HOME | NOTÍCIAS | COLUNAS | SÓ SÃO PAULO | CIDADÃO JORNALISTA | QUEM SOMOS
 

vidas coloridas
27/10/2004

Bordados geram empregos e perspectivas para jovens

Em 1986, na escola, aos 11 anos de idade, Joseane Brito ouviu falar de um cursinho para meninas sendo oferecido perto de sua casa, no Jardim São Marcos, Campinas. No bairro de cerca de 36 mil habitantes, o segundo mais violento do interior de São Paulo segundo o IBGE, o tráfico de drogas assustava os moradores, mas o tal cursinho de bordado a fios contados vinha se mostrando eficiente na formação daquelas meninas, até então sem perspectivas. Era o Grupo Primavera, fundado em 1981, por Jane Chiang Sieh, chinesa naturalizada norte-americana. As aulas agradavam as mães, pois ali as meninas começavam a tecer seu futuro.

“Minha intenção inicial era assistir e educar algumas jovens do Jardim São Marcos, um bairro discriminado e marginalizado próximo da Minasa Trading, empresa de meu marido. Eu, recém-chegada no Brasil, não entendia por que as diferenças eram tão gritantes. Sempre que passava por ali, sentia a necessidade de fazer algo. Não adiantava simplesmente trancarmos as portas dos carros blindados. Era preciso parar, conhecer as necessidades daquela gente e fazer o possível”, conta Jane, que até hoje lidera o grupo, apelidado de GP.

Desde a data de sua fundação, o Grupo Primavera já atendeu mais de duas mil meninas. Hoje, cada uma das 30 costureiras e 50 bordadeiras chega a lucrar R$ 800 nos meses de maior procura – outubro, novembro e dezembro – pelas bonecas, cartões de natal, jogos de mesa e banho, artigos para bebê, pesos de porta, almofadas, roupões e puxa-sacos.

Segundo dados do próprio Grupo Primavera, cerca de 60 famílias se beneficiam do trabalho, que gera em torno de R$ 40 mil por ano, o que corresponde a 23% da renda da instituição. Para os projetos na área de educação e cultura, ela ainda conta com o apoio de parceiros como a Fundação Vitae, BNDS, Bosh, Graber Seguradora, Telefônica, Tetra Pak, Pricewaterhousecoopers, entre outros. Uma renda complementar vem dos brindes solidários encomendados por empresas como a Indústria Farmacêutica Galena, Tetra Pak, Green, FMC, 3M do Brasil, Buckman Laboratórios e Multimix, além de lojas de São Paulo. Em 2001, o Grupo Primavera recebeu o certificado da Fundação Banco do Brasil e hoje integra seu Banco de Tecnologias Sociais.

O dinheiro arrecadado com a venda dos produtos e das doações se transforma em cursos de preparação para as jovens da comunidade. Duzentas e trinta moças entre 11 e 17 anos estão aprendendo a arte de bordar. Um programa de educação complementar integra o curso. São três fases. A primeira, chamada de formação básica, dura quatro anos e oferece quatro horas diárias, de segunda a quinta-feira, com oficinas de trabalhos manuais, arte, cultura, comunicação e informática. Formadas, as meninas participam de um programa de extensão denominado IMT (iniciação ao mundo do trabalho), que prepara as jovens para entrarem no mercado de trabalho como auxiliares de escritório, projeto semelhante ao realizado no morro da Mangueira, no Rio.

Quem quiser ir mais longe também pode cursar o Pacto, que prepara tanto meninas quanto meninos para colégios técnicos. Professores da Unicamp, contratados pelo Grupo Primavera, são os responsáveis pelo ensino. Alguns alunos conseguem inclusive ingressar na universidade.

Joseane, que entrou no GP aos 11 anos de idade, é hoje, aos 29, gerente de produção do grupo e não mora mais no bairro. Com formação técnica em química, ela chegou a trabalhar em laboratórios, mas a paixão pelo artesanato falou mais alto. “Se não fosse pelo projeto, hoje eu estaria trabalhando apenas para ganhar dinheiro. Graças ao Primavera me sinto uma mulher realizada profissionalmente”, diz.

Orgulhosa, a fundadora do Grupo conta que a maioria das meninas que se forma no GP não fica na instituição, muito menos no bairro de Jardim São Marcos. “O objetivo do curso é justamente este: que estas meninas se tornem grandes profissionais.” Mesmo com tantos frutos, Jane acha que ainda tem muito a fazer: “Faço o mínimo frente às necessidades sociais de nosso país.”

No Nordeste
Em uma região carente localizada no sul da Paraíba, também é o bordado que vem melhorando a vida de centenas de mulheres. O Projeto Rendas do Cariri é, em poucas palavras, um conjunto de associações de rendeiras de cinco municípios da região do Cariri Ocidental: Monteiro, Camalaú, São João do Tigre, São Sebastião do Umbuzeiro e Zabelê. Lá, onde a seca prejudica a agricultura de subsistência, são as rendas que estão dando fôlego aos habitantes.

Tradicionalmente, a região sempre foi um pólo do artesanato da renda renascença, confeccionada com agulha, linha e lacê. O processo se divide em três passos: é feito um desenho em papel grosso, o lace é aplicado e os pontos são tecidos. Sua origem remonta ao século 16. A ilha de Burano, em Veneza, na Itália, seria o berço deste tipo de renda, que chegou ao Brasil, e ao Cariri, graças às mulheres dos colonizadores portugueses.

Nos últimos anos, a atividade vinha entrando em declínio por causa dos chamados atravessadores, para quem as rendeiras vendiam suas peças a preços irrisórios, por cerca de R$ 5 cada novelo rendado. Segundo os moradores da região, os atravessadores nunca revelam por quanto repassam estas peças no mercado, mas eles estimam que seja pelo triplo do valor pago às mulheres. Como conseqüência, muitas jovens pararam de se interessar pelo trabalho histórico e de retorno tão baixo, prejudicando a renovação das rendeiras. O Rendas do Cariri surgiu para mudar este panorama, incentivando a prática associativa e a busca por novos mercados.

Criado primeiramente no município de Camalaú, em 1999, graças à ONG Parai’wa e ao Sebrae paraibano, com o apoio da Universidade Federal da Paraíba e das prefeituras municipais, o Projeto Rendas do Cariri tem associações em cada um dos cinco municípios. A maior delas concentra a comercialização da renda e está localizada em Monteiro. Fundada em 2000 e presidida por Marlene Lopes, a Casa das Rendeiras fornece matéria-prima para as rendeiras e facilita a comercialização dos produtos – vestuário para adultos e bebês, roupas de cama, mesa e banho, aplicações e acabamentos –, além de oferecer cursos de capacitação e atualização para as mulheres da região. Se antes elas recebiam, dos atravessadores, cerca de R$ 5 por novelo rendado, agora podem conseguir até R$ 25. Como cada novelo leva de três a sete dias para ser trabalhado, algumas rendeiras chegam a quase um salário-mínimo por mês.

A maioria das mulheres que trabalha para a associação tem uma vida semelhante à de Ivani dos Santos, de 34 anos, dona-de-casa de Monteiro. Mãe de quatro filhos, ela faz artesanato para complementar a renda do marido, que é pedreiro. Ivani, que já morou em Brasília, pensa em voltar a viver na capital federal. “Nossa sobrevivência na Paraíba é muito difícil. Nunca sei quando meu marido vai estar trabalhando. Fazendo renda, eu garanto um dinheiro para a família. Trabalhando em casa, posso também tomar conta dos meus filhos. Na associação, aprendi muitos pontos novos e fiquei livre dos atravessadores”, conta.

Hoje, 35 rendeiras estão sendo capacitadas pelo curso de formação oferecido em Monteiro e 75 trabalham na confecção dos produtos. Desde que a associação foi fundada, mais de 100 mulheres já participaram de cursos de capacitação. Segundo dados do Sebrae paraibano, das cerca de 20 mil mulheres que moram no Cariri, quatro mil subsistem abaixo da linha da pobreza com a venda das rendas. Destas, um número baixíssimo se associou. Segundo Marlene, em Monteiro são somente 35, num total de 350 nos cinco municípios do Cariri onde o projeto está instalado. Os destaques são Camalaú e São João do Tigre, com 100 cada. Associadas, as mulheres recebem documentação e carteirinha. Por mês, contribuem com R$ 2.

“Muitas rendeiras ainda têm medo de se associarem porque estão nas mãos dos atravessadores. São grupos que chegam a vir de Pernambuco e de outros municípios do Cariri. Eles vivem da exploração destas mulheres. E elas temem passar fome sem os atravessadores. Mas nós vamos mudar essa situação”, sonha Marlene.

Trabalhando sob encomenda, as rendeiras do Cariri já chegaram a enviar peças para a Itália e Portugal. Agora Marlene aguarda uma encomenda dos Estados Unidos, mas reconhece que seu grupo ainda não tem condições de atender grandes demandas. Ela acredita, porém, que a situação tende a melhorar. A prefeitura doou o terreno e o governo do estado está terminando de construir uma nova sede para a Casa das Rendeiras, no Centro Comercial de Monteiro. Ela terá duas lojas, secretaria, oficina-escola, fábrica, lavanderia e até um quarto para abrigar possíveis visitantes interessados nos produtos. Novas sedes também estão sendo levantadas nos outros municípios.

“O que falta agora é criarmos uma identidade para a nossa renda, uma linha de produção. Já estamos trabalhando nisso e em breve estaremos comercializando produtos com a nossa cara”, planeja Marlene.

DANIELLE CHEVRAND
da Fundação Banco do Brasil

 
 
 

NOTÍCIAS ANTERIORES
26/10/2004 Gincana incentiva moradores de favela a voltar a estudar
26/10/2004
Núcleo de Comunicação da Fundação Gol de Letra capacita jovens
26/10/2004 McDia Feliz ajudará na construção de hospital
25/10/2004
Corpo de Socorristas do Brasil atua em situações de emergência
25/10/2004
Crianças e jovens limpam Praia do Futuro
21/10/2004
Natura apóia projetos e capacita consultoras a atuarem a favor da EJA
21/10/2004 Projeto trabalha preservação ambiental por meio da música
21/10/2004
Cães de rua conquistam lar pela Internet
21/10/2004 Farmácia comunitária pode fechar
21/10/2004
Projeto Onde Moras faz mutirão
21/10/2004
Cursos e atendimentos médico-odontológicos são pagos com alimentos