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26/04/2004 - 20h56

Realidade latino-americana confere ar documental à ficção de Salles

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JANAINA FIDALGO
da Folha Online

Dos livros de Ernesto Guevara de la Serna e de Alberto Granado, bases do longa-metragem "Diários de Motocicleta", o diretor Walter Salles tirou não apenas as histórias dos dois jovens argentinos em sua viagem pela América Latina, mas a idéia da aceitação dos encontros e dos acontecimentos que estão "à margem da estrada".

O resultado são improvisações com personagens da vida real que dão ao filme um caráter documental e o aproxima da jornada empreendida por Ernesto e Alberto na década de 50. "Diários de Motocicleta", que estréia dia 7 no Brasil, competirá pela Palma de Ouro do 57º Festival de Cinema de Cannes.

"O filme parte de uma estrutura mais próxima da ficção e vai se dirigindo --à medida que vamos avançando pela América Latina-- para o documentário. Ele está na confluência destas duas formas de narração. Desde o início tentamos ser fiéis ao espírito do livro, que pressupõe dizer sim aos encontros", disse Salles em entrevista coletiva concedida hoje em São Paulo.

Rosa Bastos/F.Imagem
Os atores Gael García Bernal e Rodrigo de la Serna
Incorporadas ao filme estão imagens improvisadas do mexicano Gael García Bernal (Ernesto) e do argentino Rodrigo de la Serna (Alberto) com índias peruanas e com um guia mirim em Cuzco. Em uma das cenas, o menino explica a diferença entre o trabalho dos incas e dos "inca-pazes" (leia-se: os espanhóis) na construção da cidade. Com as índias os personagens vivem a experiência da cerimônia da folha da coca.

"[A improvisação] Só é possível se os atores têm a inteligência, a sensibilidade e a intuição para fazer isso de uma forma que respeite o outro lado. Eles já tinham uma lógica de personagem tão bem estabelecida que podiam improvisar e criar dentro daquilo que já tinha no roteiro", afirmou o diretor.

Ao percorrer os caminhos trilhados por seu personagem na América Latina, Bernal constatou o quão atual permanece a realidade social e política da região, destacando a veracidade e emoção dos depoimentos colhidos nas improvisações.

"É impactante que em muitos dos lugares onde fomos a problemática social e econômica não só está igual, como piorou em alguns casos. Acho que essas improvisações podem se chamar improvisações, mas por outro lado podem ser chamadas de um fórum de opiniões que, involuntariamente, saíram desta maneira. Obviamente gostaríamos que não fosse assim, que não se concebesse que a mesma problemática ainda exista", disse Gael.

O humor escrachado de Alberto Granado, 82, dono da motocicleta com a qual ele e o amigo fizeram parte da viagem, foi incorporado ao filme. Os lances não contados nos dois livros acabaram sendo recuperados durante as mais de dez horas de entrevista com Granado.

"São histórias que você eventualmente ia deixar de lado, mas que poderiam pertencer àquela narrativa. O humor do Alberto está tão presente nas dez horas de entrevista que acabou irrigando o roteiro de [José] Rivera", disse Salles.

Questionado sobre o momento mais triste da viagem, Granado relembrou da "morte de 'La Poderosa'", uma motocicleta Norton fabricada em 1939. No Chile, a moto quebrou e eles tiveram de seguir de carona e a pé.

"Eu nunca fui muito tímido, mas a motocicleta me ajudou a ser mais audaz, a ser capaz de chegar a qualquer parte, a me sentir muito forte. Por muitos anos foi minha companheira. Ao ter de deixá-la em um lugar porque ela quebrou, eu --que tenho um coração bastante sensível-- senti muitíssimo", disse.

Marcação

A liberdade em "Diários de Motocicleta" não se restringiu à incorporação de cenas ao roteiro original. Neste longa, Salles abriu mão da marcação de cena para, em vez de enquadrar e determinar o espaço dos personagens, segui-los de acordo com a "lógica do filme".

"Eu sempre achei que o quadro tinha uma função narrativa. Aqui eu percebo que não, que preciso ir muito além disso. Importante é a vida que surge ali dentro da história, e a câmera está preocupada apenas em acompanhar isso", afirmou.

Antes mesmo de começar a rodar "Diários de Motocicleta", projeto oferecido ao brasileiro pelo produtor norte-americano Robert Redford, Salles enfrentou outro desafio: conseguir uma empresa que topasse bancar um filme falado em espanhol e com atores latino-americanos.

"Foi difícil colocar o filme de pé do ponto de vista financeiro. O roteiro foi apresentado para quase todas as distribuidoras norte-americanas e foi recusado por todas por ser falado em espanhol. Só quase dois anos depois a FilmeFour deu sinal verde para o projeto avançar. Foi inteiramente financiado pelos ingleses, com uma pequena co-produção da França", disse Salles.

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