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20/07/2003 - 09h56

Vasco vê seu projeto olímpico ruir e agora enfrenta processos de ex-atletas

da Folha de S.Paulo

Parecia sonho. Ótimos salários, contratos longevos, estrutura para disputar os principais torneios internacionais. Tudo o que os atletas dos esportes ditos amadores jamais tinham visto no Brasil.

Era mesmo sonho, e a bonança durou pouco. Quatro anos após ter lançado o mais ambicioso projeto olímpico da história do país, o Clube de Regatas Vasco da Gama ainda precisa cuidar das cicatrizes que a empreitada causou.

Com salários atrasados e muito ressentimento, os ex-atletas reclamam que ainda não receberam tudo o que o clube lhes devia, e alguns decidiram recorrer à Justiça.

A situação atual contrasta, e muito, com o fôlego que a agremiação exibia às vésperas do Pan de Winnipeg-99. Com investimento anual de R$ 17,8 milhões --três vezes mais do que o governo federal cedeu ao esporte no mesmo período--, o Vasco havia arrebanhado a esmagadora maioria dos atletas de ponta do Brasil.

Mais de 30 modalidades contavam com representação do clube, algumas pouco convencionais, como boliche, bodyboarding, windsurfe, rodeio e até rali. As categorias paraolímpicas também foram contempladas.

O Vasco era responsável por 160 dos 436 atletas que integraram a delegação brasileira no evento canadense. Nunca um clube foi tão soberano nas seleções amadoras.

Em 2000, ano da Olimpíada, os investimentos foram potencializados. As despesas atingiram a cifra de R$ 30 milhões, mais do que o dinheiro desembolsado pelo Comitê Olímpico Brasileiro, que estancou em R$ 23 milhões.

O Vasco enviou 83 atletas aos Jogos de Sydney, dos quais 19 voltaram ao país com medalha. "A maioria dos atletas da seleção brasileira era do Vasco. Lamentavelmente, os poderes constituídos não colocaram a importância do projeto acima de vaidades pessoais", diz Hélio Rubens, ex-técnico do time de basquete e antigo coordenador do projeto olímpico do clube de São Januário.

Mas, logo depois dos Jogos, a ilusão começou a se desfazer. Apesar de o homem forte da agremiação, Eurico Miranda, ter dito que nenhum atleta debandaria, menos de dois meses após o evento começaram as reclamações por atraso nos salários. Um a um, os competidores deixaram o Vasco.

"Não tínhamos ajuda de ninguém, do governo, do COB, nada, nada. O jeito era tirar do futebol para investir. Só que, quando o futebol não dá, você corta tudo", diz Eurico, que hoje ocupa a presidência do time de São Januário.

A crítica atinge basicamente os gestores do esporte olímpico do Brasil, que, na sua visão, não dedicam a atenção que deveriam ao papel dos clubes como formadores de atletas.

"É por isso que defendo tanto o interesse dos clubes. Nos esportes olímpicos, tenha uma certeza: eles não aparecem, mas são eles que trabalham", critica.

O dirigente lembra que a parceria com o Bank of America começou a fazer água e os investimentos em atletas de alto nível foram para o espaço --com eles, carreira e finanças dos competidores.

Nos tribunais

Sem ter recebido até hoje do Vasco mais de R$ 4.500, e com os pais doentes, o boxeador Laudelino Barros, 28, não teve outra solução senão vender na semana retrasada um terreno que possuía no município de Alto Alegre (502 km a noroeste de São Paulo).

"Por causa do momento de necessidade, vendi o terreno bem mais barato, uns 30% a menos do que valia, para poder financiar o tratamento do meu pai e a radioterapia de minha mãe, que está com câncer", lamenta o meio-pesado, prata em Winnipeg-99.

O boxeador mostrou estar disposto a entrar na Justiça para receber seu dinheiro. "Quero tudo o que é meu... Vou pôr [o Vasco] no pau. E o Vasco está devendo para pelo menos mais uns três lutadores", afirmou Barros, que há quatro meses sobrevive com a bolsa que ganhou por seu último combate e com o apoio da Udiaço, empresa que o patrocina.

A judoca Vânia Ishii, 29, ouro em Winnipeg, alega não ter recebido um valor ainda maior, R$ 30 mil, ou o correspondente a um ano de salários. "Fora os bichos", acrescenta. "Vou procurar um advogado para mover uma ação contra o Vasco. Mas não quero passar por esse tipo de estresse neste momento, porque tem o Pan aí [em agosto]. Agora quero só treinar e tomar as providências sobre essa dívida depois, mas não posso descuidar, pois para isso tem um prazo, não?"

O maior processo foi movido pela antiga equipe de atletismo da Funilense, que ficou com R$ 160 mil a receber do Vasco, referente a quatro meses de salários.

"Os atletas foram pagos por nós e, hoje, o clube move ação na Justiça. Eles ofereceram um imóvel em São Januário, mas não aceitamos. Nosso advogado pediu a renda dos jogos para quitar a dívida", conta Sérgio Coutinho Nogueira, na época presidente da Funilense, atual BM&F.

Quase todo o time de basquete bicampeão nacional e da Liga Sul-Americana também foi aos tribunais contra o clube. Demétrius, Chuí, Rogério, Aylton, Helinho e Sandro Varejão, base daquele time vitorioso, reivindicam o pagamento de dívidas antigas. "A primeira audiência será no dia 13 de agosto. Não poderei ir, mas já fiz procuração", conta Demétrius, que defenderá a seleção no Pan.

O que sobrou de todo esse fuzuê nos bastidores é um quadro no mínimo desolador. Para Santo Domingo, o antes soberano Vasco não deve mandar mais do que dois minguados representantes.

Enquanto isso, um exército de ex-atletas do clube segue para a República Dominicana. Vivem uma nova realidade. O sonho dourado acabou.
 

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