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16/09/2004 - 09h25

Segurança é fundamental para garantir o lazer em esportes radicais

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LUANDA NERA
da Folha de S.Paulo

"Experiência arriscada, perigosa, incomum, cujo fim ou decorrência são incertos". A definição encontrada pelo dicionário para "aventura" ganhou novo sentido depois que a palavra foi incorporada ao turismo. Extrapolar limites, quebrar os próprios recordes, enfrentar medos e encarar o desconhecido. Com tudo isso na cabeça e pouca experiência na mão, os turistas-praticantes querem o desafio, mas sem que o final da experiência fuja do controle.

Para enfrentar o esporte radical ou o turismo de aventura sem que o lazer termine em desastres, grandes ou pequenos, informação e preparo --do lado dos viajantes, mas, principalmente, de quem organiza o passeio-- são a chave para garantir a segurança. Foi exatamente a falta de estrutura que levou o dermatologista Aldo Toschi a se surpreender.

Em 2001, ele viajou com a mulher e os filhos para um ecoresort em Itacaré, na Bahia. Seguro por contar com os serviços de um estabelecimento de alto padrão e que se dizia especializado na prática de esportes na natureza, Toschi decidiu fazer uma trilha, a cavalo, com a orientação dos monitores do hotel. Mas um movimento brusco do animal fez o médico sofrer uma queda e arranhar-se nos espinhos de uma árvore.

Depois de perceber que poderia ter contraído tétano, o médico descobriu que nem o ecoresort nem o pronto-socorro do município estavam preparados para oferecer aos visitantes o tratamento adequado para um acidente desse tipo --ele sabia que precisava tomar soro antitetânico. O caso envolvendo o médico Aldo Toschi ilustra uma situação cada vez mais comum no Brasil desde que a onda dos esportes conhecidos como "radicais" chegou ao país, há pouco mais de duas décadas.

E é justamente o crescimento desordenado do setor que é preocupante. De um lado, procedimentos de segurança e gerenciamento de riscos ainda não fazem parte da prestação de serviços oferecida por algumas agências e operadoras de turismo. De outro, os próprios praticantes também não perceberam que a prevenção de acidentes não diminui o prazer da aventura. "O mercado publicitário cria no imaginário das pessoas a idéia de que a viagem não pode admitir sequer um dia de chuva, quanto mais um acidente.

Ninguém quer pensar em riscos, perigos e problemas quando sai de férias", analisa Sílvia Basile, coordenadora-executiva da ONG Férias Vivas. A arquiteta Sílvia Basile nunca havia pensado em atuar na prevenção de acidentes do turismo até que uma tragédia mudou o rumo de sua vida. Em 2002, sua filha de nove anos morreu durante um passeio a cavalo promovido pelo hotel em que estava hospedada com a família.

Poucos meses depois, Sílvia inaugurou a ONG Férias Vivas, da qual é coordenadora-executiva. Na sua opinião, a desinformação é o principal desafio a ser vencido: "Uma propriedade rural não pode, de uma hora para outra, transformar-se em ponto para a prática de esportes. Essa mudança precisa ser acompanhada por um gerenciamento de riscos, que inclui ter um plano de ação emergencial e o controle dos equipamentos usados. Ser rústico não é ser precário".

Incorporar o hábito da prevenção à prática do turismo de aventura exige das agências de viagem e dos próprios praticantes uma mudança de atitude um tanto quanto radical. Estar consciente de que o risco faz parte das modalidades esportivas desse segmento não significa facilitar a ocorrência de acidentes e muito menos diminuir a sensação de bem-estar que a escalada de uma montanha ou um mergulho em alto-mar provocam.

"A programação faz parte de qualquer viagem. Da mesma forma, quem vai à Europa no inverno sabe que tem de levar roupas de frio. O turismo de aventura não precisa ser perigoso. Muitos riscos são evitáveis", defende Helena Artmann, diretora da Federação de Esportes em Montanha do Rio de Janeiro e colaboradora de uma empresa que produz equipamentos para atividades de ecoturismo. "Há praticantes que só conhecem as modalidades por fotos ou por indicação de amigos. Por isso o trabalho de prevenção tem de ser feito pelas agências de turismo. Elas vendem o serviço e precisam oferecer segurança", defende.

Essa é também a opinião de Marcello Vazzoler, fundador do Resmont, grupo de resgate em montanha da Federação de Montanhismo do Estado de São Paulo. "Meu cotidiano mostra que muitas empresas não estão preparadas para oferecer turismo de aventura." Mesmo com tantas "imposições", não é bem assim que o mercado funciona. A arqueóloga F.G.T, 28, foi pega de surpresa ao fazer rapel no Petar (Parque Estadual Turístico do Alto Ribeira), entre os municípios de Iporanga e Apiaí (SP). "Quando começaram os preparativos para a descida, meus instrutores pediram emprestado a um instrutor ao lado um objeto "insignificante" para a prática: a corda. Eles não tinham uma corda que chegasse até o chão.

O instrutor se recusou a emprestá-la e disse que denunciaria o meu caso ele fosse em frente." Para o consultor Pedro Cavalcanti, proprietário da Adventure Factory, empresa que oferece treinamento especializado na área de segurança e prevenção de acidentes para operadoras de turismo e empresas de vários tipos, a idéia de controlar melhor os riscos da atividade já começa a atrair os profissionais do setor, mas ainda não existe na prática. "Quando estamos em uma situação de estresse, a visão fica debilitada, a coordenação motora diminui e a memória falha. É preciso estar preparado para as emergências", defende Cavalcanti.

O preço da segurança

Oferecer treinamento constante a seus profissionais, garantir a procedência e a qualidade dos equipamentos, organizar um plano de emergência eficiente. As agências de turismo sabem que essa é a receita para a prevenção de acidentes e muitas delas garantem que não abrem mão da segurança, mas argumentam que o consumidor nem sempre está disposto a pagar mais caro por isso.

"Fazemos cursos de reciclagem a cada três meses, exigimos um ritual de procedimentos antes de cada prática e nos baseamos em padrões internacionais de segurança. Mas é claro que isso tem um custo e fica difícil concorrer com agências que conseguem baratear seus passeios. Por isso queremos criar um selo de qualidade para as operadoras da região", justifica Giovana Guedes, sócia da Ecoação, que atua há três anos com turismo de aventura na cidade de Brotas, no interior de São Paulo.

No mercado desde 1983 e com um catálogo de mais de 50 destinos nacionais nessa área, a Free Way concorda. "Não podemos ceder à tentação de oferecer um serviço mais barato, deixando de investir em segurança. Um acidente pode prejudicar toda a cadeia de profissionais envolvida nesse mercado", argumenta Edgar Werblowsky, diretor da agência.

Para especialistas, no entanto, não basta exigir mudanças das agências. É preciso que haja uma participação mais ativa do consumidor. Quem contrata uma serviço desse tipo, por exemplo, tem nas mãos o contrato e o folheto publicitário como as principais garantias. Mesmo depois de o turista ter assinado o termo de responsabilidade, são as empresas as responsáveis por garantir a segurança do passeio.

Mas nem todos sabem disso. Com receio de não ser atendido pelo convênio médico, por exemplo, muitos pacientes não declaram as razões dos acidentes e isso acaba inviabilizando a existência de estatísticas confiáveis sobre eles. Mais uma vez o problema está na desinformação: desde 1998, todo plano de saúde é obrigado a oferecer tratamento aos esportistas, mesmo àqueles que se consideram "culpados" pelo acidente.

Contudo vale lembrar que, em primeiro lugar, o praticante deve se sentir seguro antes de se aventurar, ou seja, se não sentir segurança nos equipamentos ou nos instrutores, não embarque em uma possível canoa furada. Foi o que aconteceu com a física Rita Arantes, 34, em sua primeira tentativa de saltar de parapente (páraquedas de formato retangular) no pico Agudo, em Santo Antônio do Pinhal (SP).

Antes de fazer o pré-curso --necessário aos praticantes de primeira viagem--, ela foi conferir como eram os saltos: viu um instrutor tentar três vezes alçar vôo. Na última tentativa, também malsucedida, o parapente não abriu e, por sorte, ficou enroscado nas árvores e na própria plataforma de salto. "Pode até ser normal tentar várias vezes antes de saltar, mas os instrutores não me transmitiram segurança. Simplesmente desisti da aventura", conta Rita.

Além da informação, o preparo físico do viajante também conta na hora de planejar uma aventura, segundo o médico Moisés Cohen, chefe do Centro de Traumatologia do Esporte da Unifesp. "A maioria das lesões poderia ser evitada com medidas preventivas simples", explica.

Um dos motivos da falta de informação e da existência de procedimentos padronizados na prática dos esportes de aventura está associado a um problema nacional: ainda não existe no Brasil nenhum tipo de norma ou certificação que regulamente o exercício da atividade. Há apenas iniciativas locais, como a do município paulista de Brotas --que está criando um selo de qualidade para as agências da região-- ou a do Estado do Rio Grande do Sul, que também formulou, com as empresas locais, regras comuns para poder regular o funcionamento do turismo de aventura.

Mas a boa notícia é que isso pode mudar em breve. Tânia Arantes, gerente de qualificação e certificação do Ministério do Turismo, anuncia para outubro a conclusão de um estudo para criar normas para a área. "O Brasil tem um potencial enorme para o turismo de aventura, mas não pode comercializá-lo porque não tem como garantir a segurança do turista", explica. Segundo ela, as normas para o controle de riscos para operadores e agências e para a formação básica dos guias já estão quase prontas. O próximo passo é encaminhá-las para serem aprovação.

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