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10/10/2003
Uma chácara na Marginal. Mas a favela avança

Debaixo do pé de amora, o aposentado Claudio Picelli observa as galinhas, a jaqueira cheia de frutos, os pés de ipê e, ao fundo, um cenário diferente: o trânsito caótico da Marginal do Tietê, que passa na frente da sua casa. Ele vive na mesma chácara em que nasceu, há 57 anos, adquirida por sua família, de imigrantes italianos, há um século.

A área de 10 mil metros quadrados, que fica ao lado da Ponte Julio de Mesquita Neto, resistiu às reformas no curso do Rio Tietê e ao asfaltamento da via, mas está sucumbindo diante de um dos maiores problemas urbanos, o avanço das favelas. A cada dia, uma parte do terreno é engolida por um novo barraco da Favela Aldeinha, que começou a nascer há cerca de três anos e hoje tem quase mil moradores.

A convivência não é pacífica. Picelli, sua mulher, Lúcia, de 49 anos, e a irmã dele, Inês Picelli Barbará, de 73, reclamam que os moradores da favela invadem a chácara para roubar galinhas, põem fogo nos eucaliptos, enrolam fios de luz nas árvores e levam cavalos para pastar na propriedade.

"Já não planto nada. Acaba tudo destruído. É muito triste lembrar de como isto era e ver o que virou", diz Picelli, olhos marejados, folheando um álbum de fotos antigas. "Para ir à escola, tinha de atravessar o Tietê de barco. Era um paraíso. Agora virou um inferno."

Briga
Já os ocupantes dos cerca de 400 barracos, iluminados e abastecidos com água graças a gambiarras, vêem os donos da chácara como vilões que os querem expulsar. "Paguei R$ 1 mil pela minha casinha de tábua. Meu marido está desempregado há quatro anos, desde que foi atropelado. Se tirarem a gente daqui, vou morar debaixo do viaduto", diz Lenice Pereira Lima, de 39 anos, mãe de Vitória e Vitor, de 1 e 2 anos.

Os Picellis bem que tentaram recorrer à Justiça para remover os invasores.

Mas o processo não evoluiu, já que a própria família enfrenta briga judicial pelo direito ao terreno. A área foi desapropriada pela Prefeitura, na gestão Maluf, para a construção das alças de acesso da Ponte Julio de Mesquita Neto para a Marginal. Mas eles garantem que nunca receberam a indenização.

Diante do impasse, as obras estão paradas, os Picellis não podem pôr o imóvel à venda e os ocupantes da favela ficam mais longe de regularizar os lotes. Mesmo assim, a comunidade tem se organizado.

Uma placa afixada na frente da favela traz bem nítido o endereço: "Avenida Presidente Castelo Branco. CEP 01142-000. Número 5.111". Abaixo dela há uma caixa de correio. Mas, segundo a catadora de papelão Elaine Romano dos Santos, de 28 anos, o objeto é ignorado. "O carteiro passa batido, nunca deixa nada."

Outra queixa é quanto à falta de telefone. "Uma vez, num incêndio, tivemos de pedir um celular emprestado para chamar os bombeiros. O orelhão mais próximo fica a quase um quilômetro", conta o líder comunitário Heraldo Dias, de 26 anos, que vive de material reciclável.

Dias tem participado de reuniões com a Prefeitura, na tentativa de viabilizar projetos para melhorar as condições do local.

Escola
"O Município já obteve a vitória, em duas instâncias, no processo que apura os reais donos do terreno", diz o subprefeito da Lapa, Adaucto José Durigan. "Se chegarmos à vitória definitiva, planejamos construir moradias populares e transferir o pessoal da favela para lá. Enquanto isso não ocorre, eles recebem auxílio de assistentes sociais e têm acesso ao posto de saúde. Em 2004 planejamos fazer uma escola na região."

Se a promessa for cumprida, Wiliam Gomes da Silva, de 9 anos, não precisará mais pedalar 10 quilômetros para ir e voltar do colégio no Bom Retiro. "Não achei vaga mais perto", justifica a mãe, Salete Gomes.

Salete é uma das pessoas mais populares na Aldeinha. Com o marido, ela toca no bar do Zezito. É uma mistura de armazém e lanchonete, onde se pode comprar fiado. Salete anota as contas numa caderneta e cobra o pagamento a cada 15 dias. "Já cansei de levar calote. Mas o povo não tem cheque nem sabe quando vai ter dinheiro."

É uma incerteza que afeta também os Picellis. Com poucos recursos, eles imaginam o que poderiam fazer caso fossem indenizados ou tivessem a posse assegurada pela Justiça. Claudio admite vender a chácara e mudar para o interior. Já Lúcia e Inês preferem ficar.

A casa onde a família vive é simples e antiga e o mato invade as plantações de mandioca e o jardim, mas ainda assim o aspecto é o de um oásis. "Poucos imaginam que em plena Marginal ainda se pode colher amoras, mangas e laranjas", diz Inês. "O único problema é a favela."

KATIA AZEVEDO
Do jornal O Estado de S. Paulo

 
 
 

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