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10/06/2001 - 08h36

Crise de energia vira disciplina e transforma alunos em fiscais

DÉBORA YURI
da Revista da Folha

Funk do apagão

"Quer economizar/
Quer economizar/
A Gabi vai te ensinar/
Tem que apertar o botão/
Assim, assim/
Evitar o apagão/Assim, assim/
Pra não levar um multão/
Assim, assim/
É só apertar o botão/
Evitar o apagão/
Pra não levar um multão/
Então aperta, aperta,
aperta o botão/
Desliga a luz/Acende o lampião/
Pra evitar o apagão"


Versão de Gabriela Cordaro, 8, Ana Luiza Zarif, 8, e Lia Patrus Banned, 9 (foto), para o hit funk "Cerol na Mão"

Apagão nas salas de aula: a ordem agora é transformar a crise de energia em lição de casa. Alunos dos ensinos fundamental e médio estão aprendendo a medir quilowatts, calculando a sobretaxa de 20%, descobrindo quais eletroeletrônicos são mais dispendiosos e -presentinho para os pais- elaborando planilhas para reduzir o consumo em casa.

"Estão todos muito entusiasmados, porque perceberam que a escola não está completamente desligada de suas vidas", diz Rosângela Alaite Pereira, professora de matemática do colégio Lourenço Castanho, que programou um "pacote completo" sobre racionamento de energia para suas turmas. "Eles estão começando a formar opinião sobre um assunto importante, que antes nem passava pelas suas cabeças", afirma a professora.

Esse pacote inclui um trabalho extra, o "Projeto Economia de Energia"; aulas de matemática, para ensinar a calcular, por exemplo, quanto se gasta com um banho de 20 minutos ou uma hora de televisão; de ciências, sobre as diferentes fontes de energia; e de geografia, uma exposição dos recursos disponíveis na natureza.

O colégio oferece também uma disciplina diferente, chamada "jornal". Na verdade, é uma versão pedagógica de atualidades, em que se debate as questões mais relevantes do cotidiano. Até a crise do Senado e a renúncia de Antônio Carlos Magalhães entraram nas rodinhas das classes do Lourenço Castanho nas últimas semanas. Mas o centro da questão tem sido mesmo o racionamento.

"Acho mais legal aprender assim, com exemplos práticos, do que quando tudo fica apenas na teoria, nas coisas que nunca vamos usar", observa Ana Érica Ferreira, 13, da 7ª série. João Guilherme Zurita Hannud, 11, da 5ª, é outro fã da nova disciplina. "Todo mundo gasta mais energia do que o necessário. Estou gostando muito de aprender as razões da crise, as consequências e o que podemos fazer para contribuir", diz.

Situada no primeiro prédio inteiramente ecológico do Brasil (tem desde telhas recicladas até móveis feitos com madeira de reflorestamento, além de encanamento de cobre e reservatório de captação de água de chuva), a Escola Viva também desenvolveu um projeto pedagógico sobre o racionamento. O principal trabalho é a produção de um folheto educativo, a ser distribuído para a comunidade. Alunos da 7ª série estão criando os textos, com base nas opiniões que formaram lendo jornais e revistas.

No Brasil-Canadá e no Nossa Senhora das Graças, os professores estão ensinando a fazer os cálculos de quanto se gasta com cada item (geladeira, microondas, chuveiro elétrico, televisão, computador etc.) e de como atingir a meta de 20% de redução de consumo em casa. O Friburgo organiza debates sobre o tema com estudantes da 7ª série ao 3º ano.

"As crianças de hoje são como soldadinhos, estão envolvidos com os problemas da atualidade. Estão pensando não apenas em si mesmos, mas no mundo em que vivem", diz Ida Abraão, uma das coordenadoras do colégio Mater Dei.

Adriana Giorgi Costa, professora de história do Lourenço Castanho, acha que eles são mais cidadãos do que muita gente pensa. "Só precisavam de uma chance para mostrar isso."

Há alguns dias, os alunos da 6ª série do Mater Dei distribuíram panfletos escritos pela classe na porta do colégio, para pais e vizinhos. Parte do "Projeto Cidadão", ele contém uma série de dicas de como reduzir o gasto em casa.

Tanta informação acaba se refletindo no comportamento. Carolina Naddeo, 11, da 5ª série do Lourenço Castanho, cita as atividades relacionadas ao "apagão" como as preferidas de sua vida escolar atual e conta que mudou vários hábitos depois delas. "Desliguei o telefone do meu quarto, fico apagando luzes desnecessárias quando vejo uma acesa e reduzi o tempo em frente à TV. Hoje, só assisto (aos seriados) 'Malhação' e 'Friends'", diz.

Para Paulo Anger Souza, 11, da 5ª série, o pai é a principal fonte de informações. "Ele lê muitos jornais e conversa comigo sobre tudo. Por causa do incentivo dele, eu leio jornal e revistas desde os 8 anos", conta. Sua classe também está escrevendo uma dissertação para a aula de português com o tema "24 horas sem luz". Bruna Romano Merofa, 11, já tem algumas idéias. "Seria um dia bem diferente, principalmente porque não teria TV. Eu chamaria os amigos para conversar, faria a lição de casa perto da janela e depois iria pedir para dar uma volta com a minha mãe."

As aulas já mudaram muita coisa no cotidiano de Paulo Egydio Setúbal, 13, da 7ª série. "Eu saio apagando as luzes acesas, deixo o computador em 'stand by' e compro pão todo dia na padaria, para não precisar usar o forninho", conta. Jacqueline Pontes, 11, afirma que está lendo mais devido ao interesse despertado pelo assunto. "É legal ter noção do que está acontecendo no país. Eu disse em casa que é melhor lavar roupa só uma vez por semana."

Soldadinhas Já a Escola Estadual Dr. José Pereira de Queiroz, na Vila Matilde (zona leste), lançou o "Projeto Apagão", com várias propostas educativas, e está toda enfeitada com cartazes confeccionados pelos alunos.

"É impressionante como os jovens se envolveram com a "causa" do apagão. Muitos estudantes estão ensinando os pais sobre a importância de economizar energia", acredita José de Lima, coordenador do colégio estadual.

Mas nem sempre a iniciativa de conscientizar crianças e pré-adolescentes sobre os problemas do mundo parte de educadores e professores. Gabriela Cordaro, 8, Lia Patrus Banned, 9, e Ana Luiza Zarif, 8, da 3ª série do Mater Dei, escreveram há duas semanas a letra "Funk do Apagão". Usaram como base uma música nada educativa, "Cerol na Mão", do grupo de funk carioca Bonde do Tigrão, e substituíram versos lamentáveis como "Vou passar cerol na mão/Vou te dar muita pressão" pelos politicamente corretos "Tem que apertar o botão/Evitar o apagão".

"A gente criou essa música para que as pessoas economizem e a situação melhore", explica Gabriela, que se diz contente com as aulas sobre racionamento. Lia conta como foi o processo de criação da canção: "Convidei a Gabriela e a Ana Luiza para ir a minha casa. Compramos cartolinas e escrevemos os versos. Em uma hora, o 'Funk do Apagão' estava pronto".

Entusiasmo também não falta às meninas. Todo dia, no recreio, elas ficam cantando e dançando a coreografia da música que compuseram, para entreter e conscientizar outros alunos. A mensagem é simples: aprender a ser cidadão é importante, mas, se der para se divertir um pouquinho, melhor ainda.

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