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30/07/2004 - 08h43

Militantes comparam cinema feito por eles ao de Michael Moore

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SILVANA ARANTES
da Folha de S.Paulo

"Faça alguma coisa", diz o letreiro final de "Fahrenheit 11 de Setembro", o petardo anti-Bush do cineasta norte-americano Michael Moore, que estréia hoje em 50 cinemas brasileiros.

Pelo teor indignado do filme, é natural o espectador concluir que o objetivo do diretor é que seu público levante da cadeira e aja para impedir que o atual presidente norte-americano prossiga com a série de decisões que afetam os EUA, o Iraque, o mundo, conforme Moore diz e pretende demonstrar no filme.

Porém, abaixo da frasezinha interpelativa, o caminho sugerido é: www.michaelmoore.com, o endereço farta e rotineiramente abastecido com as "notícias do Mike". Está instalada a dúvida.

Michael Moore quer desbancar George W. Bush da Casa Branca e assim livrar-nos de todo mal ou simplesmente promover a si mesmo? O vencedor da Palma de Ouro 2004 é um militante disposto a fazer do cinema instrumento de intervenção na realidade ou um esperto manipulador de imagens interessado em fama e dólares?

Aberração

"Ele efetivamente é um cineasta militante e efetivamente é um cineasta de mercado, o que parece uma aberração para nós, brasileiros", diz Lúcia Murat, diretora hoje dedicada à ficção ("Brava Gente Brasileira", 2000), mas que iniciou seu caminho no documentarismo. É de Murat "Que Bom te Ver Viva" (1989), painel da superação emocional de militantes brasileiras torturadas durante o regime militar.

"Que Bom te Ver Viva" é tributário de uma tradição de documentários engajados que vicejou no Brasil nos anos 60 e 70. O cineasta Vladimir Carvalho, que se destacou nessa geração, dirigindo ("O País de São Saruê", 1967), produzindo ("Cabra Marcado para Morrer", de Eduardo Coutinho, 1964) e fazendo assistência ("A Opinião Pública", de Arnaldo Jabor, 1967) de filmes, diz que "tem a maior simpatia pelo embate, pela coragem, pela disposição de Moore de tornar o cinema participante da batalha política". Mas aponta o exibicionismo de Moore como uma diferença entre o militantismo cinematográfico do americano e o dos brasileiros.

"Nossos filmes também armavam o bote, mas entravam de peito aberto na realidade. Já o que Moore faz é muito mais um corpo a corpo com a idéia política."

Discurso

Ou, como diz João Batista de Andrade, contemporâneo de Carvalho em títulos como "Liberdade de Imprensa" (1967), "Moore tem uma idéia e conduz o espectador para mostrar aquela tese". O resultado, para Andrade, é que "você vê que ele está vendendo a idéia dele. É um cara político que, em vez de fazer o discurso, filma o discurso. Como cinema é menor, porque não traz descobertas".

O estilo discurso filmado de Moore requer que o espectador concorde com a premissa da qual partem seus filmes. É o que observa o documentarista Kiko Goifman ("Morte Densa"), para ressalvar que considera Moore importante, por enquanto.

"Partilho dos mesmos pontos de vista dele [o antiarmamentista de "Tiros em Columbine" e o anti-Bush de "Fahrenheit 11 de Setembro"] e provavelmente concordarei com o próximo ["Sicko", sobre o sistema de saúde americano, previsto para 2005]. Mas imagino que posso chegar a odiá-lo se, por exemplo, ele fizer um filme a favor da pena de morte."

Goifman cita, com essa opinião, outro aspecto do fenômeno Moore. Discordar dos filmes de Moore equivale a ser contra o próprio diretor, primeiro a promover a simbiose entre ele e sua obra.

"Michael Moore praticamente incluiu uma variável no campo do documentário. Existem os documentários de pessoas desconhecidas, que são todos os outros, e existem os documentários 'estrelando Michael Moore'", diz o documentarista brasileiro José Padilha ("Ônibus 174").

Que Michael Moore é ator de seus próprios filmes, todos concordam. Para Padilha, além disso, o cineasta norte-americano usa o cinema como "arma de vingança" contra quem o incomoda, seja o presidente da General Motors, Roger Smith, em "Roger e Eu" (1989), ou o presidente de seu país, em "Fahrenheit...".

Apesar de todo o questionamento ético, que se estende ao hábito de Moore de desrespeitar entrevistados e exibir cenas sem autorização, Padilha diz que "não é fácil se livrar da obra dele com uma frase". Primeiro, porque "os filmes são bons de ver, não adianta negar". Em segundo lugar, porque Moore "revolucionou o documentário no mundo, financeiramente". É um fato.

"Fahrenheit 11 de Setembro" foi o primeiro documentário a arrecadar mais de US$ 100 milhões. O dado é mais significativo quando se sabe que a produção do filme custou de US$ 6 milhões, o que quer dizer que o filme se tornou lucrativo desde a estréia nos Estados Unidos, quando arrecadou cerca de US$ 23 milhões. Esse é um privilégio negado até a superproduções como "Homem-Aranha 2", que estreou nos Estados Unidos arrecadando US$ 115 milhões, mas cuja produção consumiu estimados US$ 200 milhões.

Não-ficção

Esses resultados, todos concordam, contribuíram para que o filme documentário fosse visto com outros olhos pelos distribuidores cinematográficos, furando o cerco de produção destinada à TV e ao circuito de salas de arte.

"Se não houvesse Michael Moore, 'Ônibus 174' não teria sido exibido nos cinemas nos Estados Unidos", resume Padilha. A cineasta Tetê Moraes ("Terra para Rose", 1987), que prepara o filme "O Sol Caminhando Contra o Vento", sobre as atividades do jornal alternativo "O Sol" nos anos de 1967 e 1968, diz que "o importante é que o documentário reocupa seu espaço e prova que, no território da não-ficção, há muitas linguagens possíveis, assim como no da ficção".

Mesmo admitida a convivência de linguagens díspares e até conflitantes, permanece a questão de gosto. Aí também Moore fica longe da unanimidade. "Ele me parece um diretor muito 'entrão', sensacionalista. Prefiro uma coisa em que você revele personagens, tenha empatia por eles", diz Sandra Werneck, diretora do atual líder nacional de público, "Cazuza" (2,3 milhões de espectadores), que também tem trajetória pelo documentário.

Ficção ou não-ficção, para ambas vale a advertência do cineasta Glauber Rocha (1939-1981), um polemista como Moore, mas de outra estirpe: "A câmera é um objeto que mente".

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