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29/06/2009 - 19h49

Notícia e poesia se misturam na obra de Heitor Ferraz

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TERESA CHAVES
Colaboração para a Folha Online

Um poema é repleto de significados escondidos. A cada verso pouco fica explícito, para que o leitor tenha possibilidade de se encontrar e se perder nas estrofes. Um poema é, muitas vezes, um exercício de concisão. De dizer mais com pouco, de significar mais do que fazer compreender. A poesia é algo dotado de espaços e de uma certa solenidade para falar dos assuntos mais banais. Esse ar solene de um poema pode trazer um novo olhar sobre o cotidiano, sobre o ser de todo dia: é nesse olhar invertido, nessa posição de avesso que o poeta Heitor Ferraz, 45, encontra sua zona de (des)conforto.

Ele nasceu em Puteaux, na França, mas passou sua infância em São José dos Campos, no interior de São Paulo. Mudou-se para a capital aos 11 anos, e essa mudança se refletiu nas decisões tomadas pelo autor. Leitor desde muito jovem, não tinha dúvidas de que queria fazer de sua vida uma vida dedicada à construção da palavra --só não sabia como fazê-lo. Escrevia poemas, mas não pensava em transformar a poesia em profissão. Na dúvida, seguiu pelos dois caminhos, cursou letras e jornalismo, na esperança de poder decidir um pouco depois os rumos que queria para a sua carreira.

Reprodução
Versos de Ferraz descobrem o incomum na arquitetura da cidade
Versos de Ferraz descobrem o incomum na arquitetura da cidade

Não pôde. O trabalho nas redações dos jornais começou cedo e se tornou a opção profissional de um jovem que acreditava que o jornalismo poderia ajudar na literatura. Era uma profissão, mas não uma vocação. Mas Ferraz nunca abriu mão da poesia, ainda que fosse as ideias anotadas na redação fossem ser revistas e utilizadas longos períodos depois, numa época de desemprego ou de férias.

Apesar de ter trabalhado na grande imprensa, nunca participou diretamente da editoria de cultura. Procurava escrever resenhas para publicação, como forma de não se distanciar da literatura. Foram incontáveis as vezes em que quis pedir demissão da redação de um jornal ou de uma editora para trabalhar num projeto literário. Mas conseguiu dar conta de tudo e, entre as impressoras, publicou seis livros, a maioria pela editora Sette Letras.

A poesia de Ferraz é poesia de concisão. Ele é preciso em seus recortes, como se usasse uma navalha para definir seu olhar. Não desperdiça vocábulos, cada livro tem em torno de 40 poemas, alguns muito menos. Seus versos são repetitivos, nunca repetidos --é proposital a volta que ele faz sobre os mesmos temas, uma dança triste e nostálgica sobre a infância, a solidão, a frustração de relações. O eu-lírico de Ferraz é alguém que sofre das saudades da vida interiorana, que se perde no isolamento da cidade, que é muito só dentro da multidão. É um eu-lírico velho escrito por um poeta jovem, e ambos parecem saber que a vida urbana é repleta de perdas, de esquecimentos.

Seus versos reconstroem uma arquitetura surpreendente da cidade, e em meio a janelas e paredes esse eu-lírico surpreende cenas que seriam comuns, mas que se tornam inesquecíveis quando traduzidas nas poucas palavras de um olhar inesperado: "A cabeça cheia desse rumor que não se sabe bem/de onde vem/ Cinza cinza cinza cinza/ alterando os guarda-chuvas com/ grande variedade/ A esgrima da esquina era por um pedaço de pão?/ por um gole de chuva?", vê ele no poema "Arco de Proteção".

O desencanto com a vida urbana segue entrelaçado com a memória da infância, de uma sucessão de coisas imediatas e cotidianas, um verdadeiro "Resumo do Dia" (Ateliê Editorial, 1996), como conta o título de seu primeiro livro. Ele pouco faz uso de recursos tradicionais da poesia, como metáforas ou ressonâncias. Prefere as elipses, os saltos que levam para um silêncio belo e reflexivo.

Hoje, Ferraz é poeta, editor e professor de jornalismo. Suas críticas à antiga formação são inúmeras. Não, jornalismo não passa perto de literatura. Não, nem todo jornalista tem bom texto. Não, o jornalismo não forma, ele apenas informa, ocupa e nem sempre dá o que pensar. Não, a linguagem jornalística não favorece a literatura. Pelo contrário, pode atrapalhar. Os vícios jornalísticos que ele adquiriu levaram anos para começar a ser superados dentro de seu vício maior, a literatura. Esta necessita de uma sutileza de que a objetividade da informação carece. E literatura não precisa informar, precisa? Ela precisa significar, isso sim.

Mas, apesar do contato constante com a palavra, de ter os livros como vício adolescente, Ferraz diz não acreditar em vocação. O que forma alguém para ele, o que decide o caminho a ser seguido, é um interesse inexplicável. Ninguém nasce com uma estrela sobre a cabeça (será?) que guia para um alvo sem desvios. E esse interesse pode ser sobre qualquer coisa, como jogar bola, ler simplesmente, pintar, fazer música. Escrever é apenas um dentre tantos.

Talvez seja essa falta de pretensão, ou a certeza de que um escritor que sonha com o reconhecimento acima de todas as coisas está no caminho errado, que torne a poesia de Ferraz tão atraente. Cada nova visão sobre algo, cada olhar direcionado, cada memória descrita trazem em si um certo desalento, uma certa angústia, mas também uma delicada e bela certeza. Lembrar é sim um esforço dentro da avalanche de informações que nos atinge; mas cada memória recapturada é uma afirmação de todas aquelas experiências que nos ensinam o que realmente conta, o que constrói. O resto é excesso, como uma folha de papel em branco.


Fontes: Revista "Agulha"; Pena de Aluguel; Nankin; 7 Letras

Comentários dos leitores
suerly gonçcalves (20) 05/07/2009 02h54
suerly gonçcalves (20) 05/07/2009 02h54
AA musa Cláudia Ohana jamais poderia ter sido barrada no acesso a tenda, ainda mais no encosto do casal de escritores. Isso não se faz. Algum problemático a barrou. Faltaram-lhe conhecimentos necessários da importante contribuição dela na sala, ou tratou-se de caso de birra? Se verificar o vídeo e câmeras de segurança, verão que outros personagens ingressaram, antes e após. A norma deve ser aplicada com bom senso. Não pode ser no pontapé. Nem um juiz está mais autorizado a punir sem fornecer as devidas explicações para o réu ou vítima. Isso é respeito à cidadania. Diante da norma de igualdade de todos, privilegie a contribuição importante. A aceitação é o primeiro passo. O sentido poderá vir depois. Seus...
suerly gonçalves veloso
sugonl@uol.com.br
sem opinião
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Paulo Pinto (14) 04/07/2009 20h58
Paulo Pinto (14) 04/07/2009 20h58
Chico é Deus..pena que pessoas de baixo nível não tenham acesso à sua cultura
Taí a Ivete Sangalo, pagodes e sertanejos para agradarem esses coitados.
Fiquem com eles e eu com o Chico
1 opinião
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Diocleciano Campos (138) 04/07/2009 17h56
Diocleciano Campos (138) 04/07/2009 17h56
OLHA AÍ
AI, OLHA AÍ, OLHA AÍ
OLHA, AÍ
É O MEU GURI
Além de excelente compositor, também o é escritor.
3 opiniões
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