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29/05/2003 - 08h27

Saiba como acalmar a criança que vai para a cirurgia

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GUSTAVO PRUDENTE
free-lance para a Folha

Enfrentar salas de espera, centros cirúrgicos, agulhas, curativos... Se, para um adulto, essa situação gera ansiedade e até assusta, para uma criança pode ser bem pior. Mas existe um "manual" para os pais que se vêem diante do desafio de preparar o filho para uma cirurgia: carinho, paciência, franqueza e explicações na medida certa, usando a linguagem e o detalhamento adequados à idade. Em alguns hospitais, é possível contar também com a ajuda de serviços de apoio específicos para os pacientes mirins.

Graças a um desses serviços, Amanda, 9, fez uma turnê pelo Hospital Dr. Cristóvão da Gama, em Santo André, no mês passado. Antes de se submeter a uma cirurgia de amígdalas e adenóides, a garota assistiu a um vídeo que mostra o que acontece com uma criança da internação até a alta. Em seguida, conheceu salas e equipamentos do hospital, como o balão usado para anestesia.

Ao ser apresentada à equipe cirúrgica, Amanda aproveitou para esclarecer dúvidas. "Eu contava como ia ser a cirurgia, mas ela achava que era fantasia, que eu falava aquilo só para aliviar. Ela queria que os médicos confirmassem o que eu havia dito", diz sua mãe, a dona-de-casa Terezinha da Silva de Macedo, 48. Com a ansiedade reduzida, Amanda levou a touca e a roupa cirúrgicas para casa. No dia da cirurgia, ela estava segura e tranquila.

Ao explicar o que Amanda queria saber, a equipe médica saciou sua curiosidade e transmitiu confiança à menina. "É muito importante que a criança confie nos médicos; dessa forma, ela sabe que o remédio virá se sentir dor", explica a psicóloga Márcia Tardini, coordenadora do grupo de apoio do Cristóvão da Gama.

Informação

Gás pré-anestésico é "cheirinho" e exame de sangue, "agulhadinha". Ao explicar o que vai acontecer, é importante deixar o "mediquês" de lado: os pais precisam entender e traduzir para a criança o que os médicos dizem. Foi o que fez a dona-de-casa Regina Guerlandi Magalhães, 30, mãe de outra Amanda. Há um mês, a garota de seis anos teve um tumor benigno na região do cóccix retirado. "Nunca fui de esconder nada. Sempre me informei sobre todos os procedimentos alguns dias antes, desde o exame de sangue até a operação. Dessa forma, eu ia preparando minha filha", afirma. Quando passou pelo centro de cirurgia, Amanda demonstrou orgulho da mãe: "Você sabia tudo!".

Para entender os sentimentos da criança, a dica é substituir as perguntas diretas e complicadas por "conversas" com bichos de estimação, bonecos ou personagens fictícios. "Só vai ao fundo da alma o que é poético", diz o escritor e colunista da Folha Rubem Alves, autor de "A Operação de Lili" (ed. Paulinas). No livro, o sapo Gregório fica entalado na tromba da elefanta Lili, que precisa ser operada.

Segundo Alves, o ideal é que os pais contem uma história como essa. "Inicie a história e deixe que a criança complete. Por exemplo: "Estava andando na rua quando encontrei um...". Assim ela pode inserir personagens que são importantes para ela." Como co-autora da história, a criança consegue demonstrar seus sentimentos.

Outra opção é fazer com que a criança use seus brinquedos para reproduzir seu tratamento. Essa foi a tática adotada pela bióloga Daniela London Guedes, 32, mãe de Camilla, 6. A menina, que não larga o macaco Caco, seu boneco de estimação, precisou se submeter, aos quatro anos, a uma operação para retirar um tumor maligno no rim direito. Passou por mais três cirurgias, incluindo uma para extrair nódulos metastáticos no pulmão.

"Antes das operações, Camilla fazia curativos no Caco", conta Daniela. O macaco fez companhia para a garota até na sala de cirurgia. "Ele passava pelas mesmas coisas. Se ela colocava uma sonda, a equipe médica dava um jeito de colocar um canudo no macaco", explica a mãe.

"Na primeira vez, falei que existia um bichinho na barriga dela e que os médicos precisavam abri-la para tirar. Mostrei minha cicatriz de cesariana para ela e disse: "Olha, a mamãe também tem"." Camilla também acompanhou a mãe ao veterinário e assistiu à castração de uma das gatas da família. A preparação surtiu bons efeitos. "Não fiquei com medo em nenhuma cirurgia", diz Camilla.

Com esse tipo de atitude, os pais dão confiança e segurança ao filho, o que é essencial. "Crianças ansiosas são tradução de pais ansiosos", afirma Euclides Rez Quaresma, presidente da Sociedade Brasileira de Cirurgia Pediátrica. Segundo ele, há muitos casos em que a criança é levada ao hospital sem saber que passará por uma cirurgia. "Em geral, a resposta é uma atitude agressiva, de revolta. Para contornar a situação, às vezes precisamos usar sedativos à força, o que é traumático."

Fernanda di Lione, psicóloga do Centro de Oncologia do hospital Sírio Libanês (SP), explica que "ao contrário do adulto, a criança não tem medo de morrer, mas de sentir dor e não ter ninguém por perto". "Mas não é preciso mentir sobre a dor, basta explicar que ela não vai durar para sempre", diz a psicóloga Soraya Fonseca Azzi, da pediatria do hospital Albert Einstein (SP).

Sempre acompanhada

Também é importante que a criança esteja acompanhada o máximo de tempo possível. No caso de cirurgias com anestesia geral, é recomendável que os pais estejam presentes até que o filho durma ou esteja bem sonolento. E devem voltar para perto da criança assim que ela comece a acordar. "Nem precisa ser um dos pais. Pode ser alguém que a criança tenha afinidade e proximidade, como a avó ou a babá", afirma Lione.

Mesmo com todo o preparo, porém, algumas crianças entram em pânico no momento da cirurgia. "Se não é do padrão da criança ficar nervosa, o melhor é conversar. Às vezes ela viu ou ouviu algo que a assustou. Mas, se esse tipo de reação é recorrente, é preciso ser firme, porque a cirurgia precisa ser feita", diz a psicóloga Márcia Tardini. Para Rubem Alves, os médicos precisam lidar com as dimensões psicológica e espiritual da criança. "Meu filho, que é anestesista, certa vez acalmou uma garota dizendo que, enquanto ela estivesse dormindo, ele seria seu anjo da guarda."

Felizmente, quando preparadas, a maioria das crianças chega ao centro cirúrgico tranquila. "Elas têm uma sabedoria que as fazem saber quando algo é inevitável", diz Alves. O comum é que a pior parte seja justamente o pós-operatório. "Quando minha filha precisou ter os nódulos do pulmão retirados, o receio dela era acordar com uma sonda no nariz, que ela havia usado após a operação do rim, que a deixava com medo de se mover", diz Daniela.

Passada a cirurgia, não há necessidade de evitar o assunto. "Os pais tem de conversar o quanto a criança quiser. Não deve ser nem tabu nem algo trabalhado exaustivamente", explica Lione.

Nenhum pai precisa ser herói para deixar a criança confiante. Não há nada de errado ou condenável em sentir ansiedade. "Esse papo de "seja forte" é horrível. Os pais também sentiram medo quando crianças e podem compartilhar esses sentimentos com seus filhos", diz Alves.

Para lidar com a ansiedade natural, os pais devem racionalizar, mantendo em mente que o tratamento é necessário e seguro. "Eles precisam lembrar que, se o risco da cirurgia fosse grande, ela nem seria feita", diz Tardini. José Roberto Baratella, presidente da Sociedade Paulista de Cirurgia Pediátrica, confirma que a maior parte das intervenções pediátricas --cirurgias na parede do abdômen (principalmente de hérnias), no sistema digestivo ou urinário, por exemplo-- não é de alto risco.

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