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12/06/2004
-
04h46
MARCO ANTONIO VILLA
especial para a Folha
Dois importantes livros sobre os anos de chumbo foram lançados: "O Coronel Rompe o Silêncio", do jornalista Luiz Maklouf de Carvalho, e "Tirando o Capuz", do também jornalista Álvaro Caldas. Este último é na verdade um relançamento. A primeira edição é de 1981 e teve logo em seguida mais três reedições. Esta é a quinta, revista e ampliada.
"O Coronel Rompe o Silêncio" é mais uma colaboração de Carvalho para o estudo da ditadura militar. Em 98 tinha publicado pela Globo o excelente "Mulheres que Foram à Luta Armada". O coronel do título é Lício Augusto Ribeiro. Concedeu várias entrevistas ao jornalista, que reconstruiu a história da guerrilha patrocinada pelo Partido Comunista do Brasil entre 1972-1974 no Araguaia, norte de Tocantins/sul do Pará.
O coronel, durante a repressão, tinha a patente de major, mas atuou na região como o dr. Asdrúbal, assim como outros oficiais que também usaram codinomes. Participou das campanhas contra os guerrilheiros e foi personagem de vários momentos que o notabilizaram. O primeiro foi a prisão de José Genoino, o "Geraldo", em abril de 72. Pelo relato do coronel, a prisão do jovem guerrilheiro foi reescrita. E isso é importante para os estudiosos da guerrilha, pois explica parte da ação repressiva naqueles meses.
O jornalista teve o cuidado de checar com o hoje presidente nacional do Partido dos Trabalhadores as informações do coronel, e Genoino confirmou a versão.
Um ano e meio depois, em outubro de 73, o coronel esteve envolvido em um dos acontecimentos mais emblemáticos: o fuzilamento de Lúcia Maria de Souza, a guerrilheira "Sônia". Surpreendida pela chegada de um grupo de soldados, liderados pelo coronel, a guerrilheira reagiu --mesmo ferida por dois tiros-- e alvejou o coronel, que foi atingido no rosto. Em seguida, a patrulha fuzilou a guerrilheira. Depois de operado, o coronel retornou à região no início de 74, quando a guerrilha já estava praticamente derrotada, depois da morte, no Natal de 73, de boa parte da liderança. Abandonados à própria sorte, sem nenhuma ligação com o PC do B nas cidades, os últimos guerrilheiros são literalmente caçados pelas forças de segurança. E até hoje nem sequer os corpos foram entregues às famílias.
"Tirando o Capuz" é um excelente relato das agruras de um jovem jornalista ligado ao Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR) e que milita na cidade do Rio entre o final da década de 60 e início da seguinte.
Caldas escreve com elegância e bom humor, mas não faz uma reconstrução heróica daqueles anos. Tem consciência dos limites daquela luta, tão distante das "massas", a quem deveria ser dirigida as ações consideradas revolucionárias. O militarismo das organizações retirava o militante da vida normal, afastando-o da família, do trabalho e dos amigos: tudo em defesa da revolução --que nunca vinha. O autor desenha um belo retrato da vida na prisão, passando antes pela violência da tortura, um universo masculino --houve alguma mulher torturadora?--, e pelos limites que um militante suporta a selvageria das torturas para defender seus companheiros de luta.
Os dois livros são fundamentais para o estudo dos anos de chumbo. Se revelam a face repressiva da ditadura, também demonstram o sacrifício inútil de dezenas de jovens em defesa de uma causa derrotada a priori. Porém é inaceitável que o Brasil não possa saber plenamente o que aconteceu nos anos de chumbo. Apesar de um ano e meio do governo Lula, o famigerado decreto assinado pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, vedando a consulta dos documentos oficiais sigilosos, não foi alterado. E sem a sua revogação não podemos concluir esse processo de acerto de contas com a história recente do Brasil.
Marco Antonio Villa, 48, historiador, é professor do departamento de ciências sociais da Universidade Federal de São Carlos e autor de "Jango, um Perfil (1945-1964)" (editora Globo)
O CORONEL ROMPE O SILÊNCIO
Autor: Luiz Maklouf Carvalho
Editora: Objetiva
Quanto: R$ 34,90 (224 págs.)
TIRANDO O CAPUZ
Autor: Álvaro Caldas
Editora: Garamond
Quanto: R$ 35 (266 págs.)
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Dois importantes livros sobre os anos de chumbo foram lançados: "O Coronel Rompe o Silêncio", do jornalista Luiz Maklouf de Carvalho, e "Tirando o Capuz", do também jornalista Álvaro Caldas. Este último é na verdade um relançamento. A primeira edição é de 1981 e teve logo em seguida mais três reedições. Esta é a quinta, revista e ampliada.
"O Coronel Rompe o Silêncio" é mais uma colaboração de Carvalho para o estudo da ditadura militar. Em 98 tinha publicado pela Globo o excelente "Mulheres que Foram à Luta Armada". O coronel do título é Lício Augusto Ribeiro. Concedeu várias entrevistas ao jornalista, que reconstruiu a história da guerrilha patrocinada pelo Partido Comunista do Brasil entre 1972-1974 no Araguaia, norte de Tocantins/sul do Pará.
O coronel, durante a repressão, tinha a patente de major, mas atuou na região como o dr. Asdrúbal, assim como outros oficiais que também usaram codinomes. Participou das campanhas contra os guerrilheiros e foi personagem de vários momentos que o notabilizaram. O primeiro foi a prisão de José Genoino, o "Geraldo", em abril de 72. Pelo relato do coronel, a prisão do jovem guerrilheiro foi reescrita. E isso é importante para os estudiosos da guerrilha, pois explica parte da ação repressiva naqueles meses.
O jornalista teve o cuidado de checar com o hoje presidente nacional do Partido dos Trabalhadores as informações do coronel, e Genoino confirmou a versão.
Um ano e meio depois, em outubro de 73, o coronel esteve envolvido em um dos acontecimentos mais emblemáticos: o fuzilamento de Lúcia Maria de Souza, a guerrilheira "Sônia". Surpreendida pela chegada de um grupo de soldados, liderados pelo coronel, a guerrilheira reagiu --mesmo ferida por dois tiros-- e alvejou o coronel, que foi atingido no rosto. Em seguida, a patrulha fuzilou a guerrilheira. Depois de operado, o coronel retornou à região no início de 74, quando a guerrilha já estava praticamente derrotada, depois da morte, no Natal de 73, de boa parte da liderança. Abandonados à própria sorte, sem nenhuma ligação com o PC do B nas cidades, os últimos guerrilheiros são literalmente caçados pelas forças de segurança. E até hoje nem sequer os corpos foram entregues às famílias.
"Tirando o Capuz" é um excelente relato das agruras de um jovem jornalista ligado ao Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR) e que milita na cidade do Rio entre o final da década de 60 e início da seguinte.
Caldas escreve com elegância e bom humor, mas não faz uma reconstrução heróica daqueles anos. Tem consciência dos limites daquela luta, tão distante das "massas", a quem deveria ser dirigida as ações consideradas revolucionárias. O militarismo das organizações retirava o militante da vida normal, afastando-o da família, do trabalho e dos amigos: tudo em defesa da revolução --que nunca vinha. O autor desenha um belo retrato da vida na prisão, passando antes pela violência da tortura, um universo masculino --houve alguma mulher torturadora?--, e pelos limites que um militante suporta a selvageria das torturas para defender seus companheiros de luta.
Os dois livros são fundamentais para o estudo dos anos de chumbo. Se revelam a face repressiva da ditadura, também demonstram o sacrifício inútil de dezenas de jovens em defesa de uma causa derrotada a priori. Porém é inaceitável que o Brasil não possa saber plenamente o que aconteceu nos anos de chumbo. Apesar de um ano e meio do governo Lula, o famigerado decreto assinado pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, vedando a consulta dos documentos oficiais sigilosos, não foi alterado. E sem a sua revogação não podemos concluir esse processo de acerto de contas com a história recente do Brasil.
Marco Antonio Villa, 48, historiador, é professor do departamento de ciências sociais da Universidade Federal de São Carlos e autor de "Jango, um Perfil (1945-1964)" (editora Globo)
O CORONEL ROMPE O SILÊNCIO
Autor: Luiz Maklouf Carvalho
Editora: Objetiva
Quanto: R$ 34,90 (224 págs.)
TIRANDO O CAPUZ
Autor: Álvaro Caldas
Editora: Garamond
Quanto: R$ 35 (266 págs.)
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