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28/09/2006 - 16h31

Poeta Augusto de Campos vê poema como móbile; leia entrevista

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Colaboração para a Folha

Palavras com timbres e tons compõem os versos de Augusto de Campos, 75. Co-fundador do movimento concreto, o poeta, tradutor e ensaísta incorpora, desde a década de 80, as possibilidades das novas mídias nos poemas.

Em entrevista à Folha por e-mail, o poeta, citado por especialistas e escritores como mestre da poesia experimental, fala sobre a herança do concretismo e o uso da tecnologia.

Folha - O senhor é tido por críticos e poetas como o grande ícone da poesia experimental, que continuou se reinventando ao longo do tempo. O senhor enxerga uma ligação entre o poema concreto e o uso de novas tecnologias na poesia?

Augusto de Campos - Mallarmé, sim, é o grande ícone. Abriu o caminho para todos, entre-séculos, há mais de cem anos, com o seu poema espaçotemporal "Um Lançe de Dados". A ligação com a poesia concreta é evidente, já que, a partir da segunda metade do século passado, reabilitou as propostas de Mallarmé e das vanguardas históricas, então desprestigiadas, chamou a atenção para a materialidade da palavra poética e repôs em circulação, em bases sólidas e coerentes, a questão da poesia visual, fonovisual, espacial e cinética --a apresentação "verbivocovisual" preconizada pelos concretos. Preparou o terreno, em termos artísticos, para as mutações tecnológicas da comunicação que iriam desembocar na linguagem digital nas duas últimas décadas. A "gramática" estrutural da poesia concreta claramente perceptível nas poéticas tecnológicas, da holografia à ciberália. Ver, a respeito, as considerações de Kenneth Goldsmith, o poeta-webmaster do site www.ubu. com a propósito de Noigandres, destacando a precursão dos poemas "Life" e "Organismo", de Décio Pignatari.

Folha - Qual é o lugar ocupado pela poesia experimental na literatura?

Campos - Experimental é a poesia que envolve a pesquisa de novas linguagens e não apenas a auto-expressão. É indispensável para quebrar convenções, desamarrar a imaginação poética, criar novas sendas de especulação literária. Permanece, quando é também grande poesia. É o que Ezra Pound _ele próprio, um bom exemplo_ chamava da poesia dos "inventores", em contraste com a dos "mestres" e a dos "diluidores", sendo estes propriamente os aperfeiçoadores e/ou grandes difusores da arte poética. Geralmente, quem fatura as glórias são os poetas das duas últimas categorias (os diluidores, por pouco tempo). Os experimentais ficam de quarentena. Até a chegada da poesia concreta, o "Um Lance de Dados" mallarmeano era considerado um fracasso pela crítica. Consolo e/ou desafio para todos: a tipologia pode misturar-se, para melhor ou pior, até num mesmo poeta. Poetas ou não, os inventores são mais contestados e correm maiores riscos. Das Demoiselles d'Avignon à Demoiselle de Santos Dumont.

Folha - Por que a necessidade de usar outros recursos além da linguagem verbal para fazer poesia?

Campos - Desde tempos imemoriais a poesia não se fez só com palavras. Ver a antiga poesia chinesa, onde a pintura se mesclava aos caracteres ideográficos. Na tradição ocidental, a poesia visual ocupou sempre um território marginal, embora com momentos significativos na Idade Média e no Barroco. Na modernidade, a crescente comunicação por imagens, foto-cine-TV-vídeo-digitais, conduzida pelos notáveis avanços da tecnologia, caminhando ao lado da revolução da produção eletroacústica e sonora, criou recursos extremamente valiosos para a a imaginação poética. Recursos que mudaram a própria apresentação material do poema. Os poetas não são obrigados a usá-los e, por outro lado, o domínio dessas novas tecnologias não assegura excelência poética a ninguém. Mas acho cada vez mais difícil desprezá-los. E a poesia experimental encontra aí um grande instrumental para as suas viagens e explorações inter-náuticas. A poesia não-experimental só tem a lucrar. Alguns dirão que a vanguarda acabou e farão suas obras com as sobras dos naufrágios.

Folha - O que o move a escrever e a continuar experimentando?

Campos - Uma inquietação nata. Afora isso, gosto de novas técnicas e de computador, e sempre me interessei por lidar com tipos, cores, sons e imagens. Para mim, a poesia é móbile.

LUIZA DE ANDRADE Luiza Andrade participou da 41ª turma de treinamento da Folha, que foi patrocinada pela Philip Morris Brasil

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