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11/08/2005 - 10h27

Estilo de vida e predisposição levam para criança doenças de adulto

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MARCOS DÁVILA
da Folha de S.Paulo

Tahuana é cardiopata e está se recuperando de sua terceira cirurgia do coração. Rodrigo passa muito tempo na frente do computador e sofre de dores na coluna e nos braços. Vitor está acima do peso, tem colesterol alto e uma degeneração gordurosa no fígado. Alyne sofre de glaucoma e tem de usar um colírio todos os dias. Seriam diagnósticos sem novidades se não fosse a idade dos pacientes: todos menores de 13 anos. Hipertensão, colesterol alto, tendinite, dor nas costas, glaucoma --problemas comuns em adultos começam a afetar também crianças e adolescentes.

O estilo de vida nas grandes cidades, que leva ao sedentarismo e à má alimentação, e a predisposição genética são as causas apontadas pelos médicos para essas doenças precoces.

Segundo o pediatra Marcelo Silber, do hospital Albert Einstein, casos de afecções mentais descritas em adultos, como ansiedade e depressão, também estão sendo mais reconhecidos prematuramente. "A competitividade, o estresse e ambientes familiares hostis fazem com que as crianças se sintam inseguras e revelem esses sintomas", afirma.

O que realmente tem preocupado os especialistas, entretanto, é a chamada síndrome plurimetabólica: hipertensão, dislipidemia (aumento do nível de colesterol e de triglicérides no sangue) e diabetes tipo 2. Essas disfunções estão relacionadas intimamente com o problema do momento: a obesidade. "São doenças que têm a ver com alimentação inadequada, atividade física nula e tendência familiar", diz Silber.

A promotora de eventos Cristiane Aparecida Del Ciel Santos, 38, começou a se preocupar com a saúde do seu filho, Vitor, 10, quando ele completou seis anos com o peso bem acima da média. Depois de levar o menino ao médico, Cristiane voltou para casa com dois diagnósticos preocupantes para a idade dele: esteatose hepática (degeneração gordurosa no fígado) e dislipidemia. Os médicos indicaram exercícios físicos e dieta, e uma psicóloga sugeriu que o aumento de peso poderia estar relacionado com a perda recente do avô.

No começo deste ano, Vitor estava com 71 kg e 1,47 m de altura. Ele passou, então, a freqüentar o Espaço Leve-Núcleo de Prevenção e Tratamento da Obesidade Infanto-Juvenil, em São Paulo. Inaugurado em março, o lugar oferece acompanhamento de pediatras, psicólogos, nutricionistas e educadores físicos, além de espaço para praticar esportes, uma mini-horta e uma cozinha experimental. "Lá ele faz tudo que um gordinho não costuma fazer: participa de campeonato de futebol, anda de skate, sobe na parede de escalada", diz Cristiane. Segundo ela, os exercícios e a dieta ajudaram na redução do colesterol de Vitor, que perdeu três quilos.

Além de mudar o estilo de vida, Marcelo Luís Anaf Wagner, 13, também teve de tomar remédio para baixar o colesterol. Aos dez anos, ele foi diagnosticado com dislipidemia. Sua mãe, a professora de educação artística Márcia Anaf Wagner, 41, contratou uma nutricionista que vai a sua casa para inserir hábitos mais saudáveis na alimentação do garoto. "Ele levava muitos biscoitos para a escola, estamos trocando por frutas", diz Márcia.

Além disso, Marcelo passou a praticar natação e tênis duas vezes por semana. "Fiquei bastante assustada quando vi o exame de colesterol. É genético. Meu marido era obeso e fez recentemente uma cirurgia de redução de estômago. Existia uma possibilidade de que ele fosse pelo mesmo caminho, mas ele pegou gosto pelo esporte", diz a professora.

As histórias de Vitor e Marcelo não são raras. Uma pesquisa realizada em São Paulo com 8.020 estudantes de 10 a 15 anos revelou que 16% estão na faixa de sobrepeso e 10% têm diagnóstico de obesidade. O dado mais alarmante, no entanto, é que 81% dos alunos de escolas particulares e 65% dos alunos de escolas públicas são sedentários, ou seja, realizam menos de dez minutos de atividade física por dia --são indicados pelo menos 30 minutos. Divulgado na semana passada, o estudo foi feito por especialistas da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) e da Universidade São Marcos, com apoio do ILSI (International Life Sciences Institute).

Segundo o pediatra Mauro Fisberg, especialista em obesidade infantil e coordenador da pesquisa, a combinação entre má alimentação e pouca atividade física é a principal causa de obesidade e expõe crianças e adolescentes a problemas de saúde como hipertensão, diabetes tipo 2, dislipidemia e depressão.

"Menos da metade dos pesquisados consome feijão todos os dias, mas quase 90% se alimentam com guloseimas", diz Fisberg, que também destaca o papel da família na educação alimentar. "Às vezes, as crianças trazem mais guloseimas de casa do que as que a cantina da escola oferece."

O diabetes tipo 2, que costumava aparecer somente em adultos depois dos 40 anos, já se tornou um diagnóstico na clínica infantil. Segundo o endocrinologista pediátrico Durval Damiani, conselheiro da ADJ (Associação de Diabetes Juvenil), a doença tem maior prevalência em adolescentes obesas, mas já há casos de crianças diabéticas do tipo 2 com sete anos. "Ainda não é tão freqüente como nos Estados Unidos, mas os casos estão aparecendo com o aumento da obesidade", diz.

No Hospital das Clínicas (HC) de São Paulo, o médico atende um grupo de 180 adolescentes obesos --sendo que 45% têm resistência a insulina. Segundo o pediatra, essa resistência é o primeiro passo para o desenvolvimento do diabetes tipo 2.

De acordo com a pediatra Vera Koch, da Unidade de Nefrologia do Instituto da Criança do HC de São Paulo, 50% dos casos de hipertensão infantil estão relacionados ao sedentarismo e à má alimentação. "São crianças com tendência à obesidade, que têm uma educação física precária e ficam trancadas em casa. Elas engordam e trazem para a infância problemas que só apareceriam na vida adulta", diz.

Desde 1999, a Academia Americana de Pediatria recomenda que a pressão das crianças acima de três anos seja medida periodicamente, segundo Roseli Sarni, presidente do Departamento de Nutrologia da SBP (Sociedade Brasileira de Pediatria). "Infelizmente, a maior parte dos hospitais não tem o manguito pediátrico [parte do aparelho de medir pressão que envolve o braço do paciente]. A pressão é medida com o aparelho de adulto, que dá resultados diferentes", afirma. Neste ano, a SBP deve publicar manual divulgando o exame infantil.

Colaborou Tatiana Diniz

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