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15/07/2004 - 09h00

Cineasta alemão participa de longa sobre São Paulo

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SYLVIA COLOMBO
Editora do Folhateen

Para construir uma sátira sobre as transformações de Berlim depois da queda do Muro, ele juntou um punhado de latas de pepino emboloradas, potes de geléia vazios e embalagens de café de má qualidade. Agora que seu assunto é uma São Paulo caótica como de praxe e às vésperas de uma eleição, o cineasta alemão Wolfgang Becker tateou de novo em busca de objetos antigos e carregados de simbologia. Foi parar numa tradicional loja de vinis da cidade.

Há alguns dias o volumoso e falante diretor fincou pé num recanto conhecido entre os amantes de música paulistanos, a loja Eric Discos, na rua Artur de Azevedo, em Pinheiros. "Para mim, esse é o coração de São Paulo", diz.

Ainda celebrando o sucesso internacional de sua comédia "Adeus, Lênin" --premiada em Berlim, exibida em mais de 70 países e há várias semanas em cartaz no Brasil-- Becker, 50, está na cidade filmando sua participação em "Bem-Vindo a São Paulo".

A produção, comandada pelo empresário de cinema Leon Cakoff, reúne 14 episódios, cada um filmado por artistas renomados (leia abaixo), e tem estréia marcada para a próxima Mostra Internacional de Cinema, em outubro.

Wolfgang Becker conversou com a Folha na noite da última terça-feira, enquanto jantava num restaurante japonês da cidade. Leia trechos da entrevista.

Folha - Por que uma loja de vinis?
Wolfgang Becker -
Sempre que visito uma cidade, o primeiro lugar a que chego naturalmente é a uma loja de discos. E o único lugar em que isso não aconteceu automaticamente foi São Paulo. Então pedi que me levassem a uma. E me levaram a esse lugar incrível.

Folha - Você adora música?
Becker -
Sim. Mas sou louco mesmo é por vinis. Por isso, quando me convidaram a participar desse filme, pensei: "Qual é o centro dessa cidade do meu ponto de vista?". E para mim o centro de São Paulo é essa loja de discos. E fiz uma história visual que tem a ver com essa loja de discos.

Folha - Como é sua história?
Becker -
Começa no espaço sideral. Vou me aproximando da Terra, da América do Sul, do Brasil, de São Paulo e dessa loja. A última cena é uma tomada de detalhe da agulha de uma vitrola. E a agulha parece com a Terra do começo. E então começa a tocar "Sampa", de Caetano Veloso. Mostro também coisas que achei interessantes aqui.

Folha - Dê um exemplo.
Becker -
São Paulo é a única cidade que conheço onde existem essas luzes que piscam na saída de carro dos edifícios. Com uma placa dizendo: "Cuidado, veículos". Em toda cidade, veículos saem de dentro dos prédios, mas só em São Paulo existem essas luzes piscando para sinalizar que eles estão saindo.

Folha - Como você vê São Paulo?
Becker -
Minha primeira impressão foi de que a cidade era muito americana. É uma mistura entre Los Angeles e Nova York. O centro, com grandes prédios, é como Nova York. E as partes mais afastadas parecem subúrbios de Los Angeles. O Rio é mais brasileiro, por causa da música tocando na rua. Estou num hotel perto da avenida Paulista e o que mais vejo são carros-forte transportando dinheiro dos bancos.

Folha - Vamos ter eleições em São Paulo neste ano. Que conselho daria ao novo prefeito, ou prefeita?
Becker -
Ele deveria dizer a todos os que vêm do interior ou de outras cidades que eles terão dificuldades aqui. Que talvez seja melhor buscar a sorte onde estão. Viajei pela costa entre São Paulo e Rio e pensei: "Por que pessoas que vivem num lugar que é um paraíso querem mudar para uma cidade grande e ter dificuldades?".

Folha - Porque nesse paraíso não há oportunidades de trabalho.
Becker -
Mas aqui também não há. O novo prefeito deve dizer às pessoas para que não venham. Há muita gente aqui. E alguém devia se preocupar com a poluição também, colocando catalisadores nos carros. Na verdade, o problema de São Paulo é ser muito grande, deveria ter dez prefeitos.

Folha - Você vive em Berlim. Como vê as transformações lá?
Becker -
Quantas fitas você tem aí? (risos). Bem, Berlim ocidental costumava ser um lugar aconchegante. O Muro deixava os problemas longe. O crime, as drogas. Então o Muro caiu, e todo mundo ficou contente. Algumas mudanças foram boas, mas tivemos de lidar, de repente, com problemas como os de qualquer grande cidade da Europa. Foi como nos primeiros anos após o fim da guerra.

Folha - Você faz filmes políticos?
Becker -
Todos os meus filmes são políticos porque eles tratam de pessoas reais e como vivem.

Folha - Há alguns dias, os escritores Ian McEwan, Martin Amis e Paul Auster disseram à Folha que hoje é quase impossível um artista se desviar das transformações políticas mundiais. Concorda?
Becker -
Não. Literatura é diferente. Especialmente essa que eles fazem, que não é diversão. Quando se fala de cinema, se está falando sempre de algo mais trivial.

Folha - Como assim? "Homem-Aranha" não é diferente de "Adeus, Lênin"?
Becker -
Sim, mas quando se chega à bilheteria é tudo igual. Filmes são caros. Você não precisa de muito dinheiro para escrever um livro. No cinema, espera-se que o dinheiro investido seja devolvido pela bilheteria. Hoje é difícil fazer filmes individuais.

Folha - E como você se define?
Becker -
Quero algo entre o entretenimento e a arte. É preciso ficar como aquelas dançarinas, com as pernas abertas entre os dois.

Folha - Então o dinheiro faz a literatura ser mais independente do que o cinema?
Becker -
Quanto mais você precisa, mais dependente é. Mas Paul Auster ou Ian McEwan são muito especiais. Eles não representam a maioria dos autores. A autora de "Harry Potter" [J.K. Rowling] ou Stephen King são muito mais representativos. Por isso não estou seguro de que é necessário ser político hoje.

Folha - Como explica o sucesso de "Adeus, Lênin"?
Becker -
O filme fez sucesso porque mostrou uma situação real que as pessoas não sabiam como era. A maioria das pessoas não entendeu o que foi a reunificação. Todos souberam que o Muro caiu. Mas o que era o Muro? E como eram as coisas em torno dele? E "Adeus, Lênin" fala de pessoas e situações em torno do Muro.

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