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O gênio Villa-Lobos corre o risco de virar sinônimo de idiotice

No próximo mês, completam-se 80 anos da Semana de Arte Moderna, aberta por Heitor Villa-Lobos no Teatro Municipal de São Paulo. Num movimento liderado, entre outros, por Mário e Oswald de Andrade, escritores, pintores, escultores e poetas compuseram naquele teatro um espetáculo de inteligência cultural jamais visto na história brasileira.

Em meio a vaias e berros, ao executar composições como "Impressões da Vida Mundana", Villa-Lobos reforçou naquele palco sua imagem de gênio da música; carioca, acabou entrando para sempre na memória da cidade, onde, tempos depois, veio a organizar projetos de educação musical nas escolas.

O nome de Villa-Lobos agora está prestes a se transformar em um sinônimo de idiotice. É uma metamorfose que confere extraordinária atualidade à obra poética "Paulicéia Desvairada", de Mário de Andrade, lançada em 1922; a cidade aparece, na obra do autor de "Macunaíma", como vítima dos atos de uma elite econômica egoísta e de políticos cínicos.

Um episódio que envolve o nome de Villa-Lobos mostra que a "Paulicéia" poucas vezes esteve tão desvairada.

A Justiça determinou que os cofres públicos desembolsem, em dez prestações, R$ 1,3 bilhão para pagamento a uma família pela desapropriação do terreno em que hoje está instalado o parque Villa-Lobos. Acrescentem-se a essa quantia mais R$ 250 milhões já depositados em juízo.

Como também quis abocanhar seu naco no processo, a Prefeitura de São Paulo alegou na Justiça que iria fazer um conjunto de casas populares naquele terreno. Ganhou uma indenização de R$ 450 milhões.

Pela área de 700 mil metros quadrados, desapropriada em 1988 por Orestes Quércia (PMDB), na época governador do Estado, o contribuinte vai desembolsar cerca de R$ 2 bilhões.

Tentei entender a cadeia de responsabilidades (ou melhor, de irresponsabilidades) que levou aquele terreno, na zona oeste de São Paulo, grudado na marginal Pinheiros, a custar R$ 2 bilhões. O conjunto dos fatos envolve uma rede de políticos, juízes, advogados e procuradores.

Ao preço original agregaram-se multas, correções e juros até a decisão final da Justiça. Diante do evidente absurdo, que tramitou durante três governos estaduais -Quércia, Luiz Antonio Fleury Filho e Mário Covas-, vemos agora a troca de acusações. "Sou obrigado a cumprir", resigna-se o atual governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), desconfiado dos valores de indenização fixados pelo Poder Judiciário e convencido de que os juros de cobranças de dívidas do poder público são um despautério e vão afundar municípios.

Não vou aborrecer o leitor com detalhes jurídicos ou administrativos. Nem vou me deter nas suspeitas de corrupção.

Não sou advogado, não sei avaliar juridicamente a questão. Como jornalista, meu forte não é matemática: não posso dizer se a Justiça acertou ou errou nos cálculos, se a família tinha ou não o direito de receber aquela indenização. Alguns advogados asseguram que o valor é "justo" e que os trâmites foram corretos. Não importa.

Somente a lógica do desvario do formalismo explica que, em meio a tantas carências sociais, saiam dos cofres R$ 2 bilhões para custear apenas um parque -aliás, com pouquíssimos atrativos.

Para chegar a tal desatino, deve-se percorrer uma rede de pequenos, grandes e médios desvarios, que comprometeram todos os níveis da comunidade: o governo, que comprou e não soube se defender na Justiça; a Justiça, que garante esse tipo de compensação indenizatória; os procuradores, que não conseguiram barrar a indenização; e a própria comunidade, que, desinformada e desarticulada, não se mobilizou.

Podem me incluir nessa rede: como os leitores sabem, sou um apaixonado por São Paulo e nada sabia sobre o processo em que está implicado o parque Villa-Lobos. Mas, por obrigação profissional, deveria saber e fazer barulho.

O genial Villa-Lobos, símbolo da transgressão estética, movido pela ética e pelo desejo de construir uma nação mais democrática e mais justa, passa a ser em São Paulo associado também à crônica idiotice do desperdício de recursos no Brasil.

Ele, que tanto acreditou que, pela música, se edificaria uma nação mais educada, tem no parque uma homenagem às avessas. Como se vê, Macunaíma, de Mário de Andrade, está vivo nesta terra de vivíssimos.

PS - Quem está fora de São Paulo talvez imagine que, sabe-se lá, pelo menos os moradores da cidade ganharam uma área charmosa, um oásis numa cidade tão cinza. Devido à escassez de árvores, existe pouca sombra no parque.

Certamente não é legal (o processo já está julgado), mas, se houvesse a intenção de gastar R$ 2 bilhões em lazer, o melhor seria devolver o terreno à família e fazer centenas de pequenos parques e praças pela cidade.

 
 
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