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30/12/2007 - 10h47

Diogo Vilela encena "Otelo" para tentar entender a inveja humana

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LUCAS NEVES
Enviado especial ao Rio da Folha de S.Paulo

"Por que temos tanta inveja? Qual o significado dela, se somos [os brasileiros] pessoas tão bem resolvidas em termos de raça? Por que a inveja fica tão coerente com a sensação contemporânea?" Quem indaga é o ator Diogo Vilela, 50, que recorreu a William Shakespeare ("Depois de Cristo, quem mais clareou as idéias de todo mundo") para obter respostas.

Em março, ele sobe ao palco na pele de Iago, o alferes que leva o personagem-título de "Otelo" a crer que sua mulher, Desdêmona, o está traindo com um de seus protegidos.

"O Iago é a negação da afetividade, que é o que nós vivemos. O diabinho do século 17 [data do texto] ficou sendo um ser contemporâneo demais, já que, hoje, parece que todo sentimento é anacrônico. A peça faz a catarse do século 21", define o ator, recebendo a reportagem em seu apartamento, em Copacabana, numa tarde em que os termômetros cariocas roçam nos 40 graus. "Não sei como vou fazer uma peça de época neste calor", emenda ele, também diretor e produtor.

A "ordem" para encarnar Iago partiu de um saudoso colega. "Foi a última coisa que ouvi do Paulo Autran. A morte dele foi um abalo sísmico para mim, o fim da história de alguém que conseguiu se fazer lembrar por muito tempo. Gerou em mim uma angústia, pois não sei por quanto tempo terei forças para me fazer lembrar no palco."

A inquietação --ele logo retifica-- não é tão recente assim. "Essa questão do esquecimento está em mim desde cedo. Eu sempre acho que vão se esquecer de mim como artista, não sei por quê. Essa ansiedade é que me faz criar."

Criar em várias frentes, bem entendido. Para refletir sobre o fato de "a ilusão, hoje em dia, ser melhor do que a realidade", ele escreveu "Uma Nova Peça". No texto, um ator leva a mãe a um teatro abandonado e sugere que ali, ao abrigo dos humores da crítica e do público, instalem-se definitivamente.

O protagonista é seu alter ego? "Não sei dizer. É uma visão do que eu sinto pelo teatro. A vida justifica essa preferência pelo palco, porque ela não está legal. Estamos vivendo um vazio. O século 21 decreta o fim das relações pessoais", diz ele, para mais à frente entregar suas semelhanças com o personagem ermitão. "Não me sinto ameaçado no teatro. Mas na vida, muito, porque tenho pavor da violência. Fico muito vulnerável em público ou me expondo como pessoa. Tenho sempre um medo que me persegue."

'Estou com papo?'

A sessão de fotos para esta reportagem atesta que é no papel de si próprio que Vilela fica menos à vontade. "Não queria fazer [as fotos] sentado... Estou num momento formal, não informal. Está fechando [o enquadramento] onde? Estou com papo?"

Despojando-se da vaidade, o ator viveu Nelson Gonçalves ("Metralha") e Cauby Peixoto ("Cauby") em musicais elogiados pela crítica. Na mesma seara, mas com recepção bem menos calorosa, dirigiu "Elis" (2002). "Fui escorraçado em praça pública só por colocar 'O Bêbado e a Equilibrista' em versão instrumental", diz.

Com a cancha adquirida, ele avalia musicais "importados" da Broadway, como "Miss Saigon": "Não tenho horror aos espetáculos montados no Brasil, mas à Broadway. É um teatro Disneylândia, 'fake'. Tínhamos que usar nossa espontaneidade, herdar a técnica americana e tentar ter uma cabeça que criasse musicais brasileiros".

Drama na TV

Na televisão, o ator atualmente é o Arnaldo da sitcom "Toma Lá, Dá Cá", da Globo, que terá uma segunda temporada em 2008. Conhecido pelos tipos cômicos, ele gostaria de experimentar outros ares. "Queria fazer um personagem dramático na TV, mas não sei se me escalariam."

É também fazendo rir que surge em "A Guerra dos Rocha", filme de Jorge Fernando com estréia prevista para abril. Na trama, vive um político que disputa a herança da mãe quando ela desaparece --e é dada como morta. Também para o cinema, concluiu há pouco o roteiro do docudrama "Cauby -Uma Voz, Uma Paixão", que narra a sua preparação para encarnar a voz de "Conceição".

Mas é para sua alma mater desde os anos 70, o teatro, que Vilela guarda mais projetos: um solo cômico e uma remontagem do "Édipo" de Sófocles. "Quando tinha 26 anos, a Fernandona [Montenegro] me falou: 'No teatro, os primeiros 20 anos são os mais difíceis'. Essa frase determinou tudo para mim, penso nela até hoje. Podia terminar assim, né?"

 

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