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30/12/2002
-
06h10
editor de Ilustrada da Folha de S. Paulo
Na democracia corrente, encenada pelo marketing, um governante deixa a sua marca, o seu selo. Nos últimos oito anos, foi assim também na cultura. A marca dos anos Fernando Henrique, escolhida desde logo, foi o cinema.
A era tem início bem antes de 95, ano da posse. Começa com a extinção da Embrafilme por Fernando Collor. Foi o enterro de um modelo de intervenção estatal. Outro modelo, o das leis de incentivo, com transferência do poder sobre os recursos públicos para as empresas, já vinha sendo implantado desde o fim dos anos 80.
No governo Itamar Franco o novo paradigma de industrialização/mercantilização da cultura tomou forma definitiva, com a lei do audiovisual. Foi sobre ela que se ergueu o orgulho da era FHC: o cinema da retomada.
Um relatório recém-divulgado pelo Ministério da Cultura diz que o número de lançamentos de filmes brasileiros, em relação aos lançamentos estrangeiros, saltou de 5% em 95 para 26% em 2002.
O ministério menciona que, com o governo tucano, o cinema "passou a ser considerado prioritário para o desenvolvimento e foi incluído no Programa de Qualidade e Produtividade". E assim, tratado como indústria, "o cinema brasileiro começou a crescer".
Outro relatório aponta que 75 cineastas estrearam com apoio estatal no período. E o "boom" dos documentários está à vista de todos, nos cinemas.
Em meio à festa dos números, porém, percebe-se que a maioria dos filmes não passa de alguns milhares de espectadores.
Percebe-se que, com a nobre exceção de "Central do Brasil", a lista dos sucessos de bilheteria da retomada, dos longas que venceram a barreira do milhão e meio de espectadores, era dominada até semanas atrás por subprodutos da televisão, como Xuxa e Renato Aragão. São eles, como o axé e o pagode, como Ratinho e Faustão, como "Cidade Alerta" e "Linha Direta", o Zeitgeist, o espírito da era FHC.
Isso, até que "Cidade de Deus" rompeu com a ordem dos relatórios e das bilheterias. É um filme que, louvado pela crítica, derrubou "Xuxa e os Duendes" e "Xuxa Popstar" da dianteira e estabeleceu novo patamar para a retomada, atingindo 3 milhões de espectadores. Para alguns, ele delimita o fim da retomada e o início de um novo momento.
Por mais que tenha sido estimulado indiretamente pela política estatal, é um filme que teve como motores maiores, quase únicos, o talento e a coragem financeira de seu diretor, Fernando Meirelles. Não era obra de entusiasmar diretor de marketing.
A dúvida que "Cidade de Deus" levanta, uma entre muitas, é quanto à dívida que a retomada do cinema teria com os governos Itamar-FHC.
Para escapar um pouco do cinema, que se olhe para as artes ou para o teatro. A gênese do que foram os anos Fernando Henrique nas artes pode ser encontrada em 95 mesmo, com a largada para a hegemonia das megaexposições, dada por Rodin na Pinacoteca.
No teatro, o mesmo se pôde acompanhar nas produções milionárias de celebridades da televisão e, depois, nas franquias da Broadway.
Mas o teatro não se limitou a celebridades e franquias. Vertigem, Oficina, Latão, Parlapatões: grupos de trabalho avesso à mercantilização criaram o movimento Arte contra a Barbárie e impuseram um novo paradigma de incentivo à cultura, com a lei de fomento em São Paulo.
Sempre há o risco de voltar ao modelo anterior, intervencionista, estatizante, com tudo o que se viu na Embrafilme. Mas não é tão simples voltar no tempo. E o modelo é outro, quase um terceiro paradigma: não é dar dinheiro para "eventos" ou "produtos", mas para processos de criação.
Leia mais:
Sinfonia inacabada: cultura brasileira patina na era FHC
Era FHC: Controle remoto reduz as opções na televisão
Era FHC: Cinema cresce, mas encolher seria difícil
Era FHC: Música perde mercado para a pirataria
Análise era FHC: Fim dos tempos
NELSON DE SÁeditor de Ilustrada da Folha de S. Paulo
Na democracia corrente, encenada pelo marketing, um governante deixa a sua marca, o seu selo. Nos últimos oito anos, foi assim também na cultura. A marca dos anos Fernando Henrique, escolhida desde logo, foi o cinema.
A era tem início bem antes de 95, ano da posse. Começa com a extinção da Embrafilme por Fernando Collor. Foi o enterro de um modelo de intervenção estatal. Outro modelo, o das leis de incentivo, com transferência do poder sobre os recursos públicos para as empresas, já vinha sendo implantado desde o fim dos anos 80.
No governo Itamar Franco o novo paradigma de industrialização/mercantilização da cultura tomou forma definitiva, com a lei do audiovisual. Foi sobre ela que se ergueu o orgulho da era FHC: o cinema da retomada.
Um relatório recém-divulgado pelo Ministério da Cultura diz que o número de lançamentos de filmes brasileiros, em relação aos lançamentos estrangeiros, saltou de 5% em 95 para 26% em 2002.
O ministério menciona que, com o governo tucano, o cinema "passou a ser considerado prioritário para o desenvolvimento e foi incluído no Programa de Qualidade e Produtividade". E assim, tratado como indústria, "o cinema brasileiro começou a crescer".
Outro relatório aponta que 75 cineastas estrearam com apoio estatal no período. E o "boom" dos documentários está à vista de todos, nos cinemas.
Em meio à festa dos números, porém, percebe-se que a maioria dos filmes não passa de alguns milhares de espectadores.
Percebe-se que, com a nobre exceção de "Central do Brasil", a lista dos sucessos de bilheteria da retomada, dos longas que venceram a barreira do milhão e meio de espectadores, era dominada até semanas atrás por subprodutos da televisão, como Xuxa e Renato Aragão. São eles, como o axé e o pagode, como Ratinho e Faustão, como "Cidade Alerta" e "Linha Direta", o Zeitgeist, o espírito da era FHC.
Isso, até que "Cidade de Deus" rompeu com a ordem dos relatórios e das bilheterias. É um filme que, louvado pela crítica, derrubou "Xuxa e os Duendes" e "Xuxa Popstar" da dianteira e estabeleceu novo patamar para a retomada, atingindo 3 milhões de espectadores. Para alguns, ele delimita o fim da retomada e o início de um novo momento.
Por mais que tenha sido estimulado indiretamente pela política estatal, é um filme que teve como motores maiores, quase únicos, o talento e a coragem financeira de seu diretor, Fernando Meirelles. Não era obra de entusiasmar diretor de marketing.
A dúvida que "Cidade de Deus" levanta, uma entre muitas, é quanto à dívida que a retomada do cinema teria com os governos Itamar-FHC.
Para escapar um pouco do cinema, que se olhe para as artes ou para o teatro. A gênese do que foram os anos Fernando Henrique nas artes pode ser encontrada em 95 mesmo, com a largada para a hegemonia das megaexposições, dada por Rodin na Pinacoteca.
No teatro, o mesmo se pôde acompanhar nas produções milionárias de celebridades da televisão e, depois, nas franquias da Broadway.
Mas o teatro não se limitou a celebridades e franquias. Vertigem, Oficina, Latão, Parlapatões: grupos de trabalho avesso à mercantilização criaram o movimento Arte contra a Barbárie e impuseram um novo paradigma de incentivo à cultura, com a lei de fomento em São Paulo.
Sempre há o risco de voltar ao modelo anterior, intervencionista, estatizante, com tudo o que se viu na Embrafilme. Mas não é tão simples voltar no tempo. E o modelo é outro, quase um terceiro paradigma: não é dar dinheiro para "eventos" ou "produtos", mas para processos de criação.
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