Mané-gostoso (ou dengoso),
jogo das cinco pedrinhas (ou saquinhos de arroz), borboleta
taco-taco, bonecos de pano e bolas de meia. Nomes e detalhes
podem variar em cada região do país, mas a finalidade
dos objetos citados acima é sempre a mesma: entreter
e estimular o desenvolvimento de crianças. Em tempos
de jogos eletrônicos e card games, no entanto, é
provável que muitos jovens nunca tenham aproveitado
ou nem mesmo conheçam tais brinquedos.
Quem perde com isso, além das próprias crianças,
são seus fabricantes. Não as grandes indústrias
do setor, mas os humildes artesãos que fazem da confecção
de brinquedos simples o seu meio de vida. Preocupados com
a crescente desvalorização desses tradicionais
produtos no mercado e com as dificuldades que seus criadores
atravessam, o Museu do Homem do Nordeste/Fundação
Joaquim Nabuco e o Programa Artesanato Solidário/Comunidade
Solidária executam, em Recife (PE), o projeto Brinquedos
Populares do Recife.
Iniciado em dezembro de 2003 e previsto para terminar em
dezembro deste ano, o projeto busca multiplicar os conhecimentos
dos mestres artesãos, por meio de oficinas nas quais
aprendizes passam a dominar as técnicas de produção,
e disseminar uma cultura de valorização dos
brinquedos populares. “Os artesãos enfrentam
dificuldades como a falta de espaço no mercado local,
o desconhecimento por parte de muitas crianças e a
competição dos brinquedos descartáveis
made in China”, analisa Silvia Brasileiro, coordenadora
dos programas educativos e culturais do museu. “Por
isso, o projeto também pretende melhorar a qualidade
dos produtos e divulgá-los”, completa.
A constatação dos problemas vividos pelos artesãos
e a elaboração de possíveis soluções
foram facilitadas pelo fato de o Museu do Homem do Nordeste
desenvolver, há mais de 15 anos, ações
com este público. A Feira Atividade: Brinquedos e Brincadeiras
Populares, cuja proposta é despertar em crianças
e jovens o interesse por tais temas, é um exemplo.
A essa experiência foi aliada a metodologia do Programa
Artesanato Solidário, que atua na revitalização
do artesanato de tradição para criar oportunidades
de trabalho e renda para os beneficiados e suas famílias.
Espera-se atingir cerca de 480 pessoas direta e indiretamente.
O projeto integra oito mestres artesãos e 120 aprendizes
que antes não possuíam ocupação
fixa. Todos são moradores da comunidade de Vila Esperança,
localizada próxima ao museu. Eles recebem consultoria
sobre melhorias no produto, uso da matéria-prima (madeira,
lata, papelão, tecido, sucata etc), design e comercialização
e aprendem sobre direitos do cidadão. Além disso,
o Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas
de Pernambuco – Sebrae-PE realizará oficinas
sobre associativismo e empreendedorismo com os participantes,
visando a estimular a formação de uma associação
entre os artesãos. “Embora incentivemos essa
atitude, a decisão precisa ser amadurecida e debatida
pelo grupo. Não forçaremos nada”, ressalta
Silvia.
Brinquedo não é só coisa de criança
O mestre José Antônio da Silva, 44 anos de
idade, fabrica brinquedos desde os 12. Aprendeu com seu irmão
mais velho, também chamado José Antônio
da Silva, que, por sua vez, foi ensinado por uma cigana. Hoje,
os dois integram o projeto e trabalham juntos. Segundo José
Antônio, o mais novo, as dicas do “pessoal do
museu”, como chama os coordenadores do projeto, são
de grande utilidade. “Pude aumentar a qualidade do que
faço. Troquei materiais e modifiquei algumas peças”,
explica Silva, cuja renda, diz, também melhorou após
o início do programa, embora não saiba precisar
o quanto. “As vendas cresceram bastante e, graças
aos eventos realizados, somos muito mais procurados.”
Silva se refere às atividades nas quais os organizadores,
muitas vezes em parceria com a prefeitura de Recife, inserem
a participação dos artesãos, que divulgam
e comercializam seus produtos. Eles já participaram
de exposições, festivais e feiras nacionais
e internacionais, inclusive da 5a Feira Nacional de Negócios
do Artesanato – Fenneart, que reúne expositores
de todo o Brasil e de outros países, como Marrocos,
Argentina, Rússia, Espanha, Quênia e Índia.
Os fabricantes também atendem a encomendas, como o
pedido de 500 mini-regadores feito pela Companhia Hidroelétrica
do São Francisco – Chesf durante a Semana do
Meio Ambiente.
Tantas possibilidades fazem com que a aprendiz Dalva Maria
de Fraga, de 48 anos, tenha expectativas para o futuro. “Com
a venda dos brinquedos, espero ganhar mais do que com as costuras
que fazia. Vejo a quantia tirada pelos mais experientes e
percebo ser possível”, calcula Dalva, que é
a favor da formação de uma cooperativa. Ela
lamenta o fato de muitas crianças, hoje em dia, preferirem
brinquedos eletrônicos.
O projeto concluiu que há demanda pelos produtos em
três mercados distintos: crianças e jovens que
buscam diversão; colecionadores, museus e centros culturais
e arquitetos e decoradores que utilizarão os brinquedos
como elementos de decoração. Os coordenadores
acreditam que o Brinquedos Populares do Recife ajuda na preservação
da identidade cultural do homem nordestino. “Muitos
itens, como carrosséis e rodas-gigantes feitos em flandres
(finas chapas de lata), são típicos da região
ou do estado”, diz Silvia Brasileiro. “Procuramos
manter esta tradição viva nas crianças
e permitir a continuidade dos artesãos.”
Mesmo após o término do projeto, o museu pretende
continuar atuando junto ao público beneficiado. Atualmente,
estuda-se a possibilidade, juntamente com a prefeitura, de
as escolas de Recife, públicas e particulares, adquirirem
um kit de brinquedos populares para suas atividades pedagógicas.
A confecção de brinquedos é apenas uma
das alternativas da produção artesanal. Segundo
o Sebrae, o artesanato é a terceira cadeia produtiva
mais importante de Pernambuco, atrás apenas do agronegócio
e do turismo, e a quinta mais difundida no Brasil, presente
em 18 estados. Embora, segundo o Ministério do Desenvolvimento,
Indústria e Comércio Exterior – MDIC,
não haja informações precisas sobre quantas
pessoas são empregadas ou quanto dinheiro é
movimentado, o setor é motivo de programas de incentivo
do próprio MDIC (Programa do Artesanato Brasileiro)
e do Sebrae (Programa Sebrae de Artesanato).
iVAN KASAHARA
da Fundação Banco do Brasil
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