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02/10/2006 - 09h23

No cinema, Selton Mello diz ter deixado TV "para o bem do público"

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SILVANA ARANTES
da Folha de S.Paulo, no Rio

O fantasma do esquecimento anda rondando o ator Selton Mello. "Você estava na minha festa ontem?", ele pergunta à reportagem da Folha. "Não consigo lembrar quem foi."

"Ontem" era a quarta-feira passada, quando, numa comemoração em seu apartamento, na Gávea, Mello tinha razões para lembrar e também para esquecer a noite que começou no Cine Palácio, no centro do Rio, com a sessão de seu mais novo trabalho em cinema.

Ele é Lourenço, protagonista de "O Cheiro do Ralo", segundo longa de Heitor Dhalia (o mesmo de "Nina") e concorrente da Première Brasil que se tornou a grande surpresa deste Festival do Rio, que continua até a próxima quinta-feira.

Lourenço é um personagem repulsivo. Comerciante de uma loja do tipo "compra tudo", ele negocia com a fragilidade alheia, desfrutando da situação de quem se vê sem saída.

No que considera seu "trabalho mais maduro no cinema, com um humor econômico, contido, sem pesar a mão", Mello conseguiu fazer com que a platéia se envolvesse com Lourenço do início ao fim do filme. Mas foi um apego com certa dose de crueldade.

O público riu abertamente não apenas dos personagens que Lourenço humilhou mas também de seu próprio caminho rumo à desolação.

"Aquilo me fez mal, me incomodou, foi doloroso, porque eu vivi aquele cara", afirma Mello, que implorou pelo papel.

"Não fui convidado para fazer esse filme. Eu fui atrás dele. Quando soube que o Heitor [Dhalia] iria filmar [o livro "O Cheiro do Ralo", do quadrinista Lourenço Mutarelli], fiquei alguns meses ligando para ele, falando do meu interesse e pedindo que ele me considerasse como uma possibilidade", diz.

Pausa na TV

Não é que, aos 33 anos, Mello estivesse sem propostas de trabalho. Apreciado por diretores como Luiz Fernando Carvalho ("Lavoura Arcaica") e Guel Arraes ("Lisbela e o Prisioneiro"), ele continua sendo um dos atores mais requisitados do cinema brasileiro.

E continua disposto a manter-se longe da TV, onde começou sua carreira, ainda criança, e de onde se afastou em 1999, deixando "Força de um Desejo" com a marca de ter sido sua última novela (até aqui).

"Comecei a me sentir um funcionário. Para o meu bem e para o bem das pessoas que assistem à televisão, decidi parar", avalia o ator.

Os convites para voltar continuam chegando. Mas nenhum deles despertou em Mello a condição que ele julga indispensável para dizer um sim: "Se eu voltar um dia, tem de ser com brilho no olho".

No momento, o que mais reluz para o ator é a perspectiva de se tornar diretor de cinema. Ele planeja para o ano que vem rodar seu primeiro longa, porque "há coisas que você quer contar, e não é como ator".

Uma delas Mello já contou, no curta-metragem "Quando o Tempo Cair", que está em competição no Festival do Rio.

"É a história de um excluído", diz. Mas não de um excluído qualquer. O curta acompanha um homem idoso que tenta voltar ao mercado de trabalho, para ajudar a manter o filho (em depressão) e o neto.

Esse homem é o ator Jorge Loredo, o lendário intérprete de Zé Bonitinho, que Mello encontrou esquecido, num dia em que foi entrevistá-lo para o seu programa "Tarja Preta" (Canal Brasil). Mello perguntou a Loredo por que ele nunca mais havia feito cinema. "Porque nunca mais me convidaram", foi a resposta.

Fantasma

"O maior fantasma para um ator é o esquecimento. Isso me pegou", afirma o ator/diretor. A operação de resgate foi bem-sucedida. Loredo está filmando agora em São Paulo com a cineasta Laís Bodanzky ("Bicho de Sete Cabeças") seu novo longa, "Chega de Saudade".

Selton Mello também está de volta ao set. E mais uma vez como ator. Ele interpreta um policial federal em "Federal", filme dirigido por Eryk de Castro e ambientado em Brasília.

Será seu segundo personagem adulto no cinema. O primeiro é Lourenço, de "O Cheiro do Ralo". Em todos os demais trabalhos --cujos pontos altos, na opinião do ator, são "Lavoura Arcaica" (2001) e "O Auto da Compadecida" (Guel Arraes, 2000)-- ele era um adolescente, do tipo garotão ou trágico, como no filme de Luiz Fernando Carvalho sobre o livro de Raduan Nassar, a partir do qual Mello reorientou sua carreira.

"Quando eu falei [o texto] 'quero ser o profeta da minha própria história' no [filme] 'Lavoura Arcaica', mudei meu rumo. Tive a real dimensão da grandeza da minha profissão", diz Mello, olhos cheios d'água.

A virada profissional ocorrida em 1998, seu "ano de ouro", que desembocou em "O Cheiro do Ralo" e no reconhecimento de seu desempenho como Lourenço, na quarta passada, era um (bom) fantasma rondando a festa pós-sessão --em que a Folha não esteve.

Selton Mello, afinal, não anda tão esquecido.

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