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03/07/2004 - 03h17

"Não temos dinheiro suficiente para ser de esquerda", brinca Ruy Goiaba

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CASSIANO ELEK MACHADO
da Folha de S.Paulo

Leia abaixo a entrevista com Ruy Goiaba para a Folha.

Folha - Na sua opinião, que características, além do fato de escreverem blogs e os ancorarem no Wunderblogs, unem os autores coligados no livro?

Ruy Goiaba -
Na verdade, somos uma sorveteria maçônica, para a qual o portal é apenas uma fachada. Não, não é bem isso. Somos pessoas muito diferentes, cujo principal traço de união talvez seja a extrema impaciência com clichês -políticos, literários, jornalísticos, culturais. Daí alguns leitores acharem que somos contra a esquerda quando, na verdade, somos apenas contra os clichês; o problema é que, hoje, tornou-se impossível diferenciar a primeira dos segundos. Não existe chavão mais surrado e batido que 'ser de esquerda'. Nem é preciso que Noam Chomsky ou Michael Moore abram a boca para saber o que eles vão dizer: podiam ser substituídos, com vantagens, por um gerador de internet ("monte você mesmo a sua entrevista com Chomsky").

Enfim, estamos nos Wunderblogs porque não temos dinheiro suficiente para ser de esquerda, pai banqueiro, coisas assim. E porque os juros cobrados da nossa classe são asfixiantes.

Folha - Quando você começou a escrever blogs e por quê? Você já escrevia antes com freqüência? Como?

Goiaba -
Comecei a escrever no meu blog, o puragoiaba, em novembro de 2001. A idéia era, desde aquela época, fazer do blog meu playground. Isso se mantém até hoje: nenhuma pretensão além de me divertir e, em alguma medida, divertir quem o lê. Nunca escrevi com freqüência; nem mesmo no blog faço isso. Escrevo quando consigo escapar da marcação cerrada do sr. Burns.

Folha - Quais as principais vantagens e desvantagens do blog em relação a outros formatos, como diários, iluminuras, livros, apostilas, panfletos etc.?

Goiaba -
A grande vantagem do blog é permitir que 'informaticamente prejudicados' como eu mantenham um sítio que pode ser atualizado constantemente e visto por milhares de pessoas, a custo muito próximo de zero, sem saber nada de programação. Mas, no fundo, acho que gostaria de transformar o puragoiaba numa iluminura ou num incunábulo. Veja só que palavra bonita: incunábulo. Parece pornografia da boa, não acha?

Folha - Quantos posts vocês escreve em média a cada mês? Quanto tempo você gasta com os blogs? Quem é o mais prolífico dos Wunders? Quem é o mais conciso?

Goiaba -
Sei lá, nunca parei para fazer essa estatística. Não escrevo todo dia --minha média deve ser algo em torno de 15 posts por mês. As respostas à última pergunta devem ser consensuais: acho que os mais prolíficos são mozart (dies irae) e Dante (saudade do presidente Figueiredo) e o mais conciso é FDR.

Folha - Além dos blogs, você escreve alguma forma de ficção? Com que características?

Goiaba -
Escrevo poesia, que, a acreditar no que o Wallace Stevens dizia, é a suprema ficção. Mas o cara é obviamente suspeito. Como não sou sádico, poupo os leitores de sofrer com meus versos. O que publiquei no puragoiaba foi uma paródia, o poema concretino CÚ --que, apesar da intenção paródica, é a obra-prima do movimento. Ora, se Décio Pignatari vive votando em si mesmo nas listas de melhores livros, por que eu não posso me elogiar?

Folha - Como selecionou o material para o livro "Wunderblogs.com"?

Goiaba -
Fiz como recomendava João Cabral, o Garoto Enxaqueca: botei os posts na panela de feijão (Cabral diria "alguidar") e joguei fora os que boiaram. Metaforicamente, é bom esclarecer. Deixei no livro os posts que achei que ficavam em pé. Não eram muitos.

Folha - Qual o perfil do leitor dos blogs Wunder? Quem são os 'inimigos' do Wunder?

Goiaba -
Parafraseando o Catarro Verde, que foi um dos primeiros blogs brasileiros que li, os Wunderblogs são mais bem visualizados por quem não for cego e tiver sido alfabetizado. Nem sempre é o caso daqueles que você chama de nossos 'inimigos'.

Folha - O que você pensa da literatura contemporânea brasileira?

Goiaba -
Não penso nada, porque eu e essa moça mal fomos apresentados. Ainda bem --dizem que ela tem mau hálito. Só tenho lido poetas franceses pirobos e encartes de CDs. Já tentei encarar Marcelo Mirisola, mas voltei rapidinho aos encartes.

Folha - Quem são seus "modelos" intelectuais e literários?

Goiaba -
Machado de Assis. Brazilian Genghis Khan. Laforgue & Corbière. Agnaldo Timóteo. Franz Paulo Heilborn. Monsueto Menezes. Laurence Sterne. Rita Cadillac. T.S. Eliot. Paulo César Pereio. George Bernard Shaw. Mussum. G.K. Chesterton. Gordurinha. Ortega y Cacete. Menudos circa 1985. Blaise Pascal. Genival Lacerda. La Rochefoucauld. Perla. Shakespeare. Sílvio Luiz, de olho no lance. Jonathan Swift. Cauby Peixoto. Michel de Montaigne. Wando. Otto Maria Carpeaux. Odair José. Nelson Rodrigues, o tarado de pijama. Clemilda. Bodelér. Ray Conniff. James Joyce. Costinha. Thomas Mann. Lilico do bumbo. Não todos ao mesmo tempo e não necessariamente nessa ordem.

Folha - O escritor Marçal Aquino disse ontem, em debate no Sesc Anchieta, de São Paulo, que "todos os escritores hoje são de esquerda". Comente.

Goiaba -
Não sei se Marçal disse isso a sério. Se disse, acho que a tal literatura brasileira contemporânea é mesmo um subgrupo da produção de panfletos. Prefiro continuar a ler encartes de CDs.

Folha - Os autores do Wunderblogs são muitas vezes chamados de direitistas, conservadores etc. O que você pensa disso? Quem é, na sua opinião, o mais conservador e/ou reacionário dos 11 autores reunidos no livro?

Goiaba -
Cassiano, vivemos num país em que a contracultura é o establishment. Nossos políticos, por exemplo, são tropicalistas desde sempre e "avant la lettre": Barreto Pinto de casaca e cuecas é, até hoje, a cara do Brasil. Desse ponto de vista, nós somos os verdadeiros 'gauches' -e as pessoas só não reconhecem isso porque preferimos Groucho Marx a Cau Marques. Esse segundo, além de tudo, ainda tinha nome de vocalista do Chiclete com Banana. Não dá para levá-lo a sério.

E o mais reacionário dos wunderbloggers sou eu. Tenho certeza de que sou o único que ainda dorme de ceroulas nas noites frias.

Folha - Existe direita (ou termo equivalente) inteligente aqui ou fora do país hoje em dia? Exemplos?

Goiaba -
Existe, para a absoluta surpresa dos jornalistas brasileiros. Para citar apenas dois nomes, um de dentro e um de fora do país, gente como Nelson Ascher (o qual não sei se aprecia o rótulo de "direita") e Andrew Sullivan merece ser lida, ainda que você não concorde com o que eles dizem. Mas os intelequituais da taba preferem mandar abaixo-assinados dizendo que determinadas opiniões "merecem repúdio, e não resposta". É a atitude típica de quem não tem o que responder --melhor seria se eles dissessem apenas "ni!".

Folha - Por que você usa pseudônimo?

Goiaba -
Porque, quando comecei meu blog, fiz questão de fugir do esquema "querido diário" e da exibição narcisista da minha privacidade. E porque meu nome e minha vida não têm nada de especial. Sou um "average guy", um burocrata às vezes feliz.

Folha - Quais dessas características você acha que tem seu blog: pessimismo, otimismo, bom humor, mau humor, misticismo, moralismo, anglofilia, "antibrasileirismo", liberalismo, catolicismo, cristianismo, classicismo, ironia, passadismo.

Goiaba -
Mau humor, às vezes. Mas também bom humor, ironia, ziriguidum, telecoteco, forrobodó, samba, suor e ouriço. E um pouco de fodelança.

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