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09/01/2004 - 06h04

"21 Gramas" mira vácuo entre os que partem e os que ficam

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SILVANA ARANTES
da Folha de S.Paulo

No cinema do diretor mexicano Alejandro González Iñárritu, 40, autor de "Amores Brutos" (2000), "os personagens estão sempre no inferno". Em "21 Gramas" --seu segundo longa, que estréia hoje-- o percurso dos protagonistas se inverte em relação ao filme de estréia --não se trata mais da descida em direção às trevas, mas de seu contrário, embora não necessariamente com mais sucesso.

"Quando [os personagens] iniciam a subida ao céu da estabilidade, algo torna a derrubá-los e os força a encarar de novo seus próprios demônios", diz Iñárritu, por telefone, da Cidade do México.

A história desenvolvida pelo roteirista Guillermo Arriaga, 45 --parceiro de Iñárritu também em "Amores Brutos"-- baseia-se numa experiência em parte vivida, em parte sonhada.

"Quando fiz 30 anos, trabalhava numa universidade afastada da cidade. Estava indo, atrasado, para minha festa de aniversário, quando avistei patrulhas na estrada e o corpo de um homem, atropelado, no chão. Parei, porque às vezes ocorriam acidentes com os estudantes", diz Arriaga.

A vítima não era conhecida do roteirista, mas o impacto da cena que se seguiu não foi menor por isso. "Quando o policial remexeu a carteira do homem, em busca de sua identidade, encontrou a foto dele com a mulher e uma filhinha no colo. Pensei: esse homem já não volta para casa, onde duas pessoas o esperam para o jantar. Instantaneamente, quis fazer um filme sobre isso", diz.

Somente muitos anos mais tarde Arriaga apresentou a Iñárritu a idéia de "um filme sobre alguém que chega atrasado à própria festa de aniversário, porque algo terrível lhe aconteceu". Iñárritu abraçou o projeto e escalou o porto-riquenho Benicio del Toro para o papel, que ganhou contornos ainda mais amargos. Em "21 Gramas", o personagem tem participação ativa na tragédia.

O restante da trama ocorreu a Arriaga "num sonho em uma viagem de trem, de Madri a Sevilha". Somados ao de Del Toro o personagem que depende de um transplante cardíaco para seguir vivendo (Sean Penn) e o que vê a vida transfigurada por um acidente (Naomi Watts), o longa transformou-se "num filme sobre a consciência da perda e as possibilidades de se recuperar dela".

Desse misto de revelação e mistério vem o nome do filme --21 gramas é o que o corpo humano perde, no momento da morte. A que corresponde esse peso (a alma?) é uma de suas interrogações.

O tema tem relação estreita com a vida do diretor, que perdeu um filho em 1995. Arriaga diz que ele e Iñárritu jamais falaram sobre o assunto. "São dores privadas. É Alejandro quem sabe se as usa ou não em seu trabalho."

Estilisticamente, Iñárritu retomou em "21 Gramas" a característica que chamou a atenção em "Amores Brutos" --usar uma montagem fragmentada para "explorar tempos e histórias paralelas". Diz que o fez por uma razão distinta da que determinou sua opção no primeiro filme: "Em 'Amores Brutos', três histórias se unem num acidente automobilístico. Aqui, temos uma só história, contada de diferentes pontos de vista. Por ter essa natureza caleidoscópica, eu precisei da mesma estrutura do primeiro filme. Ou a história ficaria muito óbvia".

A fragmentação narrativa deve persistir no próximo filme, que encerrará a "trilogia da morte" imaginada pelo diretor. "Sou mais interessado na ordem emocional dos acontecimentos, e não em sua ordem cronológica. E se, emocionalmente, uma forma ou uma estrutura é mais conveniente, eu a sigo", afirma.

Arriaga e Iñárritu se reuniram anteontem na Cidade do México, para a primeira leitura do novo roteiro. É possível que o próximo filme, assim como "21 Gramas" (que leva o selo Focus, braço da gigante Universal), tenha produção de um estúdio norte-americano. Porém, diretor e roteirista rechaçam o rótulo de filme hollywoodiano para seu trabalho.

"A forma como vivemos e os problemas que nós, latinos, enfrentamos, nos torna muito mais profundos. Por isso nos irrita a estupidez pela estupidez, coisa que muitas vezes o cinema americano mainstream aplaude", diz Iñárritu, não sem fazer uma ressalva:

"Quando me refiro ao cinema mainstream, não estou aderindo ao preconceito de tratar o cinema norte-americano como se todo ele fosse ruim. É um cinema tão grande e complexo, que é estúpido tratá-lo como uma coisa só".

O parêntese do cineasta dá lugar à conclusão de que será natural o curso de sua carreira nos Estados Unidos ou na Europa. "Quero ter a liberdade de contar minhas histórias, e não limitar-me, com um patriotismo barato, às fronteiras da linguagem ou dos políticos. Eu me sinto confortável sendo um cineasta da comunidade mundial."

"21 Gramas" competiu pelo Leão de Ouro no Festival de Veneza de 2003, que deu a Penn o prêmio de melhor ator. O filme é uma das apostas da Universal para o Oscar (29/2).

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