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21/10/2001 - 03h34

Ministro da Educação não vê sobrevida do ensino gratuito

VALDO CRUZ
MARTA SALOMON

da Folha de S.Paulo

O atual modelo de financiamento do ensino superior se esgotará em cinco ou seis anos, e o país terá de enfrentar logo uma polêmica evitada nos quase sete anos de governo Fernando Henrique -a sobrevivência do ensino gratuito nas universidades.

A previsão é do ministro Paulo Renato Souza (Educação), que aponta os motivos: as matrículas nas universidades cresceram 62% sob FHC e a tendência é crescer ainda mais. A maioria dos novos universitários (67%) foi para as escolas privadas.

"Os recursos são finitos, e a demanda é crescente. A sociedade brasileira vai ter de decidir como é que ela vai querer financiar o sistema no futuro. Manter o financiamento atual, por instituição, ou partir para um financiamento por pessoa, dependendo do nível de renda", resume.

Para o ministro, obstinado com a idéia de ser presidente, trata-se de um tema tão indigesto quanto a greve de funcionários e professores das universidades.

É na Andes (sindicato que representa docentes do ensino superior), que o professor Paulo Renato ajudou a fundar, que o ministro Paulo Renato põe a culpa pelo impasse na negociação. Na última quarta-feira, ele levou a FHC o diagnóstico de que o movimento se radicalizara, não queria negociar, mas apenas impor um desgaste político ao governo.

Seus planos são isolar a Andes e dividir o movimento com a promessa de pagar salários mediante a garantia de reposição das aulas e a realização dos vestibulares. Diz que as vaias não abalaram seus planos políticos.
A seguir, a entrevista concedida à Folha na última quinta-feira.

Folha - Qual é a base do diagnóstico do governo de que os grevistas não querem negociar, querem radicalizar?
Paulo Renato Souza -
Há uma diferença clara entre servidores e docentes. E a diferença está na liderança. Eu sou professor universitário, eu sei o que eles pensam. No caso dos servidores, nós suspendemos o pagamento, mas continuamos conversando. A proposta que está sendo aprovada é muito diferente da minha proposta original e diferente da original deles. Eu acho pessoalmente uma solução ruim, mas é uma solução que eu respeito.

Folha - Por que ruim?
Paulo Renato -
É uma incorporação que dá mais aumento para quem ganha mais e para quem já é aposentado. Já a direção da Andes... Em primeiro lugar, essa direção se elegeu com muito pouca representatividade, com uma proporção de professores que votaram inferior a 5% da categoria. Se elegeu com um pouquinho acima da outra chapa, que era do PT e mais razoável, pessoas que tinham uma visão de universidade.

Na proposta da chapa que venceu, que é do PSTU, um dos pontos era nunca ser recebido pelo ministro, eles não queriam conversa. Eles aproveitaram a carona da greve dos funcionários e entraram em greve, sem nunca ter sentado para negociar.

Folha - Se eles são tão pouco representativos, como é que conseguiram parar?
Paulo Renato -
A adesão foi muito grande porque a universidade já estava parada por causa dos funcionários. Além disso, o mecanismo de assembléia favorece quem tem militância. Eu me reuni neste período com dirigentes de associações de docentes ligados a partidos de oposição, ao PT, ao PC do B. Eles me disseram: ""Ministro, queremos negociar, mas o mecanismo que eles montaram nas assembléias não permite, nós perdemos todas as votações".

Folha - Se a Andes não quer negociar, como a greve vai acabar?
Paulo Renato -
A greve dos servidores deve acabar nos próximos dias [a proposta do governo será votada pelos servidores na próxima quarta-feira". Vamos comunicar aos reitores que, se aquela universidade decidir sair da greve, fixar um dia para iniciar as aulas e se comprometer a repor o semestre e a fazer o vestibular, eu pago imediatamente os docentes daquela universidade. Com o compromisso assinado pelo reitor.

Folha - O que o sr. acha que a Andes está fazendo na greve?
Paulo Renato -
Política, para desgastar o governo FHC. O presidente da Andes [Roberto Leher] declarou no rádio, um dia desses, que o objetivo dele é fazer a maior greve da história da América Latina. Se formos aceitar todas as propostas deles, custa cerca de R$ 1 bilhão. Com R$ 1 bilhão eu faço outras coisas muito mais importantes para a educação.

Folha - Por exemplo?
Paulo Renato -
Dá para aumentar em 50% o Bolsa-Escola.

Folha - O sr. acha a universidade federal brasileira muito cara?
Paulo Renato -
Melhorou muito, mas ainda tem muito desperdício de dinheiro público. O que nós fizemos nestes anos foi manter a qualidade, melhorar a qualidade e exigir mais em termos de prestação de serviços à sociedade.

Folha - Algum tipo de cobrança dos alunos pode prosperar?
Paulo Renato -
É um tema extremamente polêmico. Nunca esteve nas nossas propostas cobrar do ensino superior público. Mas é um assunto que vai ter de ser discutido. Obviamente, os recursos são finitos e nós temos uma demanda crescente. O número de alunos das universidades nos últimos seis anos cresceu 62%. Vai aumentar mais ainda, porque o ensino médio cresceu 70% e sua conclusão cresceu 100%. Então a tendência é crescente. E quem são essas pessoas? São os nossos filhos? Não. Os filhos dos ricos e da classe média já estavam na universidade. Quem está se incorporando agora são novos segmentos, de camadas mais baixa de renda, que precisam estudar e que precisam ter um financiamento.

A sociedade brasileira vai ter de decidir como é que ela vai querer financiar o sistema no futuro. Manter o financiamento atual, por instituição, ou partir para um financiamento por pessoa, dependendo do nível de renda.

Folha - O atual sistema tem sobrevida de quanto tempo?
Paulo Renato -
Acho que em mais cinco ou seis anos se esgota.

Folha - Qual sua proposta?
Paulo Renato -
Eu não tenho proposta nesse sentido. Eu acho que é um problema, não está colocado ainda, mas será colocado. Meu tempo no Ministério da Educação termina em abril de 2002.

Folha - E se o sr. for convidado para o próximo governo?
Paulo Renato -
Se eu for o próximo presidente, aí eu vou montar uma equipe para pensar esse assunto. Por enquanto, não.

Folha - Mas o sr. disse que hoje é por instituição e poderia ser por aluno, por faixa de renda...
Paulo Renato -
Por faixa de renda, os mais pobres, enfim. Mas isso é um problema que a sociedade terá de discutir. É um grande dilema que o Brasil terá de enfrentar.

Folha - Como o sr. se sentiu ao ser xingado durante a greve?
Paulo Renato -
Eu sou cidadão, mereço ser respeitado como cidadão e ainda mais como ministro. Eu acho que esses casos nós temos de processar. Eu estou buscando a identificação destas pessoas, quem xinga tem de ser processado. A regra democrática no nosso país tem que ser respeitada.

Folha - O sr. sente constrangimento em sair na rua?
Paulo Renato -
Não. Em geral, as pessoas me cumprimentam pela minha política em relação ao ensino superior, pelo provão. Ele é que dá mais ibope.

Folha - Para quem tem pretensão política, a greve não é ruim?
Paulo Renato -
Ou bom.

Folha - Como bom?
Paulo Renato -
Depende. Eu não posso pensar, em sendo ministro, qual a consequência eleitoral de um ato meu, porque aí eu vou deixar de ser ministro.

Folha - O sr. não se decepcionou por causa das vaias que levou?
Paulo Renato -
Ao contrário. Não fiz outra coisa na minha vida pública a não ser enfrentar manifestações, a favor e contra. Fui fundador da Andes, organizei o congresso que a fundou, em Campinas. Quando trabalhei no governo Montoro [foi secretário da Educação", tomei muita vaia numa reunião com o funcionalismo.

Folha - O sr. participou de alguma greve do outro lado?
Paulo Renato -
Sem dúvida. Fui daquela greve de 78 contra o Maluf. Eu era negociador pelo lado dos grevistas. Ficamos quase dois meses parados. Depois, enfrentei greve como reitor da Unicamp. Era reitor, era contra a greve, tinha a responsabilidade da administração. Então, não dá para uma pessoa, só porque é da área, porque é professor universitário, assumir uma atitude de "sou o representante da educação no governo FHC". Não, eu sou governo. Se tenho de assumir atitudes duras, tomarei atitudes duras.

Folha - Existe a possibilidade de intervenção no caso de a greve não terminar?
Paulo Renato -
Não, não. Por enquanto, não. Só se algum reitor se recusar a ser reitor.

Folha - O sr. foi muito criticado por segurar os salários dos grevistas, segurou até daqueles que estavam trabalhando ...
Paulo Renato -
Não, eu não segurei de quem estava trabalhando, as universidades é que não pagaram. Eu pergunto: no setor privado, quantos dias, quantas horas uma pessoa faz greve recebendo salário? Agora, o dinheiro do setor público é nosso, por que no setor público pode? Eu acho que no setor público temos de ser mais exigentes do que no setor privado.

Folha - Se houvesse uma margem um pouco maior no orçamento, seria o caso de ampliar o atendimento às reivindicações salariais?
Paulo Renato -
Olha, eu acho que os professores universitários recebem mais ou menos aquilo que o mercado de trabalho no Brasil paga para a categoria. Os funcionários, não, eles estavam defasados e nós atrasamos a solução.

Folha - Essa greve não prejudica sua candidatura presidencial?
Paulo Renato -
Tenho de ser ministro até sair do governo. É minha primeira preocupação.

Folha - O sr. acha que tem alguma chance?
Paulo Renato -
Olha, eu acho que as coisas nunca estiveram tão boas para mim.

Folha - Por quê?
Paulo Renato -
No passado, houve algum momento melhor para mim? Olha, pela quantidade de plantações nos jornais, de gente me batendo e tal, é porque devo estar incomodando. Gente querendo que eu saia, plantando que agora é Fla-Flu [Tasso e Serra], o presidente quer isso... Eu fui falar com todas as pessoas e ninguém quer Fla-Flu.

Folha - Se não for o sr., qual será o seu candidato?
Paulo Renato -
Sou eu. Se não for eu, é o do partido.

Folha - Qualquer que seja o candidato da aliança ou só do PSDB?
Paulo Renato -
Eu defendo a aliança. Mas a liderança tem que ser nossa porque nós é que temos o projeto de mudanças.

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