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rio de janeiro
27/09/2004

Programa Livro Falado capacita voluntários para serem leitores

"Inclusão para mim é criar condições reais de educação e cultura". Esta é a afirmação de Analu Palma, escritora, atriz e coordenadora das oficinas do projeto Livro Falado que, em 2000, apresentou um projeto à Academia Brasileira de Letras para gravar livros acadêmicos para os deficientes visuais. A resposta foi positiva e hoje o projeto doa obras para 50 audiotecas em todo país.

No ano Ibero-Americano da Pessoa com Deficiência, o Sesc Rio lançou em 1º de setembro o programa Livro Falado para incentivar o trabalho voluntário junto aos deficientes visuais. Seis unidades da Grande Rio e interior (Engenho de Dentro, Tijuca, Nova Friburgo, Niterói, Três Rios e Nova Iguaçu) serão beneficiadas pela iniciativa de capacitação do ledor voluntário.

A divulgação começou na semana passada e o programa já apresenta fila de espera em algumas unidades. Em Nova Iguaçu e Friburgo têm 20 pessoas em cada unidade esperando por vaga. Já em Niterói há um excedente de 40 candidatos. E no Sesc Tijuca, 120 pessoas aguardam uma vaga.

O principal atrativo deste programa é a praticidade em gravar as obras, o que pode ser feito na casa ou no trabalho do voluntário. "O nosso primeiro objetivo é estruturar a ponte entre voluntariado e ONG, a segunda é difundir esta prática, contribuindo na inclusão do deficiente visual na vida social através do desenvolvimento da cultura", afirma Maria José Motta Gouvêa, coordenadora de Educação do Sesc Rio.

Os deficientes visuais agradecem. Vanessa Rodrigues, 15, fala que adoraria que aumentasse o número de livros em fita cassete, assim não precisaria andar com as pastas pesadas de obras em Braille. Sobre o trabalho dos ledores, a jovem acha que o voluntário precisa de uma boa entonação para não perder a concentração. "Não pode ser exagerada, tem que ser natural e articular bem as palavras. É legal este projeto, é um trabalho de conscientização", opina.

Renan Maia da Costa, 17, também é adepto dos livros falados, porque os considera mais práticos. "O programa da Analu é muito útil já que muitas vezes eu não tenho paciência de ler o livro inteiro. Prefiro o livro falado. É só escutar", observa o estudante.

Mas para Cíntia Cristina Silvia de Melo, 17 anos, as gravações de algumas obras são rápidas demais. Entretanto, ela acha que também não pode ser muito lentas, porque o deficiente "cai no sono". "Ainda têm pessoas que lêem de uma forma monótona porque não pontuam. É tudo falta de preparo", acredita.

O Programa
O trabalho de capacitação do ledor consiste em dois dias de oficinas com aulas práticas e teóricas de quatro horas de duração. Durante as atividades são abordados pontos como sensibilização, postura, trabalho corporal, impostação da voz, técnicas de respiração, aprendizado e gravação do livro sob orientação de Analu, que além de escritora é atriz.

No programa do Sesc Rio, há a preocupação de atender a exigências básicas, como: especificar todos os itens do livro (título, autor, edição, ano de lançamento, etc), soletrar palavras estrangeiras ou onomatopéias, ler e indicar partes do livro (capa, contracapa, orelha, nota, etc), e informar os lados da fita. Esta técnica será abordada nas aulas, que serão baseadas no "Livro Falado – Uma história para ler, gravar e ouvir". Escrito pela atriz, o livro revela as dificuldades e habilidades do deficiente, e ensina a técnica para a gravação de livros.

De acordo com Analu, seu livro conta a história de uma menina que começa a conviver com um vizinho deficiente visual que incentiva a vizinhança a gravar livros para outras crianças como ele. O livro aborda o processo de desenvolvimento de outros sentidos pelo qual passa o deficiente visual, como percepção de odores, utilização dos passos como unidade de distância, além de tratar de problemas como falta de acessibilidade nas calçadas devido a hidrantes, canteiros e orelhões.

O programa conta com a coordenação geral socioeducativa do Sesc Rio e a interação de dois programas: Programa de Leitura e Sesc Voluntário - conhecidos pelos trabalhos da Trupe Solidária, OAB vai à Escola, Mães Cegonhas e Banco Rio de Alimentos.

Muitos dos voluntários que estão participando são do próprio grupo já promovido pelo Sesc, como é o caso do radialista José Mauro Fernandes, que costuma visitar asilos e outras instituições para interagir com crianças, idosos e pacientes em geral. "Nunca tinha feito algum trabalho com deficientes visuais. Não faz parte de nossa educação respeitar o deficiente físico. As cidades não estão preparadas para atendê-los. Não é o fato de não ter nenhum deficiente físico ou visual na família que impede o conhecimento das dificuldades do deficiente. Aqui eu aprendi isto", conta após última oficina na Unidade Três Rios.

A professora aposentada Ocirema Alves começou como ledora no Instituto Benjamin Constant há 17 anos e hoje trabalha como voluntária no Grupo da Boa Leitura. Seu primeiro ouvinte é atualmente o vereador de Barbacena (MG), Márcio Antônio de Souza. "Eles são muito dedicados. São pessoas maravilhosas", afirma Ocirema.

A professora indica a necessidade de um cadastro de ledores em todas as audiotecas para momentos de maior demanda como em épocas de concursos públicos quando a necessidade de gravação de apostilas aumenta. Ela sugere que esses ledores sejam professores das áreas a que se referem as apostilas (Matemática, Física e outras) pois eles fariam uma boa leitura devido a familiaridade com o assunto.

Além disso, para Ocirema a falta de formação para os ledores que atuam no momento das provas de concursos públicos, pode prejudicar o candidato deficiente. "O rapaz que é formado em Direito para quem eu leio desde 1990, perdeu uma questão porque a ledora não tinha falado de uma figura. Ele acabou errando, mas passou na prova e hoje é funcionário do Tribunal Federal de Justiça", conta.

O Programa Livro Falado procura contribuir na disseminação desta prática de capacitação do voluntariado, principalmente em trabalhar com deficientes visuais. "Muitos querem ajudar, mas não sabem como, não tem uma preparação. Geralmente, quem adora ler se identifica com o projeto", esclarece a coordenadora Maria José.

"Reivindico melhor qualidade técnica para a realização dos livros", afirma Analu que tem como meta ter um estúdio para dar um tratamento técnico satisfatório aos livros gravados sem pagar 50 reais a hora, o que encarece demais o material. Além disso, a escritora gostaria que seu livro participasse do projeto do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação. "Fato que é benéfico para os dois lados: os cegos terão mais títulos disponíveis para sua formação e informação e os jovens voluntários estarão lendo mais, melhorando sua formação intelectual e enriquecendo sua vida pessoal".

Além deste programa do livro Falado, Analu está ensaiando com quatro jovens deficientes, três cegos e um com baixa visão, para a apresentação teatral do texto "Elogio do Arame" do poeta Marcus Vinicius, presidente do Sindicato dos Escritores do Estado do Rio de Janeiro. E não desiste de uma de suas metas: "Quero capacitar um número expressivo de pessoas e quero que estas pessoas criem novas oficinas".

Números da exclusão
Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o país apresenta cerca de 16,6 milhões de deficientes visuais (incapaz, com alguma ou grande dificuldade permanente de enxergar). Dos 26 milhões de trabalhadores formais no Brasil, 537 mil são deficientes visuais, ou seja, 2% do total. Isso dá uma idéia da dificuldade do ingresso do deficiente no mercado de trabalho.

A pesquisa do Instituto Benjamin Constant, em 2003, comprovou que apenas 36% das pessoas cegas são alfabetizadas pelo sistema Braille. Assim o programa Livro Falado poderia ser uma saída para quem desconhece o Braille.

O Instituto Benjamin Constant (IBC), órgão vinculado ao Ministério da Educação, completou na última sexta-feira (17/09/04) 150 anos na área de atendimento e inclusão do deficiente visual. Fundado em 1854 com o nome de Imperial Instituto dos Meninos Cegos, foi a primeira instituição de educação especial com atividades para o atendimento das necessidades acadêmicas, reabilitacionais, médicas, profissionais, culturais, esportivas e de lazer da pessoa cega e portadora de visão subnormal.

O Instituto é também o responsável pelo desenvolvimento da técnica do Livro Falado. Criado há 40 anos pelo professor Benno Arno Marquadt, o método nasceu em encontros formados por professores do Benjamin Constant portadores de deficiência visual que se reuniam para ler obras em Braille. As leituras orais passaram para as gravações em fitas cassete, formando o Grupo da Boa Leitura. Atualmente, o Grupo conta com 70 voluntários, 380 associados e cinco mil obras de literatura entre alguns títulos espiritualistas, auto-ajuda e Psicologia.

Leonardo Dias de Oliveira, 18 anos, entrou com sete anos no Instituto e pratica teatro, aprende a fazer as coisas de convivência para saber a respeitar o limite do outro. "Aprendo coisas como AVD (atividades de vida diária): varrer a casa, passar pano e outras coisas, que muitas aprendem apenas olhando seus pais fazendo, mas nós precisamos de uma orientação já que não vemos estas atividades costumeiras", diz o estudante.

Já Vanessa Rodrigues da Silva, 15 anos, é só elogios para o instituto. "Costumo dizer que é um rio de oportunidade, ou melhor, um mar de ondas rapidíssimas que temos que aproveitar a todo instante. Foi aqui que conheci teatro, minhas amizades e o que eu sou mesmo", afirma Vanessa.

Serviço
Sesc Três Rios (0XX24) 2252-2512/2074
Rua Nelson Viana, 327 – Centro – Três Rios – RJ
CEP: 25805-290

Sesc Nitéroi (0XX24)27199119
Rua Padre Anchieta, 56. Centro - Niterói - RJ
CEP: 24210-050

Sesc Tijuca (0XX21)3238-2143/3238-2100
Rua Barão de Mesquita, 539. Tijuca - Rio de Janeiro - RJ
CEP: 20540-001

Sesc Engenho de Dentro (0XX21)2583-4661/2596-3181
Avenida Amaro Cavalcanti, 1661. Engenho de Dentro - Rio de Janeiro - RJ.
CEP: 20735-041

Sesc Nova Friburgo (0XX22)2522-4052
Av. Presidente Costa e Silva, 231
CEP: 28630-000

Sesc Nova Iguaçu (0XX22)2797-3001
Rua Dom Adriano Hipólito, 10. Moquetá - Nova Iguaçu - RJ
CEP: 26.285-330

Instituto Benjamin Constant
Avenida Pasteur, 350 / 368
Urca - Rio de Janeiro - RJ
CEP: 22240-290
Tels.: (0XX21) 2543-1180 e 2295-4498


SUSANA SARMIENTO
do site Setor3

 
 
 

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