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21/03/2004 - 07h56

Água leva e faz sofrer o Grêmio de Coari

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PAULO COBOS
da Folha de S.Paulo, no Amazonas

Ela vem do céu, está sob os pés e por todos os lados. A água, força motriz da floresta amazônica, leva e faz dos jogadores do Grêmio de Coari verdadeiros heróis na hora de enfrentar adversidades inimagináveis para um time de futebol.

A Folha seguiu durante cinco dias a sensação do Amazonense. Acompanhou uma viagem de 27 horas pelo Rio Solimões em um barco abafado, com os atletas tendo uma singela rede como dormitório. E já em Coari viu o chuvoso "inverno tropical" deixar o time pelo quarto dia seguido sem bola.

No dia 13, o Grêmio fez seu último jogo no primeiro turno em Manaus, contra o Cliper, em um campo que parecia um pântano.

O líder marcou logo no início do primeiro tempo, mas depois, com uniformes cheios de barro, caiu de produção e só segurou o resultado. "Nosso time sempre joga pior em Manaus no segundo tempo. O barco acaba com a gente", diz o preparador físico Tição.

Nenhum time do Brasil despende tanto tempo viajando em um campeonato estadual. Sem contar a fase decisiva, o Grêmio passará quase 405 horas, ou quase 17 dias, navegando pelo Solimões. Na ida, com a correnteza a favor, a jornada até Manaus dura 18 horas. Na volta, contra o rio, pelo menos 27.

Foi o retorno para Coari que a Folha acompanhou. Iniciada na última segunda-feira, a viagem foi em "embarcação de luxo", segundo os próprios jogadores.

O Frei Galvão tem três andares. No primeiro, com a passagem mais barata (R$ 40), é quase impossível conversar, dado o barulho do motor. Ali também tudo se aperta. O vão entre as redes não passa de 20 cm. No segundo andar (R$ 50) vai a maioria dos gremistas. Na cobertura estão as suítes (R$ 220), o bar e uma TV com parabólica e DVD, que fica a maior parte do tempo desligada, já que a energia é racionada.

Tamanho conta no conforto. "Só eu sei o que sofro", lamenta o goleiro Fabrício, esparramando seu 1,92 m (recorde do grupo) sobre a rede. "Não é lá essas coisas, mas consigo dormir quase o tempo inteiro", diz o meia Dominguinhos, 1,56 m, o baixinho do time.

Com praticamente todo o elenco e a comissão técnica formados por amazonenses --povo acostumado aos rios--, só quem se apavora é Tição, o preparador físico. "Morro de medo. Dois sobrinhos meus morreram em um acidente de barco", diz ele, que, no entanto, preferiu o rio ao avião na única vez que o time pôde optar para cumprir o trajeto Manaus-Coari.

Na segunda-feira, quem estreava no barco era Neneca, ex-Guarani, contratado para preparar agora os goleiros do Grêmio. "Vou me adaptar, mas foi difícil dormir. Minha rede batia toda hora em uma senhora", disse.

No Frei Galvão, a passagem dá direito a refeições. Em uma sala onde cabem 24 pessoas (o barco comporta 350), pratos simples são servidos após longa fila.

"Na sopa, eles prendem um pedaço de carne no teto e só descem um pouco para dar gosto", brinca o atacante Roberto Rivellino, que tem esse nome em homenagem ao atual diretor corintiano.

Quando chega a noite, e o frio aperta, o massagista Reinaldo "Gianecchini" mistura produtos farmacêuticos. O "analgésico" é inalado. "É para aquecer", diz o piadista do grupo, enquanto oferece o produto à reportagem.

Ninguém acorda depois das 7h. Tomado o café, é hora de esticar as pernas na parada em Codajás. Quase todos descem do barco, e o Grêmio vira atração. Na "Rádio Beiradão", um serviço de alto-falante ao lado do porto, atletas e cartolas dão entrevistas, interrompidas apenas para o anúncio de um bingo que dará como sétimo prêmio um litro de cachaça.

Após o recreio vem o trabalho. Os jogadores se exercitam no convés. O roupeiro aproveita o sol para estender os uniformes e tirar o mofo da chuva, que chega forte na parte final da viagem.

Na quarta-feira, quatro dias depois de pegar o Cliper, o time não tinha onde treinar, já que seu campo estava alagado. Com nenhum outro gramado disponível, o jeito foi correr no asfalto e bater bola num ginásio.
 

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