01/04/2004 - 05h48

Crítica: Longa-metragem registra vidas à margem

JOSÉ GERALDO COUTO
Colunista da Folha de S.Paulo

Um documentário sobre personagens da favela ou do subúrbio corre o risco de folclorizar a miséria e espetacularizar a violência. Quando os retratados são (ou pretendem ser) cantores de rap, se acrescenta o perigo de uma fascinação acrítica pela "cultura popular da periferia".

A primeira coisa a ser dita a favor de "Fala Tu" é que seus jovens realizadores, Guilherme Coelho (diretor) e Nathaniel Leclery (roteirista), passam longe dessas armadilhas. O filme busca compreender "o outro" sem glamourizá-lo. "O outro", no caso, são três: o apontador do jogo do bicho Macarrão, 35, o vendedor de produtos esotéricos Thogun, 32, e a operadora de telemarketing Combatente, 21.

O que os três têm em comum, além do fato de serem batalhadores que vivem em bairros pobres do Rio, é o fato de fazerem rap. O rap, para eles, é uma espécie de escudo de identidade e de defesa.

"Fala Tu" se aproxima alternadamente desses três personagens pela via do seu cotidiano e da sua arte, mostrando o que há de continuidade e de contraste entre um e outra. A virtude maior é deixar que cada um dos personagens se construa aos poucos diante da câmera, em diferentes situações.

A câmera perscruta essas vidas com paciência e respeito, registrando seu cotidiano cinzento e seus momentos de drama, bem como seus projetos de vida.

As passagens mais interessantes são aquelas que fazem referência à própria filmagem. Na mais comovente delas, a sogra de Macarrão, falando sobre a morte da filha na maternidade, diz ao diretor: "Por que você não filmou o parto? Se tivesse filmado, a gente pelo menos poderia saber o que aconteceu de errado".

Poucas vezes a impotência do cinema diante da brutalidade da vida foi exposta na tela com tamanha contundência.

Fala Tu
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