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10/10/2003 - 03h54

Caixa de Elza Soares flagra atuação de precursora do orgulho negro

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PEDRO ALEXANDRE SANCHES
da Folha de S.Paulo

Tudo está perfeito, exceto pela contradição entre o que Elza Soares sempre significou e a decisão elitista da EMI, de só relançar sua obra dentro de uma caixa cara --e, portanto, inacessível àquele que seria o público-alvo natural da artista. Fora isso, a caixa "Negra" reescreve uma história que ainda permanece mergulhada no descrédito, mais que no mero esquecimento.

No início, gravava o que lhe ordenavam: um desfiladeiro de clássicos brasileiros dos anos 30, 40 e 50, de qualquer autor que imagine. Elza os reinterpretava com voz decalcada de Aracy de Almeida e, mais ainda, Dalva de Oliveira.

Essa face tradicionalista convivia com um ciclone de inovação, baseado em bossa nova (como em "Sambossa", de 63; leia relação completa ao lado) e, principalmente, em samba-jazz. Dardo sem rumo, Elza era a contradição: um vozeirão impostado na bossa, o samba-jazz "desvirtuando" o orgulho ultrajado do samba.

Conviviam extremos improváveis, como a gloriosa participação vocal do sambista Monsueto Menezes em "O Samba É Elza Soares" (61) e uma hoje desconhecida composição em samba-jazz de Roberto e Erasmo Carlos, "Toque Balanço, Moço" (66), lançada só em compacto no auge do iê-iê-iê.

A personalidade de confronto despontava com o amor por Garrincha, e Elza foi intrometendo no repertório sambas de meros desconhecidos. A maioria desses autores saiu do limbo para Elza, voltou de Elza para o limbo.
Premida pela opressão racial condensada no termo "navio negreiro", Elza montou duo mulato com Miltinho (a Odeon queria uma dupla para concorrer com Elis Regina e Jair Rodrigues) e gravou com Wilson das Neves em 68 um disco de balanço furioso, acelerado, de negritude escapando pelas frestas da bossa.

Estando Elza exilada na Itália desde 69, a Odeon reuniu sobras de estúdio de 68 e 69 para compor "Sambas e Mais Sambas" (70). Só ali vazava de vez a veia de militância negra, em sambas profanados pelo órgão elétrico e letras abertas contra o racismo, como "Vejam Só" e "Tributo a Martin Luther King" (sucesso de Simonal).

Foi sob esse semblante que ela voltou ao Brasil pedindo passagem, gravando mais novos autores (como Gonzaguinha, João Nogueira e Trio Mocotó), revelando Roberto Ribeiro, contando com a orquestração black power de Dom Salvador, brigando com a Odeon, marginalizando-se.

Em 74, publicou pela independente Tapecar "Elza Soares", que delimitaria um de seus momentos de maior inspiração artística. Sob um aparente ciúme de Clara Nunes, invadiu uma área e um tempo de forte batucada afro-brasileira, sob condução do ex-rei do baile de sambalanço, Ed Lincoln.

Quase épico, o orgulho negro transbordava de belezas como "Deusa do Rio Niger" --era um LP para a massa, que não chegou à massa porque não pertencia às correntes principais da indústria.

Gravou a dupla Romildo e Toninho, que Clara Nunes alçara ao sucesso com "Conto de Areia" (74) --com Elza, nada aconteceu.

Ela parecia suplantada, fora de moda. Mas o mundo daria outras voltas, e o orgulho negro de Elza Soares sobreviveria, ainda que, como ela cantou com sucesso em 2002, a carne negra continuasse sendo a mais barata do mercado.

Avaliação:

Negra
Artista:
Elza Soares
Lançamento: EMI
Quanto: R$ 170 (preço sugerido pela gravadora), caixa com 12 CDs

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  • Caixa "Negra" restaura fase da carreira de Elza Soares
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