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20/02/2004
-
08h41
TIAGO MATA MACHADO
crítico da Folha
As lorotas paternas fizeram o encanto da infância de Will Bloom (Billy Crudup), mas não tardou para que este passasse a se sentir como um mero pé de página na grande história de vida do pai, um incorrigível contador de casos sulista.
Enquanto o filho crescia magoado com as mentiras, Bloom pai (Albert Finney, 40 anos depois de "Tom Jones") envelhecia teimando em imprimir a lenda. Homem feito, tornado jornalista e cosmopolita, prestes a ganhar um filho, Will reencontra o pai moribundo. Decidido a descobrir os fatos por trás das patranhas paternas, ele inicia investigação em que evolui da necessidade da verdade à necessidade da mentira. Ou melhor, à necessidade da crença.
Não há dúvida de que o diretor Tim Burton fisgou em "Peixe Grande" um roteiro à sua altura, um mote ideal para suas fantasias hollywoodianas derivativas. Ele, que sempre preferiu as lendas aos fatos, tem a chance de explicitar sua escolha, combinando inquietações um tanto infantis de seu universo com a necessidade de crença, muito em voga entre seus conterrâneos, nos velhos mitos e histórias da América inventada. Necessidade que também é sua.
Tirado do romance (de estréia) de Daniel Wallace, "Big Fish: A Novel of Mythic Proportions", o personagem mitômano de Albert Finney remonta à infância da ficção (literária) americana. É como se um personagem de um conto de Mark Twain fosse parar em um romance de Herman Melville.
A investigação de Will retoma os passos da fantástica odisséia que lhe foi narrada pelo pai. É quando o país imaginário que Bloom pai percorreu na juventude (encarnada por Ewan McGregor) começa a ganhar mais nitidamente as cores da América burtonesca, em que o sonho de mundo das velhas fantasias hollywoodianas (no caso, o de "O Mágico de Oz") surge povoado por freaks e espectros vindos dos filmes B de terror americano.
O gigante Karl, o lobisomem, as irmãs siamesas: em seu périplo, o Bloom de McGregor conta com a solidariedade dos freaks. Eis a comunidade de Burton. Ainda que sejam atração de circo, como os do clássico maldito de Tod Browning, os freaks de Burton não representam o reverso do "homem comum" americano.
Lembremos que nos anos 60, na infância de Burton, os freaks andavam no auge da moda. Para alguns artistas (pop), como a fotógrafa Diane Arbus, eles eram os seres mais autênticos de uma América dantesca, revelada como um gigantesco "freak show".
Uma América tornada túmulo do Ocidente. Desse túmulo, Burton, em sua índole grand guinholesca, fez um lar de mórbida felicidade. Não há dúvida de que ele, ao contrário de Arbus, não se sente um estrangeiro no grande "freak show" americano.
Avaliação:![](http://www1.folha.uol.com.br/folha/ilustrada/images/3_estrelas.gif)
Peixe Grande e suas Histórias Maravilhosas (Big Fish)
Produção: EUA, 2003
Direção: Tim Burton
Com: Ewan McGregor, Albert Finney
Quando: a partir de hoje nos cines Kinoplex Itaim 3, Frei Caneca Unibanco Arteplex 1, Anália Franco 5 e circuito
Leia mais
Tim Burton realiza busca pessoal com o fantasioso "Peixe Grande"
Burton faz do "freak show" americano um lar de mórbida felicidade
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crítico da Folha
As lorotas paternas fizeram o encanto da infância de Will Bloom (Billy Crudup), mas não tardou para que este passasse a se sentir como um mero pé de página na grande história de vida do pai, um incorrigível contador de casos sulista.
Enquanto o filho crescia magoado com as mentiras, Bloom pai (Albert Finney, 40 anos depois de "Tom Jones") envelhecia teimando em imprimir a lenda. Homem feito, tornado jornalista e cosmopolita, prestes a ganhar um filho, Will reencontra o pai moribundo. Decidido a descobrir os fatos por trás das patranhas paternas, ele inicia investigação em que evolui da necessidade da verdade à necessidade da mentira. Ou melhor, à necessidade da crença.
Não há dúvida de que o diretor Tim Burton fisgou em "Peixe Grande" um roteiro à sua altura, um mote ideal para suas fantasias hollywoodianas derivativas. Ele, que sempre preferiu as lendas aos fatos, tem a chance de explicitar sua escolha, combinando inquietações um tanto infantis de seu universo com a necessidade de crença, muito em voga entre seus conterrâneos, nos velhos mitos e histórias da América inventada. Necessidade que também é sua.
Tirado do romance (de estréia) de Daniel Wallace, "Big Fish: A Novel of Mythic Proportions", o personagem mitômano de Albert Finney remonta à infância da ficção (literária) americana. É como se um personagem de um conto de Mark Twain fosse parar em um romance de Herman Melville.
A investigação de Will retoma os passos da fantástica odisséia que lhe foi narrada pelo pai. É quando o país imaginário que Bloom pai percorreu na juventude (encarnada por Ewan McGregor) começa a ganhar mais nitidamente as cores da América burtonesca, em que o sonho de mundo das velhas fantasias hollywoodianas (no caso, o de "O Mágico de Oz") surge povoado por freaks e espectros vindos dos filmes B de terror americano.
O gigante Karl, o lobisomem, as irmãs siamesas: em seu périplo, o Bloom de McGregor conta com a solidariedade dos freaks. Eis a comunidade de Burton. Ainda que sejam atração de circo, como os do clássico maldito de Tod Browning, os freaks de Burton não representam o reverso do "homem comum" americano.
Lembremos que nos anos 60, na infância de Burton, os freaks andavam no auge da moda. Para alguns artistas (pop), como a fotógrafa Diane Arbus, eles eram os seres mais autênticos de uma América dantesca, revelada como um gigantesco "freak show".
Uma América tornada túmulo do Ocidente. Desse túmulo, Burton, em sua índole grand guinholesca, fez um lar de mórbida felicidade. Não há dúvida de que ele, ao contrário de Arbus, não se sente um estrangeiro no grande "freak show" americano.
Avaliação:
![](http://www1.folha.uol.com.br/folha/ilustrada/images/3_estrelas.gif)
Peixe Grande e suas Histórias Maravilhosas (Big Fish)
Produção: EUA, 2003
Direção: Tim Burton
Com: Ewan McGregor, Albert Finney
Quando: a partir de hoje nos cines Kinoplex Itaim 3, Frei Caneca Unibanco Arteplex 1, Anália Franco 5 e circuito
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