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20/04/2004 - 08h53

"Não preciso do Brasil para sobreviver", diz Arnaldo Cohen

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do enviado da Folha à Filadélfia

Leia a seguir a continuação da entrevista com Arnaldo Cohen.

Folha - A qual vírus o sr. se refere?
Arnaldo Cohen -
A qualidade da ética das instituições pode ser medida somente por meio da qualidade ética das pessoas que as representam. Colhemos ainda os frutos de uma péssima herança política, e acho que o desafio para um Brasil melhor reside na nossa competência em desenvolver softwares que nos libertem de vírus "comportamentais". Do tipo ACM@Brasil --essa sigla quer dizer Anomalia Comportamental quase Medieval, em que manda quem pode e obedece quem tem juízo. Esse vírus torna o país mais "físico" que "jurídico". Ele se propaga em muitos setores da sociedade, em que um simples "eu não gosto dele", desprovido de qualquer conteúdo, pode ser o suficiente para alienar e prejudicar bons profissionais. As instituições não devem ser usadas como plataformas para objetivos pessoais.

Folha - Por onde ele se propaga? O sr. pode dar exemplos?
Cohen -
Posso, de profissionais contaminados por esse vírus. Durante alguns anos, fui colaborador da revista "Veja", que me classificava como um grande artista "internacional". Em 2000, tive um desentendimento com um editor. A partir de então, deixei de ser "internacional". Toquei anualmente, durante 20 anos, com a Orquestra Sinfônica Brasileira. Em 2001, seu diretor musical, o argentino-israelense Yeruham Scharovsky, me conferiu o diploma de "persona non-grata", até hoje não sei por quê. É curioso ser boicotado na minha própria terra por um estrangeiro sem qualificações profissionais à altura de muitos dos regentes brasileiros. As pessoas vêm a mim: "Arnaldo, por que você não vai tocar com a OSB?". É uma orquestra que adoro, tem um grande potencial, mas é uma orquestra sem rumo, sobretudo musical, por causa dos problemas da liderança. O regente também declarou que eu não sou um intérprete internacional. No Brasil existe uma grande confusão entre internacional e estrangeiro. O sujeito que nasceu na Argentina, ou só porque tem um passaporte israelense e trabalha numa escola de música num kibutz em Israel, no Brasil ele é considerado internacional por causa do passaporte dele. Talvez eu não seja considerado internacional por causa da cor do meu passaporte. Ou talvez eu devesse apresentar o meu passaporte vermelho, inglês. Não sei por que esse súbito boicote... Não é um boicote profissional, porque, se eu dependesse de um concerto por ano com a OSB para sobreviver... De uma certa maneira até tenho pena desse rapaz, porque a situação dele é oposta: se ele não tiver a OSB, para sobreviver, imagino, plantar batatas num kibutz é uma das poucas soluções para ele. O Brasil não dá valor à sua intelligentsia, sobretudo aos auto-exilados.

Folha - O sr. vê solução para esses problemas que diz ver no Brasil?
Cohen -
Há um problema ético. É um país pouco profissional, onde a lei de Gerson vingou. Não foi um momento de simples criatividade, foi um momento de lucidez, para numa sátira publicitária fazerem um retrato da sociedade brasileira. Acho o Brasil inviável até para os meus netos. Para os meus bisnetos, pode ser... Digo isso com dor. Às vezes é preciso algo muito sério para que aconteça algo. O remédio amargo muitas vezes pode ser o que cura. Não falo em ditadura ou mudança de regime. Outros exemplos "ACM": a Sociedade Cultura Artística. É subsidiada pela Lei Rouanet, ou seja, usa recursos provenientes de impostos dos brasileiros. Grande parte desse dinheiro tem como destino bancos americanos ou europeus. Não causa surpresa o fato de eu também ser boicotado por essa organização.

A imprensa pode ser uma lamparina no fundo do túnel. Mas precisamos cuidar do topo da pirâmide. Você pode me perguntar por que eu resolvi dizer tudo isso. Vários amigos me disseram: "Não faça isso, você será ainda mais perseguido". Sinto que preciso dar uma satisfação ao meu público do Rio. Neste ano não vou tocar lá. Por quê? Preciso dizer. O que respondo? Me escondo? A gente precisa ter uma certa coragem. Eu não preciso do Brasil para sobreviver. Por isso, se eu, que não preciso, não tiver coragem, quem vai ter? Isso não é um lamento, mas uma obrigação cívica.

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