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INICIATIVA
27/09/2004

Jovens quebram estereótipo de 'alienados'

O estereótipo de que o jovem brasileiro é alienado e não se interessa por política praticamente pertence ao senso comum. Encarar o jovem como um "problema" e não como um ser humano repleto de potencialidades também faz parte do imaginário coletivo.

Mas a realidade de uma metrópole como São Paulo, que reúne uma diversidade enorme de jovens, reunidos em mais de 1600 grupos - como identificou o Mapa da Juventude, realizado o ano passado pela Coordenadoria da Juventude da Prefeitura de São Paulo - refuta qualquer generalização. Existem "jovens", no plural; "juventudes", no plural. E, nessa riqueza de variedade, não é difícil encontrar grupos de jovens, que se formam por iniciativa própria para discutir questões sobre política e cidadania.

Em Cidade Tiradentes, zona Leste da cidade, o Núcleo Cultural Força Ativa reúne cerca de 30 jovens que, mensalmente, estudam os autores clássicos da política como Marx, Engels ou Gramsci. O grupo foi fundado há 15 anos, no bairro de Santana, zona Norte, como uma "posse" (pessoas que se reúnem para discutir e desenvolver a cultura hip hop).

Em 95, alguns dos integrantes mudaram-se para Cidade Tiradentes, mas resolveram continuar discutindo política e cidadania, "incentivando a consciência de classe, o protagonismo juvenil e a participação ativa na política brasileira", nas palavras de Jean Karlo Oliveira de Souza, 27, integrante do Força Ativa.

Tomando por base o pensamento de Paulo Freire, que considerava que todo ser humano é um produtor de cultura, o grupo passou a agrupar músicos, atores de teatro, artesãos, estudantes, entre outros, para trabalharem em um projeto de incentivo à leitura. O "Vamos Ler um Livro" propiciou a implantação de uma biblioteca comunitária no bairro, aberta à comunidade em geral.

A vontade de transformar o bairro e gerar melhorias sociais também é característica do Núcleo Poder e Revolução, que atua nos bairros do Parque Bristol, Vila Livieiro e Jardim São Savério (zona Sul de São Paulo). Maria Nilda Bota Almeida, 25, explica que o grupo - composto por 11 jovens, entre 14 e 28 anos - existe desde 1999 e passou pela mesma trajetória do Força Ativa. Começou como uma "posse" e virou um Núcleo Cultural, com direito a biblioteca comunitária.

Ela conta que, no início do trabalho, os jovens apenas "colocavam a mão na massa". Organizaram mutirões de limpeza de um córrego, por exemplo. Mas depois, notaram que, com uma ação mais política, de conscientização do morador do bairro para não sujar o córrego e de cobrança das políticas públicas poderiam ter uma atuação mais efetiva. Em decorrência da pressão pública geral, eles conseguiram construir uma quadra de esportes e também estão canalizando o córrego.

Jovens e política
A pesquisa "Jovens eleitores: consciência e participação na política", realizada recentemente pelo Instituto da Cidadania, na região metropolitana de São Paulo com estudantes (a maioria entre 15 e 17 anos) de duas escolas do Ensino Médio (uma da rede pública e outra da rede privada), mostrou que 90% dos estudantes acompanham os fatos políticos, através da televisão, jornais, revistas e rádio, principalmente.

A pesquisa foi realizada com estudantes que participaram de um curso sobre a importância do voto, voltado para estudantes do Ensino Médio e realizado também pelo Instituto da Cidadania. Os estudantes foram avaliados antes e depois do curso, que durava uma manhã e tinha como conteúdo informações básicas sobre política, voto e eleições, como a diferença de atuação entre os poderes Executivo e Legislativo, qual a importância de se conhecer o papel de um deputado e de um vereador, quem são eles e como participam da vida da cidade.

Ao contrário daquele estereótipo do adolescente alienado, o estudo mostrou que, para 84% deles, a política é interessante e faz parte de seu cotidiano. No entanto, quando questionados sobre como pretendem atuar na política brasileira, 65% dizem que apenas como eleitores e 25% através da militância e do movimento estudantil. Marcia Vasconcellos, superintendente do Instituto da Cidadania, avalia que isso é reflexo de uma falta de canais de participação para a juventude.

Um dado interessante apontado pelo estudo é que não existe diferença de posicionamento entre os estudantes da rede pública e da rede privada em relação às suas prioridades. Ambos apontam educação, emprego, segurança e distribuição de renda como prioritários. A única diferença é que os estudantes da rede privada colocam a segurança em segundo lugar e o emprego em terceiro, ao contrário do que dizem os estudantes da rede pública.

Os principais problemas dos políticos apontados pelos estudantes são a corrupção, o não cumprimento das promessas eleitorais e o fato de estarem distantes da realidade. Marcia diz que os estudantes têm um preconceito em relação à qualidade da política. Ela acredita que isso é decorrente do "barulho que a mídia sempre faz, ressaltando os aspectos negativos da política" e não as boas propostas dos governantes. "Políticos desonestos existem, mas não se pode generalizar", afirma.

Segundo Marcia Vasconcellos, todos esses dados, além da experiência desenvolvida com os alunos durante o curso apontam para o fato de que o jovem brasileiro tem uma postura madura em relação à política e interiorizou os valores da democracia. A pesquisa sugere, entretanto, que a melhoria da qualidade do voto depende do aumento da escolaridade da população.

Ação cotidiana
A estudante de jornalismo Marcela Freitas, 21, participa do grupo Comitê Ação Política, que embora atualmente esteja com suas atividades paralisadas, durante 2,5 anos reuniu 12 jovens de 15 a 21 anos, desenvolveu diversas atividades, inclusive de estudos sobre política, no bairro do Jardim São Gonçalo, na zona Leste da capital. O grupo organizou aulas de política e cidadania com o sociólogo Eduardo Gianotti, professor aposentado da USP.

Para Marcela, a política - "do jeito que está" - não atrai ninguém, porque está sendo desenvolvida por "políticos desonestos". No entanto, quando se começa a entender a política de uma forma mais ampla, como ações que influenciam o cotidiano de seu bairro, a melhoria do esgoto, da educação, do transporte, então, ela passa a despertar o interesse de todos. "Só que os jovens não sabem que a política é isso porque isso não é dito. O jovem não entende a política dessa forma mais ampla", acredita. Para ela, o jovem deveria interpretar a política como um assunto "light", que pode ser discutido, assim como ele conversa sobre futebol e outros temas cotidianos.

Maria Nilda concorda. Ela acredita que a maioria dos jovens não se interessa pela política partidária, que é a mais evidente – já que a cada dois anos aparece na televisão, em função das eleições – porque parece um pouco distante de seu cotidiano. No entanto, ela entende que a política deve fazer parte da vida diária do cidadão. E, na definição da estudante, toda vez que você toma uma decisão, você realiza um ato político, mesmo que sua ação seja a omissão. Ela considera que a televisão não mostra esse sentido mais amplo da política, Isso faz com que o jovem nem saiba que ele poderia tomar suas decisões de forma mais consciente, entendendo que tudo o que ele faz tem conseqüências.

Para o integrante do Força Ativa, Jean Karlo Oliveira de Souza, esse descrédito do jovem em relação à política é decorrente de uma falta de identificação. Ele considera que as políticas não são voltadas para a juventude, que não existem candidatos jovens e que, quando existem, eles não são compromissados com esse público. Outro problema levantado por Jean é o fato de os jovens serem encarados como um "problema" pela sociedade em geral, o que faz com que a sociedade não acredite no poder fiscalizador que a juventude pode ter em relação às políticas públicas ou em sua participação mais ativa.

De fato, alguns jovens ainda encaram a política como um assunto distante. Esse é o caso de Carolina Cristina Mila Micheleto,16, que resolveu esperar até os 18 anos para tirar seu título. Ela diz que não se interessa sobre política, embora considere o assunto importante e até diga que é importante que as pessoas reclamem com os vereadores e prefeitos quando não estão satisfeitas com os rumos do governo.

A adolescente acha que o jovem deveria discutir política, mas afirma que a maioria dos colegas não tem interesse, pensa apenas no "próprio umbigo". Ela conta que, em sua escola, pouco se discute sobre o assunto. Já na família, o tema sempre foi polêmico e motivo de brigas. Alguns de seus parentes têm preferência por um determinado partido. Outros votam em candidatos isolados, independente do partido. Ela diz que já houve discussões mais graves e mais leves, por isso o assunto hoje é evitado. Na opinião dela, as pessoas deveriam discutir política, mas sempre respeitando a opinião dos outros.

Rumo ao emprego
Maria Nilda Bota Almeida (Dinha), do Núcleo Poder e Revolução, avalia que quando um jovem começa a discutir política, ele desenvolve um juízo de valor diferente do jovem em geral e começa a sentir necessidade de atuar de forma mais efetiva na comunidade. Além disso, há um aprofundamento muito grande do pensamento reflexivo.

Hoje, ela é estagiária da Ação Educativa – organização social que trabalha com Educação – e acredita que sua experiência e interesse por cidadania foi fundamental para sua contratação. No entanto, adverte que o engajamento político sozinho não basta, é preciso também estudar.

Rubens Tavares de Macena Rocha, 21, integrante do Comitê Ação Política também diz que, em função de seu interesse por política e cidadania, conseguiu seu emprego de monitor do projeto Garagem Digital, desenvolvido no Centro Profissionalizante de Adolescentes Padre Belo (CPA), com o apoio da Fundação Abrinq. "A cidadania e a atuação política são um diferencial para o jovem", afirma.

Pelo menos para quem tem interesse em atuar no Terceiro Setor, essas características parecem aproximar o jovem do mercado de trabalho. Marcela Freitas também trabalha em uma organização social internacional, a Rede Global da Ação Juvenil, que atua com organizações juvenis de 200 países, facilitando a participação juvenil na política internacional.


LAURA GIANNECCHINI
do site Setor3

 
 
 

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