garantidos.

Para a pedagoga, o Plantão de Rua é o coração do projeto. "O sonho que me acompanha é que a associação nunca se esqueça do cheiro das crianças, ou seja, que nunca saia da rua."

Várias frentes
Além do Centro de Defesa da Criança e do Adolescente Mariano Cleber dos Santos e do projeto Viração, a Associação de Apoio a Meninas e Meninos da Região Sé possui outros quatro projetos:
• Projeto Ser Mulher – atua junto a adolescente mães
• Projeto Bem Comer – promove a geração de renda, trabalha com produção de alimentos e venda de marmitex.
• Centro de Integração Social da Mulher (Cismi) – Trabalha com mulheres prostituídas.
• Comunidade Terapêutica no Embu das Artes (SP) – Ainda não implementado por falta de recursos para a manutenção, o projeto quer ser um espaço para recuperação de adolescentes com dependência de drogas.

*nomes fictícios

TÁ NA MÃO
Associação de Apoio a Meninas e Meninos da Região Sé
Rua Djalma Dutra, 70 - Luz
01103-010 - São Paulo (SP)
Tel.:/Fax: (11) 229-3935 / 3313-6627
E-mail: aacrianca@uol.com.br

 
 
 

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