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16/03/2004 - 08h53

Grupo evoca Guerra de Tróia para falar de terrorismo

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VALMIR SANTOS
da Folha de S.Paulo

Em 2001, quando ensaiava o seu espetáculo mais recente, "Aos que Virão Depois de Nós - Kassandra in Process", a Tribo de Atuadores Ói Nóis Aqui Traveiz foi surpreendida, como todo o planeta, pelas imagens dos atentados às torres gêmeas nos EUA, o fatídico 11 de Setembro.

Na última quinta, os artistas da companhia preparavam um barracão para temporada no Festival de Teatro de Curitiba e logo souberam das explosões em Madri.

São atrocidades que exemplificam o quanto a humanidade tem caminhado fora dos trilhos. E não de agora, mas ao longo da história: o horror, o horror, o horror.

O teatro ecoa esse lamento desde os trágicos da Grécia (Ésquilo, Sófocles, Eurípides), no século 5 a.C., passando por William Shakespeare, no século 17, até os contemporâneos, como o alemão Heiner Müller e o irlandês Samuel Beckett. A Guerra de Tróia, considerada "mãe de todas", está no centro da montagem do Ói Nós. Há passagens que citam massacres do regime nazista ou, ainda agora, conflitos no Oriente Médio. Conjuga-se ainda um aceno de esperança e transformação segundo as convicções artísticas e ideológicas do coletivo de Porto Alegre, onde surgiu há 26 anos.

O Ói Nóis tornou-se referência em teatro de rua no país. Sua trajetória combina espetáculos em espaços fechados, como em sua sede, a "terreira", espécie de galpão que permite dispor platéia e cena conforme o projeto.

É o caso de "Kassandra in Process", que ocupará um barracão de Curitiba durante os 11 dias do festival, a partir de quinta-feira. O evento será lançado amanhã para convidados.

A lendária Guerra de Tróia é contada sob a ótica de uma mulher, Kassandra. (A cidade grega é arrasada, depois de cercada pelo rei de Esparta, que se vinga de um dos herdeiros troianos por causa do rapto de sua mulher.)

A principal inspiração vem da releitura do mito pela ensaísta e crítica literária alemã Christa Wolf, 74, na novela "Kassandra - As Premissas e a Narrativa" (1983). Ao contrário de Ésquilo, Homero ou Eurípides, o texto de Wolf abre mão dos deuses e concentra a narrativa no plano humano, reflexo das memórias da autora socialista sobre a Segunda Guerra Mundial (1939-45) ou sobre o muro que dividiu a Alemanha até 1989, quando ruiu.

Segundo a atriz Tânia Farias, 29, sua Kassandra transmite "forte humanidade e ímpeto, o que a faz tomar determinadas atitudes e brigar com quem tem que brigar". Profetisa, a personagem alerta sobre as incongruências do "matar ou morrer". Enfrenta até o pai, o rei Príamo. "Essa perspectiva pacifista tem muito a ver com a filosofia do Ói Nóis. Kassandra fala da preciosidade da vida, de sua fragilidade. Age com uma loucura de potência, ao contrário da lógica masculina bélica", diz Farias.

E Kassandra não será ouvida, como as mulheres em geral nunca o foram, historicamente relegadas pelos senhores da guerra.

Um dos fundadores do grupo, o ator Paulo Flores, 48, diz que a encenação coletiva de "Kassandra in Process" radicaliza a investigação do que chama de Teatro de Vivência, espaço real e simbólico de comunhão plasmado em "Antígona - Ritos de Paixão e Morte" (1990) e "Missa para Atores e Público sobre a Paixão e o Nascimento do Doutor Fausto de Acordo com o Espírito de Nosso Tempo" (1994).

Esse tratamento ritual, a que cena e público compartilham os mesmos sentidos (visão, audição, tato, olfato e paladar), em sete diferentes ambientes cênicos, está na inspiração de origem do grupo: o ator, encenador e teórico francês Antonin Artaud (1896-1948) e seu Teatro da Crueldade.

Em linhas gerais, Artaud rompia com superfícies literárias, psicologizantes, em nome de uma experiência dramática poética que subvertesse linguagens e implicasse um ator sensibilizado pela magia, perseverante em colar o teatro à vida, e vice-versa.

A opção estética é, afinal, política. "Aos que Virão Depois de Nós" é título de um poema do dramaturgo alemão Bertolt Brecht (1898-1956), condoído pelos "tempos sem sol".

"Acreditamos que arte e política andam juntas", diz Flores, para quem "as idéias libertárias e anarquistas" do grupo geram dificuldades à direita e à esquerda, em uma batalha sem fim. Nada, porém, que justifique uma guerra.

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