Saltar para o conteúdo principal

Publicidade

Publicidade

 
 
  Siga a Folha de S.Paulo no Twitter
30/07/2004 - 09h00

"Libelo" de Moore é tendencioso e mentiroso, mas histórico

Publicidade

SÉRGIO DÁVILA
da Folha de S.Paulo

Quando Siegfried Engelmann e Elaine Bruner escreveram a historieta "My Pet Goat" (meu bode de estimação) como parte de uma cartilha de alfabetização para crianças norte-americanas, não imaginavam a fama mundial que seu texto alcançaria.

Pois foi este livro que o presidente George W. Bush ficou lendo naquela manhã de 11 de setembro de 2001, numa classe de 16 alunos numa escola pública da Flórida. Por sete minutos. Ele já havia sido avisado que o primeiro avião entrara na primeira torre do World Trade Center. O segundo aviso foi mais claro: "Sr. presidente, o país está sob ataque", sussurrou ao seu ouvido seu chefe de pessoal.

Para quem foi desmamado a goles de Hollywood, como dois terços do mundo, logo vem à mente um time de policiais secretos resgatando o presidente, e este, em pouco tempo, já a bordo do Air Force One, dando ordens, fazendo ligações, avaliando o caos.

Sete minutos. É preciso colocar este lapso em perspectiva. Em sete minutos, você lê toda esta página duas vezes, e ainda sobra um troco. Por 420 segundos, o supremo mandatário da única superpotência mundial ficou, boçal e olhar bovino, sem saber o que fazer.

Só por este achado --a gravação estava na tal escola, à disposição de quem quisesse ver; nenhum jornalista de nenhuma mídia foi atrás, até que Michael Moore ligou e pediu a fita--, "Fahrenheit 11 de Setembro" já vale a pena.

Há outro ponto forte: as imagens, os depoimentos dos soldados norte-americanos em ação no Iraque e (furo mundial, pré-fotos do "Washington Post") parte desses soldados tratando de forma abusiva prisioneiros iraquianos.

E é mais ou menos isso. Com a tranqüilidade de quem cobriu in loco os três principais eventos tratados no filme (as eleições presidenciais norte-americanas de 2000, o ataque terrorista de 11 de setembro e a invasão do Iraque), este repórter pode dizer que não há nenhuma novidade no resto das informações e imagens.

Mas é a maneira como Michael Moore as reúne e principalmente o motivo pelo qual ele faz isso que tornam "Fahrenheit 11 de Setembro" um filme histórico. Tendencioso, parcial e mesmo mentiroso em algumas partes, mas histórico.

Primeiro porque o autor assumiu que não se trata de um documentário, mas um libelo, cujo objetivo é tirar Bush da Casa Branca nas eleições de novembro. Segundo porque, no atual equilíbrio de forças entre conservadores e liberais nos EUA de hoje, com franco predomínio dos primeiros, Moore é um mal necessário.

Dito isso, pode-se discutir as qualidades do filme. São poucas. Como cinema, mereceria o Oscar de edição (ganhou a Palma de Ouro em Cannes). Diferentemente dos outros documentários de Moore, neste ele aparece pouquíssimo e apresenta poucas imagens originais, captadas por ele.

Mesmo como libelo, há falhas. Uma delas é o excesso de apelação (uma marca de Moore já presente no episódio Charlton Heston de "Tiros em Columbine"), como quando ele coloca a mãe do soldado morto em combate para chorar em frente à Casa Branca.

Outra é o extremo reacionarismo do próprio Moore, disfarçado de "boa causa". Belicista, ele apóia "nosso garotos" no Iraque. Chauvinista, demoniza os sauditas (demonização que a legendagem brasileira corrobora sem querer, ao errar na tradução e chamar todos simplesmente de "árabes").

Egocêntrico, como bem disse o geógrafo Demétrio Magnoli, é incapaz de olhar além do próprio umbigo ao sugerir que foi a ganância econômica da família Bush que gerou os ataques de 11 de Setembro, e não anos e anos de política externa intervencionista e imperialista norte-americana.

Se os EUA estivessem sob um governo democrata, este filme ganharia bola preta de avaliação nesta crítica. Como o presidente ainda é o republicano George W. Bush, leva quatro estrelas.

Avaliação:

Fahrenheit 11 de Setembro (Fahrenheit 9/11)
Produção: EUA, 2003
Direção: Michael Moore
Quando: a partir de hoje no Bristol, Espaço Unibanco, Jardim Sul e circuito

Leia mais
  • Militantes comparam cinema feito por eles ao de Michael Moore

    Especial
  • Arquivo: veja o que já foi publicado sobre "Fahrenheit 11 de Setembro"
  •  

    Publicidade

    Publicidade

    Publicidade


    Voltar ao topo da página