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07/11/2002 - 22h11

Para protagonista, "Madame Satã" é a ascensão dos excluídos

CARLA NASCIMENTO
da Folha Online

Com uma atuação de tirar o fôlego, Lázaro Ramos, 24, vive no cinema o controvertido e polêmico João Francisco dos Santos (1900-1976), conhecido popularmente como Madame Satã, personagem malandro, artista, transformista, capoeirista, cozinheiro, presidiário, pai adotivo de sete filhos e, segundo própria definição do personagem, filho de Ogum e Iansã e devoto de Josephine Baker.

Premiado com uma menção especial como melhor ator da 26ª Mostra BR de Cinema, que terminou ontem em São Paulo, Ramos acha que seu filme, que já está no circuito, faz parte da "onda" que traz os excluídos como tema na mídia, puxado pelo sucesso de "Cidade de Deus" e pela eleição do metalúrgico Luiz Inácio Lula da Silva, do PT, como presidente da República.

Baiano, Lázaro fez parte, durante nove anos, do Bando de Teatro Olodum, formado por atores negros. Desde então participou de diversos espetáculos até compor o elenco de "A Máquina", de João Falcão, até que teve que trocar Salvador pelo Rio de Janeiro. Atualmente, o ator está em cartaz no Rio com a peça "Mamãe não Pode Saber", do mesmo diretor, e está gravando a minissérie "Pastores da Noite", da Rede Globo.

Às vésperas da estréia de "Madame Satã", o ator falou sobre seu primeiro papel principal em um longa-metragem. Conheça trechos da entrevista:

Folha Online - Quem era Madame Satã para você antes de fazer o filme?

Lázaro Ramos -
A única coisa que eu sabia era que ele era um malandro que batia em polícia. Lá de Salvador, a referência que eu tinha era essa. Depois do filme eu tive acesso à biografia dele, vi imagens dele, ouvi fita com a voz dele e o Karim [Aïnouz, o diretor], que sabia muito sobre ele, a cada hora falava uma coisa.

Folha Online - O que mais o impressionou ao conhecer melhor o personagem?

Ramos -
Madame Satã era uma pessoa meio difícil de explicar. Ele tinha uma biografia complexa porque para se refazer mito ele mentia, inventava umas histórias sobre e as pessoas também começaram a criar histórias sobre ele. Por isso ele virou esse mito, porque era uma pessoa praticamente indecifrável.

Folha Online - Madame Satã era um personagem que criava vários outros personagens para si próprio. Como você resolveu isso?

Ramos -
É difícil falar isso porque tem coisas técnicas que se tinha de fazer, mas eu acho que a peça chave é respeitar o sentimento pelo qual o personagem está passando. Misturar técnica e intuição é a resposta.

Folha Online - E neste processo, o que foi mais complexo?

Ramos -
Eu não sei responder isso porque esse era um filme onde todo dia a gente tinha que matar um leão. Muitos dos sentimentos vividos pelo personagem eu não conhecia, como passar pela dificuldade de apanhar da polícia, por exemplo. As cenas mais cotidianas também foram as mais difíceis porque precisavam de muita simplicidade e, às vezes, a gente quer atuar para impressionar.

Folha Online - Como você acredita que o público vai definir Madame Satã?

Ramos -
Acho que eles vão pensar que é um sobrevivente... uma pessoa controversa. As pessoas serão tocadas pelo filme. Cada pessoa vai ver Satã de uma forma, assim como as pessoas que o conheceram pessoalmente.

Folha Online - Madame Satã é um filme sobre excluídos, assim como "Cidade de Deus" e outros que estão em fase de pós-produção. O que você acredita que esteja acontecendo neste momento para que essa face do país esteja tendo visibilidade não apenas no cinema, mas também na TV?

Ramos -
As questões sociais do país estão muito latentes e precisam ser faladas. Acho que a própria vitória do Lula expressa isso. As pessoas precisam falar sobre isso, discutir esse tema e não foi à toa que o Lula ganhou. Ele é uma pessoa do povo e a votação expressiva que teve mostra também essa fase do Brasil, de querer acreditar em si mesmo e querer se ver representado. Quando as pessoas votaram no Lula foi como se elas estivessem votando nelas mesmas. Acho que isso tem a ver também com o cinema. Acho que é um tema necessário e por isso está aparecendo.

Folha Online - Madame Satã era negro e nasceu 12 anos após a abolição da escravidão no país. Na sua opinião, o filme, ambientado na década de 30, pode servir como um retrato atual do negro no Brasil?

Ramos -
A questão da sobrevivência infelizmente ainda é atual para a população negra. Não é à toa que somos maioria nos presídios e nas favelas, e que somos minoria na TV, no jornalismo e na política. Isso está desequilibrado, já que a maioria da população é negra. Mas acho que teve evoluções também. Tanto é que nós temos representantes negros importantes em nossa sociedade. Mas esses sobreviventes ainda são uma boa fatia entre os negros.

Folha Online - Você acredita que a atenção dada pela mídia aos excluídos é um momento ou deve permanecer na cultura brasileira?

Ramos -
Eu espero que não seja apenas um momento. Já está na hora. Já chega de ver a mesma dramaturgia, as mesmas histórias, não se ver representado na tela... Eu espero que isso aconteça. Mas espero também que aconteça a diversidade de papéis para que nós, atores negros, não fiquemos também restritos a esses personagens. Nós somos seres humanos e o trabalho do ator é representar sentimentos do ser humano. Eu posso representar qualquer sentimento.

Folha Online - Qual é a lição de "Madame Satã"?

Ramos -
Ficam muitas coisas. A primeira é a aceitação da diferença, de como se relacionar com o mundo. As pessoas não são apenas um rótulo, elas são muito mais complexas e muito mais interessantes do que a gente pode imaginar. Fica também a questão de repensar a nossa divisão social, a distribuição de renda e a educação em nosso país.

  Veja fotos de "Madame Satã"

Veja o trailer*:
  • 56 k (TV UOL)

  • Alta velocidade (TV UOL)

  • (*)somente para assinantes

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  • Diretor de "Madame Satã" acha que filme quebra preconceito gay

  • "Onda Lula" impulsiona também "Madame Satã" nos cinemas

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