O
marketing dos burros
Na sabatina
da Folha, José Serra assegurou, quase num tom de promessa,
que sua campanha no horário eleitoral seria baseada
numa agenda positiva: mostraria um plano para o Brasil. Não
partiria para o ataque pessoal contra nenhum candidato (e
citou especificamente Ciro Gomes). A promessa resistiu bravamente
durante quatro dias - até começar o horário
eleitoral.
O principal
fato da campanha, na semana passada, foi o ataque pessoal
contra Ciro Gomes, apresentado na propaganda de Serra como
um desequilibrado emocional. Exibiram pela televisão
frases destemperadas do ex-governador cearense e imagens em
que chama um ouvinte de "burro". A Justiça
interveio e proibiu, na quinta-feira, a veiculação
daquelas imagens.
Já
poderemos ter algum indício da eficácia de tal
ofensiva daqui a dois dias, quando serão divulgadas
as pesquisas de intenção de voto referentes
aos presidenciáveis. Pode-se dizer agora que a tática
revela que os tucanos estão no limiar do desespero:
mais importante do que apresentar um projeto de país
é, neste momento, destruir Ciro Gomes, mirando não
suas idéias, mas suas características psicológicas.
Incomodado
com a pancadaria, Ciro Gomes devolveu no mesmo tom, ao chamar
Serra de "o ministro da dengue" e de "grampeador
de telefones" - dois assuntos que estão engatilhados
para entrar no ar.
É
ilusão acreditar que o horário eleitoral gratuito
seja um espaço de informação. É
antes um espaço de manipulação. Aposta-se
que o eleitor tenha algum grau de burrice ou de desinformação.
Esse é o princípio básico, irretorquível,
que está por trás do marketing das eleições.
Não
se fazem apelos ao raciocínio, não se demonstra
a viabilidade de programas. O apelo é para a emoção.
Prova disso é Lula ter aparecido, de novo, chorando
na tela, transformando em recurso eleitoral passagens dolorosas
de sua vida privada.
É
por isso que, nesse período, valem menos os acadêmicos,
acostumados a elaborar e a vender idéias, do que os
publicitários, que vendem qualquer coisa - de cigarro,
cerveja ou automóvel a candidato.
Falar
das manipulações e bobagens eleitorais, igualando
todos os candidatos, é um caminho tão fácil
quanto enganoso. Nunca vi uma eleição em que
as idéias e a biografia dos candidatos fossem tão
escancaradas por rádio, TV e jornal. Alguns, mais rigorosos,
podem até argumentar - e com certa dose de razão
- que o debate não é profundo e que os candidatos
continuam a prometer mudanças sem dizer de onde vão
tirar os recursos para empreendê-las. Essa distância
entre a viabilidade e a ilusão apareceu retratada em
todos os cantos e nos mais diferentes meios de comunicação.
Há
pelo menos duas explicações óbvias para
essa transparência: a imprensa está mais ativa
e a democracia está mais madura. Ainda estão
frescas na memória dos jornalistas as falhas dos meios
de comunicação - a Folha foi uma das raras exceções
- na campanha de 1989, quando Collor venceu com a auréola
de caçador de corruptos.
A mudança
do perfil de escolaridade do Brasil -nunca tanta gente foi
para a escola - provocou uma explosão do ensino médio
e um veloz crescimento do número de matrículas
no ensino superior. Isso significa mais cidadãos atentos
e em busca de conhecimento.
Essa mudança
já é visível na plataforma dos candidatos.
Todos, sem exceção, apresentam planos para melhorar
o acesso dos mais pobres à universidade, seja por meio
de cotas, seja pela melhoria do ensino médio, seja
pelo patrocínio dos cursinhos pré-vestibulares.
Nesta
eleição, fala-se mais do acesso à faculdade
do que do acesso à terra, num movimento que indica
as novas estruturas da sociedade brasileira.
Até
porque, entre os mais pobres, é crescente a convicção
de que a obtenção de bons empregos e bons salários
está condicionada à frequência a boas
faculdades.
Daí que os candidatos, por mais que façam do
horário gratuito uma asneira mercadológica,
não vão desfazer um fato: do ponto de vista
da difusão de idéias, com todas as fragilidades,
é a melhor eleição que já vi.
P.S. -
O PT acenou em seu programa de educação, lançado
na semana passada, com a possibilidade de acabar com o provão.
Com todas as ressalvas (é, de fato, apenas um elemento
de avaliação), o teste ajudou a dar um choque
no ensino superior, obrigando muitas fábricas de diploma
a pensar mais em qualidade. Acabar com o provão é
um gesto de burrice ou de demagogia barata. Só se compara
em termos de irresponsabilidade a Paulo Maluf querer restabelecer
a cultura da repetência, acabando com a progressão
continuada.
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